"História da Riqueza do Brasil" de
Jorge Caldeira.
No Brasil colonial e imperial, as escolas foram escassas. Tão raras que, até a virada do século XX, o baixo índice de alfabetização determinava um comportamento peculiar de quem passava por elas: como a condição excepcional de alfabetizado permitia que o indivíduo se considerasse um ser de elevado estatuto social, esses poucos alfabetizados costumavam reforçar ao máximo as diferenças entre o falar e o escrever como sinal de sua distinção. Por isso escreviam e se comunicavam segundo normas complicadas de ortografia, sintaxe e estilo. Ironizavam a “incapacidade” dos analfabetos de entenderem a própria língua na qual se comunicavam. Tornavam difíceis as condições para a disseminação da escrita nas escolas existentes, perpetuando essa situação. (...)"
in "História da Riqueza no Brasil" de Jorge
Caldeira. Págs 17 e 18
"A despeito de todas as
dificuldades estatísticas, demógrafos históricos estimam que o território das
chamadas terras baixas, a porção a leste dos Andes no continente sul-americano,
teria, em 1500, uma população entre 1 milhão e 8,5 milhões de pessoas.
Linguistas especializados em história identificaram mais de 170 línguas faladas
por esses povos e distribuídas em quatro grandes troncos linguísticos: tupi-
guarani, jê, caribe e aruaque. Essa imensa variedade linguística leva a algumas
discussões sobre os primórdios da ocupação humana na região. De acordo com
indícios recentes, os primeiros grupos ali se instaram há 30 mil anos
(ampliando assim a estimativa anterior, de pouco mais de 10 mil anos), depois
de terem eventualmente percorrido duas rotas, uma por terra desde a América do
Norte e a outra pelo oceano Pacífico.
As características comuns a tantos grupos são poucas: quase
todos viviam em aldeias autônomas. Sempre que o grupo atingia certo porte havia
divisão, com parte dos moradores se mudando e formando um novo grupo. Desse
modo, o governo era exercido apenas na área de domínio de cada aldeia. Bastante
variado era o nível de desenvolvimento tecnológico: num extremo, pequenos
grupos de coletores migrantes que desconheciam a agricultura; no outro, os
chamados cacicados da Amazônia, com dezenas de milhares de indivíduos (no
século XVI, para comparação, a população de Madri era de 30 mil pessoas) que
viviam em aglomerações extensas e cultivavam terras irrigadas. Como nenhum
desses grupos conhecia a metalurgia, as ferramentas de trabalho e os utensílios
domésticos eram feitos de pedra e madeira.
Por outro lado, o conhecimento sobre as espécies naturais
era muito avançado. Enquanto os médicos europeus manipulavam algo como uma
centena e meia de espécies vegetais no século XVI, algumas populações
trabalhavam com cerca de 3 mil espécies – e três quartos de todas as drogas
medicinais de origem vegetal empregadas atualmente no mundo derivam desse
conhecimento nativo. Nenhum dos grupos conhecia a escrita – o que está longe de
significar a inexistência de leis. Assim como dominavam a fala e a linguagem,
todos os grupos viviam segundo regras de comportamento precisas, embora não escritas.
Para eles, as leis se mostravam nos costumes, nos comportamentos prescritos e
seguidos por todos. Como dizia Rousseau, “o costume é a maior de todas as leis,
pois se grava nos corações”.
A imensa maioria dos costumes não era apenas local, como o
espaço de governo de cada aldeia. Havia um alto nível de generalidade, mais
notável no caso do macrogrupo Tupi-Guarani. Apesar da variedade geográfica e
linguística, os Tupi-Guarani exibiam um nível comum de conhecimentos, domínio
tecnológico e costumes. Alguns povos desse grupo alcançaram um patamar de
tecnologia relativamente elevado em relação aos demais. Além do conhecimento
das espécies naturais, domesticaram cultivares importantes como milho,
mandioca, tabaco e algodão ( espécies desconhecidas até então no Ocidente).
Tinham sistemas agrícolas de boa produtividade: em apenas três ou quatro horas
diárias de trabalho, os moradores das aldeias produziam não apenas o necessário
para sobreviver, mas o suficiente para manterem estoques de segurança
alimentar. Numa época em que a fome era um flagelo na Europa, os Tupi-Guarani
se constituíam em exceção de relativa fartura."
in "História da Riqueza no Brasil" de Jorge
Caldeira. Págs 23 e 24
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