sábado, 30 de janeiro de 2021

O tsnunami se aproxima(Fernando Reinach, Estado, 30 1 2021)

 FERNANDO REINACH - O tsnunami se aproxima


sábado, 30 de janeiro de 2021


 

O Estado de S. Paulo  / Metrópole

Cenário Político-Econômico: Colunistas

Tudo indica que um tsunami vai atingir o Brasil. A Europa e Manaus já estão sofrendo com novas cepas do SARS-CoV-2 que se espalham rapidamente. Elas são difíceis de controlar, aumentam o número de mortes por 100 mil habitantes, e conseguem ludibriar parcialmente o sistema imune dos já infectados e vacinados. A solução na Europa tem sido trancar a população em casa e vacinar em questão de semanas todo o grupo de risco com as vacinas da Pfizer e Moderna. E na falta destas, com a vacina da AstraZeneca. A questão não é se esse tsunami vai se espalhar pelo Brasil, é quando isso vai acontecer, qual a intensidade, e se vamos estar preparados.


Para sentir o perigo basta entender um dos trabalhos publicados esta semana sobre as novas cepas. Escolhi o estudo feito pelo grupo de David Ho. Ele é um cientista que você pode descrever em uma frase: Ho transformou a AIDS de uma sentença de morte em uma doença crônica controlável por um coquetel de antirretrovirais. Foi dele a ideia de evitar o aparecimento de novas cepas de HIV usando combinações de drogas.


Utilizando técnicas de engenharia genética o grupo de Ho é capaz de construir e testar as propriedades das mais diferentes cepas do SARS-CoV-2. Cada cepa contém uma ou mais das mutações da Inglaterra (B.1.1.7) e da África do Sul (B.1.351). Para a cepa inglesa, além da original que já circula, os cientistas construíram cepas contendo cada uma das 8 mutações mais importantes. Para a cepa da África do Sul, além da própria, foram construídas cepas com cada uma das 9 mutações. De posse dessa coleção, os cientistas mediram sua capacidade de invadir células humanas. Essa medida foi feita na presença e na ausência de anticorpos gerados contra o SARS-CoV-2 original. Esse experimento permite determinar a capacidade de cada anticorpo de bloquear a entrada de cada cepa em células humanas. Anticorpos que evitam a entrada (chamados de neutralizantes) devem proteger a pessoa. Os que não evitam a entrada não devem proteger.


Num primeiro estudo foi averiguada a capacidade de 18 anticorpos monoclonais (como os utilizados para tratar Donald Trump) de neutralizar cada uma das cepas. São 324 experimentos distintos. Em seguida os cientistas repetiram o experimento usando os anticorpos presentes no soro de 20 pacientes que se recuperaram de casos graves e leves de covid-19 causado pelo SARSCoV-2 original. Isso gerou outra tabela com 360 resultados. Finalmente repetiram os experimentos usando os anticorpos presentes no soro de 22 pessoas que haviam sido imunizadas com avacina da Pfizer (10 pessoas) e da Moderna (12 pessoas) para verificar se essas cepas conseguiam escapar dos anticorpos gerados por essas duas vacinas. São mais 396 resultados.


Os cientistas conseguiram determinar quais anticorpos neutralizam qual cepa. A primeira conclusão é que a inglesa, B.1.1.7, não é neutralizada por nenhum dos anticorpos dirigidos para a região N-terminal da proteína Spike do SARS-CoV-2 original. Entretanto ela é parcialmente bloqueada pelos anticorpos que se ligam na região que o vírus usa para entrar na célula. Mais importante, a cepa B.1.1.7 é três vezes mais resistente aos anticorpos presentes nas pessoas que tiveram covid-19 causada pelo SARS-CoV-2 original e duas vezes mais resistente aos anticorpos presentes nas pessoas vacinadas. Ou seja, não somente ela se espalha rapidamente, mas parece possuir características que a ajudam a despistar a resposta do sistema imune.


Já a cepa da África do Sul, B.1.351, é muito mais preocupante. Ela não é bloqueada pelos anticorpos monoclonais, é de 11 a 33 vezes mais resistente aos anticorpos presentes no soro de pessoas previamente infectadas e de 6,5 a 8,6 vezes mais resistente que o vírus original aos anticorpos gerados pelas vacinas da Pfizer e Moderna.


A conclusão é de que essas duas cepas, que estão se espalhando pelo mundo, podem tornar inúteis os anticorpos monoclonais que estão sendo desenvolvidos como tratamento e devem ameaçar de forma significativa a eficácia das vacinas. É por esse motivo que a Pfizer e a Moderna já anunciaram que estão desenvolvendo novas versões de suas vacinas.


Esse estudo não analisou a nova cepa de Manaus (semelhante à cepa sul-africana), e não analisou a capacidade das três cepas (Inglaterra, África do Sul e Manaus) de burlar as defesas criadas pelas vacinas Cononavac e AstraZeneca. Ou seja, não sabemos ainda as propriedades da cepa de Manaus nem como as vacinas que dispomos vão se comportar diante dessas novas cepas.


É uma questão de tempo a disseminação dessas cepas pelo Brasil, mas muito provavelmente elas vão chegar antes de vacinarmos uma fração significativa da população. Nos EUA se acredita que elas serão dominantes nas próximas semanas.


Desculpem o pessimismo, mas é melhor apertar os cintos e nos prepararmos para o pior. E lembrem: no início de 2020, quando o coronavírus demorou um pouco mais para chegar ao Brasil, muitos acreditavam que ele não chegaria por aqui.




A questão não é quando vão chegar novas cepas, mas qual será a intensidade e o preparo

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Vacina pública ou privada?(Pedro Fernando Nery, Estado, 19 1 2021)

 

PEDRO FERNANDO NERY - Vacina publica ou privada?

COLUNISTAS

terça-feira, 19 de janeiro de 2021 


 

O Estado de S. Paulo  / Economia

Cenário Político-Econômico: Colunistas



O êxito da vacina foi usado nas redes para celebrar os servidores públicos concursados. Também na última semana, deputados foram ao Ministério Público porque não haveria previsão no orçamento do Estado para as vacinas - é que elas na verdade estariam sendo pagas por uma organização privada. A confusão se explica pela existência de duas entidades homônimas: o Instituto Butantã e a Fundação Butantã.


Servidores públicos são mesmo parte inquestionável dos bem-sucedidos esforços de criação de vacinas no Instituto Butantã (Coronavac) e na Fiocruz ("vacina de Oxford"). Uma história não contada é que boa parte desta empreitada é possibilitada por organizações privadas, como a Fundação Butantã e, em menor grau, a Fiotec (Fundação de apoio à Fiocruz).


Nem a Fundação Butantã nem a Fiotec foram criadas ou autorizadas por leis específicas. Elas são regidas por estatutos próprios. São privadas, mas sem fins lucrativos. Existem para ajudar órgãos públicos, como o Instituto Butantã e a Fiocruz.


Regidas primordialmente pelo direito privado e não pelo público, podemos dizer que ajudam porque podem ser mais "eficientes". Para comprar bens e serviços, não precisam se sujeitar às mesmas regras infernais de licitação - que frequentemente resultam em produtos de menor qualidade ou processos judiciais. Para contratar pessoal, não precisam fazer concursos que podem durar anos. Seus funcionários trabalham via CLT e contribuem para o INSS.


O modelo é altamente incomum. Para conseguir maior flexibilidade, grosso modo, governos possuem entidades como autarquias, fundações públicas, empresas estatais. Mas especificamente para a ciência, tecnologia e educação admite-se fundações de apoio, particulares, organizadas por lei de 1994. Elas existem em diversas universidades, mas dificilmente com o tamanho que a Fundação Butantã e a Fiotec têm em relação aos seus órgãos originários.


O Portal da Transparência registra que a Fiotec teria sido em 2020 a maior prestadora de serviços de todo o governo federal. O órgão que mais contrata essa Fundação de Apoio à Fiocruz é a própria Fiocruz. Assim, parece preferir gastar parte de seus recursos com uma entidade que não está sujeita às mesmas regras que ela - inclusive para a vacina (via Bio-Manguinhos). O que nos ensina a existência de uma "fundação de apoio a uma fundação"? E o fato de a apoiada ser quem contrata a que a apoia?


No caso paulista, o tamanho da terceirização do instituto para a Fundação Butantã parece ser relativamente maior - ao ponto de vir da parte priva- da o dinheiro da vacina.


Esse modelo não é livre de controvérsia. O TCE chegou a questionar por que contratos da pandemia não eram feitos direto com o instituto. Nos últimos anos, a Associação de Docentes da USP veiculou críticas à fundação. Em uma, sugere privatização disfarçada do instituto e aponta que o arranjo teria levado a uma capacidade exagerada de produção de vacinas em detrimento, por exemplo, da área cultural. Outros críticos apontaram para falta de transparência e gigantismo da entidade privada, que concentraria mais funcionários e poder que a pública.


A ausência de burocracia chama atenção no caso do desvio de dezenas de milhões da fundação, denunciado pelo MP em 2017 e ocorrido na década anterior. Um gerente teria simplesmente feito centenas de transferências a partir das contas da Fundação.


Porém, a possibilidade de operar fora dos limites tradicionais do direito público parece ter sido uma vantagem para o Butantã e a Fiocruz no que caminha para ser um fantástico êxito. O que do modelo exitoso das vacinas pode ser replicado em outros órgãos? Se não faz sentido que todo órgão tenha um órgão sombra sujeito a outras regras, tampouco é óbvio que a facilidade para contratar seja exclusiva da ciência.


É preciso colocar a bola no chão no debate de reformas administrativas. A cadeia de prestação de serviços tem partes em que funciona melhor o regime de direito público (mais voltado à impessoalidade, carregando risco de ineficiência) e outras em que é melhor o privado (mais voltado à eficiência, com risco de pessoalidade). Não se cogita que especialistas em regulação da Anvisa não são sejam estáveis, para que possam se escudar de pressões políticas e empresariais, nem que funcionários da indústria de oxigênio sejam concursados, outro extremo desse espectro.


O Estado não deve terceirizar a formulação de políticas públicas, mas também não deve ter fábricas de respiradores. Onde traçar a linha? A discussão não pode ser interditada com os estigmas de "privatização", "desmonte", "sucateamento". A vacina mostra que serviços estatais podem se beneficiar da atuação privada sem comprometer que o resultado final seja público, gratuito, de qualidade e universal.


DOUTOR EM ECONOMIA


O que do modelo exitoso das vacinas pode ser replicado em outros órgãos?

domingo, 17 de janeiro de 2021

Novo atraso na vacinação(Merval Pereira, 17 1 2021)

MERVAL PEREIRA - Novo atraso na vacinação

COLUNISTAS

domingo, 17 de janeiro de 2021 


 

O Globo  / Opinião


Há a perspectiva de um novo atraso, esse ainda mais grave, no calendário nacional de vacinação, pois o envio do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para a produção na Fiocruz das doses de vacinas da AstraZeneca/ Oxford ainda não foi liberado pelas autoridades da China. O primeiro carregamento deveria chegar na próxima semana, mas problemas burocráticos impedem a liberação.


O Brasil já está cobrando da matriz da AstraZeneca na Inglaterra, se essa documentação não for liberada pela China em tempo de chegar aqui ainda este mês, como estava previsto, que a remessa seja feita através de outros países. A matriz tem o compromisso por contrato de nos entregar o IFA de outro lugar, ou avacina pronta. A multa prevista no contrato não é em dinheiro, mas em vacinas. Como a vacinação está com problemas em vários países, não é certo que a farmacêutica tenha doses extras para o Brasil.


A linha de produção da Fiocruz já está pronta para produzir, depois desses dois milhões de doses simbólicas a serem importadas da índia, mais cinco milhões de doses em fevereiro, além de iniciar em abril a produção de mais 50 milhões de doses. Outros 50 milhões estão previstos até julho, com acerto de entrega do IFA a cada 15 dias, o que, a esta altura, não é garantido.


Mas esse cronograma pode ser alterado dependendo da chegada do IFA. Os problemas burocráticos giram em torno do protocolo internacional de transporte biológico de vírus vivo, mas técnicos da Fiocruz estranham que somente agora, quando já deveria estar sendo enviada a primeira remessa do IFA, esse problema tenha surgido, já que o contrato foi feito em agosto.


A Fiocruz escolheu o "sítio" (na linguagem técnica) da China como responsável pelo contrato do envio porque temia que os Estados Unidos de Trump pudessem criar obstáculos caso a vacinação por lá tivesse problema. A vacina da AstraZeneca foi uma das selecionadas para receber investimento do governo dos Estados Unidos através do programa "Warp Speed", vinculado à Secretaria de Saúde do governo americano.


A vacina teve ampliada sua ação, pois a segunda dose pode ser aplicada até 12 semanas depois, ou três meses. Isso quer dizer que os 50 milhões de doses que a Fiocruz pretende produzir até abril vão vacinar o dobro das pessoas inicialmente previstas. Esses dois milhões iniciais, que estão sendo trazidos da índia, não estavam previstos, mas equivalem à vacinação de dois milhões de pessoas, porque a dose está sendo aprovada como na Inglaterra. Os seis milhões de doses que o Instituto Butantan tem no momento podem vacinar três milhões de pessoas, pois, ao contrário da AstraZeneca, o intervalo da vacina da CoronaVac é de de duas semanas. O governo federal já requisitou o total de doses da CoronaVac que o governo paulista tem estocado para poder dar início à vacinação ainda em janeiro, se as doses não chegarem da índia a tempo.


O governo mais uma vez trabalhou errado nessa negociação com o governo indiano. O primeiro-ministro Modi acertou com Bolsonaro a liberação desse lote de vacinas, mas não contava com a indiscrição do governo brasileiro, que festejou o acordo e irritou a oposição na índia. O avião da Azul com um enorme adesivo falando sobre o plano de vacinação no Brasil teve que adiar o voo, orientado pelo governo indiano, pois sua presença no aeroporto de Mumbai poderia provocar tumultos. Havia até mesmo a possibilidade de o avião brasileiro ser arrestado pelo governo indiano para dar uma satisfação à opinião pública.


O governo, que inicialmente renegou a "vacina chinesa", agora se agarra a ela para começar simbolicamente a vacinação em massa ainda em janeiro. Mas, ao que tudo indica, se fizer isso estará cometendo outro erro, pois a primeira etapa da vacinação prevê atender grupos de risco, como idosos morando em asilos, trabalhadores de saúde, idosos acima de 75 anos, população indígena e ribeirinha, que perfazem cerca de 15 milhões de pessoas. Só teremos vacinas para no máximo cinco milhões de pessoas, isso se contarmos com os dois milhões de doses únicas da AztraZeneca.


Se, como se teme, a importação da índia demorar duas semanas, o início da vacinação só ocorrerá otimisticamente em fevereiro. Antes disso, porém, são previsíveis novos embates políticos entre os governos de São Paulo e Federal. Se a Anvisa aprovar hoje a vacina CoronaVac, o governo de São Paulo quer começar a vacinação amanhã mesmo, o que o Ministério da Saúde vai querer impedir. Essa disputa vai acabar no Supremo Tribunal Federal, além de provocar revolta entre os habitantes de São Paulo, que serão impedidos de se vacinarem com as vacinas prontas e aprovadas.


Autoridades chinesas ainda não liberaram o envio do principal insumo para a Fiocruz produzir as vacinas


sábado, 16 de janeiro de 2021

Ford: a caminho do retrocesso(José Márcio Camargo, Estado, 16 1 2021)


Ford: a caminho do retrocesso


sábado, 16 de janeiro de 2021 - 03:17



O Estado de S. Paulo  / Economia


JOSÉ MÁRCIO CAMARGO


Após mais de cem anos, a Ford decidiu fechar todas as suas fábricas no Brasil a partir de 2021. Durante décadas, a Ford foi uma das principais empresas do setor automobilístico. Apesar disso, o encerramento de suas atividades não foi exatamente uma surpresa. Nos últimos anos, a empresa vinha diminuindo sua participação no mercado automobilístico no Brasil e no mundo e, em 2019, interrompeu a produção de caminhões no País. Em outras palavras, vinha perdendo competitividade no cenário mundial.


Esta decisão tem componentes locais e estruturais, relacionados às mudanças no mercado internacional de veículos. Em nível mundial, o setor está passando por uma grande reestruturação tecnológica, incorporando novas tecnologias com o objetivo de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, substituindo o petróleo pela eletricidade como fator de propulsão e introduzindo dispositivos de tecnologia da informação tanto na produção como nos bens finais.


Esta reestruturação tecnológica exige um grande esforço de investimento das empresas em todo o mundo, o que reduz a capacidade das matrizes de financiar investimentos em mercados menos lucrativos. E a Ford tem tido dificuldade de acompanhar essa evolução, tanto em nível local como em nível mundial.


Mas os fatores internos também são muito importantes. A Ford cresceu no Brasil a partir das políticas de substituição de importações adotadas pelo governo brasileiro na década de 50 do século passado. Essas políticas foram baseadas numa forte proteção do mercado interno por meio de proibições de importações e elevados níveis de tarifas e subsídios. A ideia era que, como o mercado era pequeno, se comparado ao de países desenvolvidos, e a tecnologia apresentava elevados retornos de escala, ou seja, os custos unitários caíam rapidamente com o aumento da produção, para competir era fundamental reservar o mercado interno e subsidiar as empresas instaladas no País. Em teoria, seria uma proteção transitória, até que as empresas conseguissem adquirir um tamanho suficiente para se tornarem competitivas.


Entretanto, junto com o crescimento do setor veio o poder político, e com ele a proteção e os subsídios nunca acabaram. Com a proteção e os subsídios, a competição não veio, e, sem competição, o incentivo para investimentos em inovações tecnológicas e aumento da competitividade não aconteceu, tornando o setor tecnologicamente obsoleto.


A entrada de novos players no País, principalmente as empresas asiáticas nos anos 1980 e 1990, aproveitando-se de subsídios estaduais e municipais e com tecnologia mais moderna, aumentou a competição interna e tornou a situação da Ford insustentável.


A manutenção de elevados níveis tarifários faz do Brasil um dos países mais fechados do mundo e se, por um lado, protege as empresas aqui instaladas da competição, por outro, aumenta os preços e reduz a qualidade dos bens de capital, tornando o processo de investimentos extremamente caro. Num momento em que o setor passa por forte mudança tecnológica e introdução de novas tecnologias, a proteção tarifária se tornou um fator negativo.


Além de excessivamente fechado, o Brasil tem uma estrutura tributária extremamente complexa, cara e difícil de ser cumprida, uma carga tributária muito elevada, nossa mão de obra é pouco qualificada e cara por causa dos impostos sobre a folha de salários, além de ter relações de trabalho que desincentivam o investimento em capital humano, mesmo depois da positiva reforma trabalhista de 2017 - e a infraestrutura está deteriorada. Estes são fatores que tornam o Brasil um país caro para produzir.


A saída da Ford é um aviso de que é fundamental fazer as reformas e criar marcos regulatórios capazes de atrair investimentos privados, se quisermos efetivamente preservar nosso sistema produtivo. Sem elas, caminhamos para o retrocesso econômico.


É fundamental que o Brasil faça reformas e crie marcos regulatórios que atraiam investimentos privados 

sábado, 9 de janeiro de 2021

A Coronavac funciona(Fernando Reinach, Estado, 8 1 2021)

 A Coronavac funciona


sexta-feira, 8 de janeiro de 2021 


 

O Estado de S. Paulo  / Metrópole


FERNANDO REINACH


Finalmente o governo de São Paulo apresentou a principal conclusão do estudo de fase 3 da Coronavac: a vacina tem uma eficácia de 78% para todos os casos da covid-19 (78% dos vacinados ficam protegidos de qualquer forma da doença) e 100% para os casos graves que precisam de internação e podem levar à morte (100% dos vacinados não apresentam casos graves, não foram internados e não morreram). Ela tem eficácia menor somente do que a das vacinas da Pfizer e da Moderna, mas tem algumas vantagens: não precisa de geladeiras especiais, já está sendo embalada no Brasil (o Butantã já tem um estoque) e no futuro o ingrediente ativo da vacina vai ser produzido no Butantã. É uma ótima notícia.


É importante lembrar que não foram mostrados os dados que levaram Butantã e Sinovac a essas conclusões, nem o intervalo de confiança da eficácia apresentada, mas esses dados devem ser entregues à Agência Nacional de Vigilância Sanitária e se espera que sejam publicados nas próximas semanas. Ou seja, assumindo que os dados corroborem conclusões apresentadas (todas as vacinas já aprovadas no mundo publicaram em revistas científicas os resultados da fase 3), o Brasil tem uma vacina de alta qualidade.


Essa vacina foi desenvolvida por uma empresa chinesa chamada Sinovac. Na sua produção o vírus Sars-CoV-2 é crescido em enormes quantidades usando células de mamíferos, é isolado e finalmente inativado (usando um produto químico). Esse vírus inativado é incapaz de infectar seres vivos e causar a doença. Essa solução de vírus inativo (o princípio ativo da vacina) é então envasada em pequenos frascos e essa é a vacina que chega aos postos de saúde e vai ser injetada nas pessoas. Até o momento o Butantã tem recebido o princípio ativo em grandes volumes da Sinovac chinesa e a colocação nos frascos é feita no Brasil. Mas no segundo semestre o Butantã vai produzir o princípio ativo. Poderemos, então, dizer que a vacina estará sendo produzida totalmente no Brasil.


Em meados de 2020, quando a Sinovac estava terminando o desenvolvimento da vacina, o Estado de São Paulo fez um acordo com a empresa chinesa. Nesse acordo São Paulo pagaria e executaria todo o estudo de fase 3 da vacina aqui e, em troca, receberia o direito de produzir a vacina no Brasil. Além disso receberia material produzido na China para ser embalado no Brasil por alguns meses. Foi dentro desse acordo que a Sinovac mandou para o Brasil as doses necessárias para que, sob a coordenação do Butantã, o estudo de fase 3 fosse executado no Brasil. As conclusões desse estudo é que foram apresentadas ontem.


O estudo brasileiro é diferente dos feitos com outras vacinas. Aqui foram recrutados como voluntários somente pessoas dos serviços de saúde - que não representam fielmente a população em geral. Por exemplo, a faixa etária delas exclui os muito jovens e os muito idosos, exclui pessoas com menor escolaridade e assim por diante. No caso das outras vacinas os voluntários eram selecionados para representar da melhor maneira possível a população.


Rigorosamente, a conclusão apresentada significa que esses números valem para a população inclusa no estudo. Só quando soubermos a composição dessa população saberemos se aqueles voluntários representam a população como um todo. Além disso não se informou o número de infectados em que foram baseadas as conclusões apresentadas e outros dados necessários para ter certeza de que os números da conclusão estão corretos.


São esses os dados que a Anvisa vai analisar para decidir se a conclusão divulgada ontem é suportada pelos dados do estudo. A agência já visitou a fábrica da Sinovac na China e também deve ter inspecionado o envasamento do Butantã. Os resultados dos estudos de fase 1 e 2 já foram publicados pela Sinovac, e agora falta a publicação do estudo da fase 3. Isso permitirá que os cientistas avaliem as conclusões.


O próximo passo é a submissão do pedido de registro à agência. No caso da Coronavac, aparentemente, o primeiro país a aprovar será o Brasil, o que aumenta a responsabilidade da Anvisa, que raramente aprova vacinas e novas drogas ainda não aprovadas no exterior. Mas não resta dúvida de que a agência tem todas as condições de fazer a avaliação cuidadosamente.


As conclusões preliminares divulgadas são uma ótima notícia, e tudo indica que o Brasil terá duas vacinas disponíveis - a Coronavac e a vacina de Oxford/AstraZeneca. Agora é aprovar ambas. Quando os dados apresentados estiverem publicados e a Coronavac aprovada, vou entrar na fila da vacinação.


As conclusões preliminares divulgadas ontem são uma ótima notícia



domingo, 3 de janeiro de 2021

Vacina: sem mais desculpa(Fernando Reinach, Estado, 2 1 2021)

 FERNANDO REINACH - Vacina: sem mais desculpa


sábado, 2 de janeiro de 2021 


 

O Estado de S. Paulo  

Cenário Político-Econômico: Colunistas

Em 2020, a covid-19 matou quase 200 mil brasileiros. Muitas mortes teriam sido evitadas se ao invés de uma cadeia de comando, Bolsonaro presidisse um governo. Em um governo, a diversidade de ideias é estimulada e decisões são geradas num ambiente de debate. Não é o que ocorre no governo federal, lá manda quem pode, obedece quem tem juízo. Mas isso não quer dizer que Bolsonaro tenha assumido a responsabilidade por suas decisões, ao contrário, se calça em desculpas. A primeira foi que o STF delegou a Estados o combate à pandemia. A última, que as empresas deveriam correr atrás do governo implorando para vender vacinas. Se mortes foram evitadas, isso se deve à ação da população, médicos e enfermeiras, prefeitos, governadores, do Legislativo e do Judiciário, e ocorreram contra a vontade do presidente.


Mas agora, com a aprovação pela Inglaterra, Argentina e Índia da vacina desenvolvida pela AstraZeneca/Oxford, e o início de seu uso no ano novo, as desculpas acabaram. De 1° de janeiro de 2021 em diante, o sucesso do programa de vacinação brasileiro está todo sob controle da cadeia de comando do presidente.


O governo, por meio da Fiocruz, optou por colocar todas suas fichas na vacina da AstraZeneca/Oxford. E resolveu, ao invés de comprar doses da vacina, celebrar um contrato de transferência de tecnologia. Por esse contrato a Fiocruz recebe o ingrediente ativo da vacina em grandes volumes, que serão fracionados, envasados, rotulados e embalados nas instalações da própria Fiocruz, resultando em 100 milhões de doses até junho de 2021.


Numa 2ª etapa, a partir de julho, a Fiocruz assumiu a responsabilidade de produzir o princípio ativo da vacina localmente, garantindo o resto das doses necessárias, e a total independência do Brasil. Para tanto, assumiu o encargo de construir e certificar novas fábricas, comprar os frascos e tudo que for necessário para entregar as doses de vacina para o Ministério da Saúde.


A escolha de colocar todas as fichas na vacina da AstraZeneca/Oxford foi uma decisão arriscada, que parecia ter encontrado obstáculos quando saíram os resultados das primeiras três vacinas. As vacinas da Pfizer e Moderna apresentaram eficácia maior, 95%, quando comparada à eficácia de 70%, em média, da vacina da AstraZeneca. Algumas falhas no estudo de fase 3 me levaram a imaginar que talvez demorasse para alguma agência regulatória aprovar a vacina. Errei.


O fato é que a Inglaterra analisou os dados apresentados pela AstraZeneca e concedeu licença emergencial. Argentina e Índia, o mesmo. O governo inglês já está recebendo as doses que comprou, embaladinhas e prontas para uso na semana que vem. Significa que a AstraZeneca tem dossiê que foi entregue aos governos inglês, argentino e indiano e foi aprovado. A cadeia de comando não entregou o dossiê (Fiocruz) e tampouco examinou o dossiê (Anvisa). Se isso já ocorreu na Argentina e na Índia, por que ainda não no Brasil? O prazo para a Fiocruz entregar o pedido à Anvisa é 15 de janeiro. E a Fiocruz pretende entregar as primeiras doses ao Ministério da Saúde em 16 de fevereiro. Um mês e meio depois da Inglaterra receber doses prontas da AstraZeneca, e um mês após a entrega pela AstraZeneca do princípio ativo para a Fiocruz (previsto para 9 de janeiro). Será que as fábricas não ficaram prontas? Não foram certificadas? Faltam frascos? Não sabemos.


Mais cedo ou mais tarde, a Fiocruz vai entregar as primeiras doses, 3,5 milhões, mas o ritmo da entrega ao longo dos meses seguintes ainda é desconhecido e não sabemos que fração da população a cadeia de comando planeja vacinar a cada dia. Para vacinar a população ainda em 2021, é preciso inocular aproximadamente 500 mil pessoas por dia. Lembre desse número e verifique o progresso a cada dia.


O ritmo de vacinação depende do ministério. O Programa Nacional de Imunização (PNI) é federal, e nossa sorte é que a vacina da AstraZeneca não precisa de condições especiais de transporte e armazenamento e, portanto, se encaixa como luva no PNI. Não há desculpa para a vacinação não ser iniciada rapidamente e executada com velocidade. Se não houver vacina suficiente, se faltarem seringas, se o controle de quem foi vacinado falhar, se não chegar aos rincões do Brasil, não existe desculpa. Bolsonaro optou por instalar um sistema de comando e controle, tipicamente usado por militares em operações de guerra. Podemos até argumentar que a luta contra o SARS-CoV-2 é uma guerra, mas nos sistemas militares o general dá as ordens, os outros devem obedecer sem questionar, como confirmou ao vivo e em cores o general que é nosso ministro da Saúde.


O que não devemos esquecer é que num sistema onde as ordens são emitidas por um único líder e seguidas por todos os outros, a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso recai unicamente sobre o comandante. Qual for o resultado do programa de vacinação em 2021, é bom lembrar que a responsabilidade a partir de agora é de Bolsonaro. Acabou o espaço para desculpas.




Qual for o resultado em 2021 da vacinação, a responsabilidade agora é de Bolsonaro.