quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

"História da Riqueza no Brasil" de Jorge Caldeira


"História da Riqueza do Brasil" de Jorge Caldeira.  

No Brasil colonial e imperial, as escolas foram escassas. Tão raras que, até a virada do século XX, o baixo índice de alfabetização determinava um comportamento peculiar de quem passava por elas: como a condição excepcional de alfabetizado permitia que o indivíduo se considerasse um ser de elevado estatuto social, esses poucos alfabetizados costumavam reforçar ao máximo as diferenças entre o falar e o escrever como sinal de sua distinção. Por isso escreviam e se comunicavam segundo normas complicadas de ortografia, sintaxe e estilo. Ironizavam a “incapacidade” dos analfabetos de entenderem a própria língua na qual se comunicavam. Tornavam difíceis as condições para a disseminação da escrita nas escolas existentes, perpetuando essa situação. (...)"

in "História da Riqueza no Brasil" de Jorge Caldeira. Págs 17 e 18

"A despeito de todas as dificuldades estatísticas, demógrafos históricos estimam que o território das chamadas terras baixas, a porção a leste dos Andes no continente sul-americano, teria, em 1500, uma população entre 1 milhão e 8,5 milhões de pessoas. Linguistas especializados em história identificaram mais de 170 línguas faladas por esses povos e distribuídas em quatro grandes troncos linguísticos: tupi- guarani, jê, caribe e aruaque. Essa imensa variedade linguística leva a algumas discussões sobre os primórdios da ocupação humana na região. De acordo com indícios recentes, os primeiros grupos ali se instaram há 30 mil anos (ampliando assim a estimativa anterior, de pouco mais de 10 mil anos), depois de terem eventualmente percorrido duas rotas, uma por terra desde a América do Norte e a outra pelo oceano Pacífico. 

As características comuns a tantos grupos são poucas: quase todos viviam em aldeias autônomas. Sempre que o grupo atingia certo porte havia divisão, com parte dos moradores se mudando e formando um novo grupo. Desse modo, o governo era exercido apenas na área de domínio de cada aldeia. Bastante variado era o nível de desenvolvimento tecnológico: num extremo, pequenos grupos de coletores migrantes que desconheciam a agricultura; no outro, os chamados cacicados da Amazônia, com dezenas de milhares de indivíduos (no século XVI, para comparação, a população de Madri era de 30 mil pessoas) que viviam em aglomerações extensas e cultivavam terras irrigadas. Como nenhum desses grupos conhecia a metalurgia, as ferramentas de trabalho e os utensílios domésticos eram feitos de pedra e madeira.

Por outro lado, o conhecimento sobre as espécies naturais era muito avançado. Enquanto os médicos europeus manipulavam algo como uma centena e meia de espécies vegetais no século XVI, algumas populações trabalhavam com cerca de 3 mil espécies – e três quartos de todas as drogas medicinais de origem vegetal empregadas atualmente no mundo derivam desse conhecimento nativo. Nenhum dos grupos conhecia a escrita – o que está longe de significar a inexistência de leis. Assim como dominavam a fala e a linguagem, todos os grupos viviam segundo regras de comportamento precisas, embora não escritas. Para eles, as leis se mostravam nos costumes, nos comportamentos prescritos e seguidos por todos. Como dizia Rousseau, “o costume é a maior de todas as leis, pois se grava nos corações”.

A imensa maioria dos costumes não era apenas local, como o espaço de governo de cada aldeia. Havia um alto nível de generalidade, mais notável no caso do macrogrupo Tupi-Guarani. Apesar da variedade geográfica e linguística, os Tupi-Guarani exibiam um nível comum de conhecimentos, domínio tecnológico e costumes. Alguns povos desse grupo alcançaram um patamar de tecnologia relativamente elevado em relação aos demais. Além do conhecimento das espécies naturais, domesticaram cultivares importantes como milho, mandioca, tabaco e algodão ( espécies desconhecidas até então no Ocidente). Tinham sistemas agrícolas de boa produtividade: em apenas três ou quatro horas diárias de trabalho, os moradores das aldeias produziam não apenas o necessário para sobreviver, mas o suficiente para manterem estoques de segurança alimentar. Numa época em que a fome era um flagelo na Europa, os Tupi-Guarani se constituíam em exceção de relativa fartura."

in "História da Riqueza no Brasil" de Jorge Caldeira. Págs 23 e 24


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