quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

O aumento da demanda por commodities é uma oportunidade para o Brasil(Décio Oddone)

 Décio Oddone: O aumento da demanda por commodities é uma oportunidade para o Brasil


Por Décio Oddone*


  


Rio, 21/12/2022 - Ao longo das últimas décadas, três setores vinculados à produção de commodities tiveram um crescimento destacado e mudaram a história econômica do Brasil. O agronegócio se desenvolveu de forma extraordinária, fazendo com que o País deixasse de ser importador de alimentos e se convertesse num dos celeiros do mundo. Tornou-se o setor mais promissor, dinâmico e importante da economia brasileira. A mineração, com a privatização da Vale, a exploração de Carajás e o aumento das exportações, especialmente para a China, também passou por uma transformação extraordinária. A indústria brasileira de petróleo, ao se converter em exportadora relevante, fez com que a sonhada autossuficiência se transformasse em realidade.


No entanto, apesar da trajetória virtuosa em comum, a forma como esses três setores são percebidos pela sociedade é diferente. Enquanto a agroindústria é bem-vista, aceita e respeitada, os negócios vinculados à extração mineral passam por constantes questionamentos.


Muitas razões podem ser levantadas para isso, como a politização do petróleo, os debates sobre a privatização da Vale, ou questões relacionadas ao meio ambiente, exacerbadas pelos acidentes na Baía Guanabara, no Rio Paraná e com a plataforma P-36, no passado; ou em Mariana e Brumadinho e com a presença de óleo nas praias do Nordeste, mais recentemente.

Também a dificuldade em comunicar, de forma didática, os benefícios das atividades complexas de mineração e produção de petróleo. Ou, ainda, as diferenças no perfil dos agentes atuando nesses setores. Enquanto as atividades agrícolas são executadas de forma pulverizada, por milhões de pequenos e grandes empreendedores, a mineração em larga escala e a exploração de petróleo e gás natural estão concentradas em poucas e grandes empresas.


No mundo, o setor de energia representa 86% das emissões de CO², enquanto o uso da terra responde por 10%. No Brasil, o quadro é distinto. O uso da terra provoca 67% das emissões. A energia, somente 31%. O petróleo brasileiro tem intensidade média de carbono de 15 kg CO² por barril produzido, menor que a média mundial, que é de 22. Apesar desses números, a produção de petróleo é percebida como mais prejudicial ao ambiente que o desmatamento ilegal.


Além disso, para parte da sociedade, a extração de recursos minerais é considerada estratégica e deve ser conduzida pelo governo. Como o Estado não tem recursos para fazer tudo, escolhas devem ser feitas. O ideal é que a extração mineral seja tratada como de fato é: um negócio que deve ser conduzido de forma responsável e transparente, com respeito ao meio ambiente e à sociedade, sob a regulação do Estado. Essa politização da mineração e do petróleo lembra um conhecido comentário da ex-primeira-ministra inglesa Margareth Tatcher, que, ao ser questionada por um jornalista brasileiro nos anos 1980 se o petróleo, por ser estratégico, não deveria ficar sob controle do Estado, teria dito que "nada é mais estratégico do que comida, mas isto não é razão para o Estado plantar batatas".


Ninguém defende que o Estado plante batatas, arroz, soja ou trigo, ou que um produtor de soja deve desenvolver uma planta esmagadora do produto, mas se debate se uma empresa estatal deve investir em refinarias de petróleo ou se uma mineradora deve construir siderúrgicas. É natural que a industrialização das commodities, tanto agrícolas quanto minerais ou energéticas, seja desejável. Mas a industrialização não deve se dar em detrimento da eficiência e do ganho global para as empresas e para a sociedade. Nem sempre a verticalização de uma empresa é a melhor forma de alocar capital. Frequentemente focar no aumento da produção traz melhores resultados que desviar recursos para construir plantas de processamento, siderúrgicas ou refinarias. Uma maior oferta de produtos agrícolas e minerais e de energia é fator importante para aumentar as exportações e para incentivar a industrialização de qualquer país. E a disponibilidade de minerais estratégicos será fundamental para a eletrificação e para a transição energética.


Parte do sucesso do setor de commodities brasileiro deveu-se ao aumento do consumo no Oriente, processo que se originou na China, mas que deve continuar nas próximas décadas, à medida que a Índia e outros países da Ásia e da África se insiram mais na economia global e que a descarbonização avance. Essa janela de oportunidade não pode ser desperdiçada pelo Brasil.


Em um país com dezenas de milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, carências imensas e falta de recursos para investir em saúde, educação e segurança, deixar de explorar os recursos naturais na sua plenitude e com o devido senso de urgência não é uma opção. O maior inimigo do meio-ambiente é a pobreza. O princípio da precaução adotado para regrar o licenciamento ambiental deve ser empregado de forma responsável, sem causar efeitos mais nocivos que os impactos evitados.


Não faltam tecnologia, disposição e responsabilidade nas grandes empresas para explorar adequadamente os minerais, o petróleo e o gás brasileiros. É preciso criar um ambiente em que projetos responsavelmente executados sejam aprovados com agilidade e que as discussões sobre o papel do Estado não sirvam de trava para investimentos.


A disponibilidade de áreas para exploração deve ser regular e contínua. O modelo de oferta permanente, adotado no setor de petróleo, em que blocos estão sempre à disposição dos investidores, poderia ser empregado de forma mais abrangente na mineração. A exploração de petróleo, gás e minerais só deve ocorrer em locais previamente selecionados. Por isso é fundamental avançar na definição das regiões do País e do mar territorial que, por razões ambientais ou sociais, não devem ser abertas para empreendimentos extrativistas. Nessas áreas não deve haver oferta nem licitações para exploração de qualquer espécie. Nas demais, no entanto, os requisitos ambientais e sociais mínimos devem ser estabelecidos previamente e cobrados nos estudos de impacto ambiental. Uma vez atendidos, não deve haver razões para demora na concessão das licenças ambientais correspondentes.


Pragmaticamente, é necessário superar as ideologias e percepções e tratar a mineração e o petróleo como o agronegócio é tratado, priorizando a produção e a geração de valor. As empresas e associações do setor de mineração e de petróleo e gás, a exemplo do que foi feito pelo agronegócio, têm um grande trabalho de comunicação e reposicionamento a fazer, talvez, por que não em conjunto? Minério e petróleo, parafraseando o slogan bem-sucedido das campanhas publicitárias do agronegócio, também são "pop", ou seja, também produzem muitos benefícios para os brasileiros. Mas melhorar a comunicação não é suficiente. A questão é muito mais complexa e ampla. Envolve não só a indústria, mas a sociedade como um todo, principal beneficiária dos investimentos e do crescimento da produção. A construção de um ambiente mais favorável ao aumento das operações de petróleo, gás e mineração é necessária para que o País aproveite essa oportunidade. Deveria ser uma prioridade para as lideranças políticas e empresariais brasileiras nesse momento em que recursos adicionais serão mais que bem-vindos.


*Décio Fabrício Oddone da Costa é CEO da Enauta S.A. Escreve mensalmente para o Broadcast Energia. Este artigo representa exclusivamente a visão do autor.


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