sábado, 25 de fevereiro de 2023

A realidade está se impondo na transição energética( Décio Oddone)

 Décio Oddone: A realidade está se impondo na transição energética





Desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, a necessidade de redução das emissões de carbono vem ganhando tração. Metas de descarbonização passaram a ser objeto de discussões em governos, instituições e empresas. Durante a pandemia, quando a demanda por petróleo havia caído como nunca, e parecia que jamais retomaria o nível anterior, a Agência Internacional de Energia (AIE) publicou um relatório que continha um cenário indicando que seria necessário interromper a aprovação de novos projetos de produção de hidrocarbonetos para limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima da temperatura média de antes da Revolução Industrial, como estabelecido em Paris. Alguns passaram a crer que isso seria possível.


Surgiram novas medidas governamentais. Nos EUA, o Inflation Reduction Act estimula a geração com fontes renováveis. A Europa aprovou o RePowerEU. A confiança em uma descarbonização rápida era tanta que a indústria do petróleo foi desconvidada da Conferência do Clima de Glascow, no final de 2021.


Naquela época, um conjunto de fatores levou a um aumento do custo da eletricidade na Europa. Exatamente um ano atrás, a invasão da Ucrânia pela Rússia aumentou a preocupação com a segurança energética e transformou o mercado de petróleo, derivados e gás. No período pós-pandemia, o consumo de carvão cresceu. O do petróleo e derivados tomou o mesmo rumo. Com a reabertura da China, a demanda por querosene de aviação, o último dos derivados que ainda não havia experimentado uma recuperação, voltou a subir. Não só na China, mas também nos EUA, na Europa, no Japão, na Coreia e na Austrália, por exemplo.


As reações aos aumentos de preço, desde o início do ciclo de alta, não tardaram. O governo dos EUA, depois de liberar grandes volumes das reservas de petróleo, instou a indústria a aumentar a produção. Outros países adotaram soluções semelhantes. Grandes empresas de petróleo e gás europeias vinham mudando o portfólio, com maiores investimentos em energias renováveis. Mais recentemente, fruto dos excepcionais resultados dos negócios de petróleo e gás, e dos nem tão animadores retornos dos projetos de energia limpa, a estratégia começou a sofrer ajustes.


Esses movimentos indicam que a realidade vem se impondo e a percepção de que a substituição dos principais energéticos em utilização no mundo seria fácil ficou para trás. Uma transição gradual agora parece o cenário mais provável. Não é o ideal, mas o possível. Jamais uma fonte de energia foi substituída por outra. Até a revolução industrial, a biomassa era a principal fonte. Depois veio o carvão, o petróleo, o gás natural e as energias renováveis. Apesar de hoje os combustíveis fósseis responderem por mais de 85% da geração de energia, o consumo absoluto de biomassa dobrou desde 1800. A demanda por carvão, petróleo e gás também só cresceu desde que cada um foi introduzido.


Em junho de 2021, escrevi neste espaço um artigo com o título "A transição energética será gradual e sem ruptura", em que concluí que, "enquanto a necessidade de desenvolver fontes mais eficientes para substituir a biomassa e a tração animal era o desafio no passado, agora é preciso aumentar a oferta de energia a preços acessíveis e diminuir as emissões de CO2 e os impactos ao meio ambiente. Ao mesmo tempo. As mudanças serão profundas. A eficiência energética vai melhorar. As fontes renováveis crescerão mais rápido. A disponibilidade de energia vai aumentar. A matriz energética será mais diversificada. A redução das emissões será gradual. A transformação se dará sem ruptura. Da mesma forma que a biomassa ainda tem um papel relevante, apesar do ativismo que envolve as questões ambientais, petróleo e gás continuarão sendo importantes por muito tempo e serão fundamentais na manutenção da qualidade de vida durante a transição para uma economia de baixo carbono. Os grandes avanços, como acontece desde que o homem deixou as cavernas, virão da inovação e da aplicação de novas tecnologias."


A redução das emissões virá, também, de medidas governamentais que acelerem decisões dos agentes econômicos, como a taxação do carbono ou o banimento da venda de veículos à combustão na Europa a partir de 2035.


Recentemente, o Upstream, principal periódico sobre exploração e produção de petróleo, publicou matéria intitulada: "Estão as grandes empresas de petróleo voltando atrás nas promessas de fazer a transição energética?" Daniel Yergin, conhecido analista e escritor norte-americano, por sua vez, escreveu um texto com o título de "A transição energética está confrontando a realidade". Essas manifestações não são isoladas e indicam que importantes formadores de opinião passaram a alertar para a necessidade de uma transição gradual.


O crescimento econômico depende de disponibilidade de energia. Não existe país rico com baixa intensidade energética. Como um mundo mais igualitário vai demandar mais energia, não menos, será difícil substituir fontes tão comumente usadas como os hidrocarbonetos. Só um exemplo: cerca de 91% da energia utilizada no transporte são provenientes de derivados do petróleo. Esse porcentual, apesar de todos os avanços dos combustíveis renováveis, é somente 3% inferior ao do início dos anos 1970, antes do primeiro choque do petróleo.


Segundo a AIE, o aumento na oferta de eletricidade nos próximos anos vai se apoiar na geração solar, eólica e nuclear, reduzindo o impacto do maior uso de energia. A participação das fontes eólica e solar na geração deve subir de 29% em 2022 para 35% em 2025. O crescimento da demanda de eletricidade deve acelerar para 3% ao ano nos próximos três anos. Biocombustíveis, hidrogênio e outras alternativas devem se desenvolver rapidamente.


O Brasil é um grande produtor e exportador de petróleo. Deve se tornar ainda mais relevante. Tem uma importante indústria de biocombustíveis, um enorme parque hidrelétrico, solar e eólico, com possibilidades de expansão. Pode se converter em exportador de hidrogênio verde. A principal causa de emissões não está no setor energético, mas no desmatamento ilegal. Uma transição energética faseada beneficiará o País, que terá a chance de aproveitar todas as suas fontes, fósseis e renováveis. No entanto, para que possa se beneficiar plenamente das oportunidades geradas pela crescente demanda global por energia, a regulamentação e os processos de licenciamento precisarão ser mais ágeis e pragmáticos, sem se levar por ideologias, lobbies e preconceitos. A ver.


*Décio Fabrício Oddone da Costa é CEO da Enauta S.A. e coordenador do Núcleo de Energia do Cebri. Escreve mensalmente para o Broadcast Energia.


Este artigo representa exclusivamente a visão do autor.


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