domingo, 28 de fevereiro de 2021

Brasil prefere gastar mais com idosos do que com crianças(FSP, 28 2 21)

 

Ricardo Paes de Barros - Brasil prefere gastar mais com idosos do que com crianças

Pesquisador avaliou 30 países e constatou que nem Japão tem disparidade tão grande

domingo, 28 de fevereiro de 2021 


 

Folha de S. Paulo  / Mercado

Érica Fraga


O economista Ricardo Paes de Barros, respeitado por seus estudos pioneiros sobre pobreza e desigualdade de renda, espera que a pandemia do coronavírus acorde a sociedade brasileira para um problema que o preocupa há tempos: a enorme discrepância entre os valores que o setor público transfere para idosos e crianças no país.


Segundo dados da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), no Brasil, o gasto do governo com a população mais velha é seis vezes maior do que o montante despendido com crianças, adolescentes e jovens.


Isso faz do país um ponto fora da curva entre os outros 30 países para os quais a organização compilou dados em um estudo de 2014. Em nenhum deles, a diferença favorável aos idosos ultrapassava quatro vezes.


"Você pode dizer: ah, mas criança é baratinho, idoso é caro. Então, isso deveria ser verdade no Japão, no Uruguai, em toda parte", diz PB, como é conhecido o economista, considerado um dos pais do Bolsa Família.


Ele ressalta que, compreensivelmente, a pandemia exigiu que as sociedades incorressem em gastos elevados para preservar a vida dos mais vulneráveis ao contágio pelo coronavírus, entre eles os idosos.


Mas defende que, como isso vai ampliar o desequilíbrio intergeracional que já era alto no Brasil, o correto seria que os idosos de alta renda pagassem parte da conta, por exemplo, pagando mais impostos. Se nada for feito, ele alerta, todo o ônus da crise será "irresponsavelmente" deixado para a próxima geração.


O assunto foi discutido por PB e pela pesquisadora Laura Muller Machado ambos do Insper em um capítulo do recém-lançado livro "Legado de uma Pandemia".





O que é o desequilíbrio intergeracional sobre o qual vocês falam? Em toda sociedade, os adultos, até os 65, 70 anos, quase certamente, consomem menos do que a sua renda porque subsidiam o consumo das crianças e dos idosos. No Brasil, não é diferente.


O que é diferente aqui é o quanto que desse subsídio vai para os idosos e para as crianças. Para cada idoso, a gente dá seis vezes mais do que para uma criança. Enquanto em um dos artigos da Constituição brasileira [o 227], estabelecemos que a prioridade máxima do país são as crianças. Se tiver um incêndio, as primeiras pessoas a serem salvas deveriam ser as crianças.


Você pode dizer: ah, mas criança é baratinho, idoso é caro. Então, isso deveria ser verdade no Japão, no Uruguai, em toda parte. No Brasil, essa razão é, totalmente, desproporcional em relação ao resto do mundo. Isso faz com que a pobreza entre as crianças â?"considerando a renda per capita, mesmo depois que os adultos compartilham sua renda com elasâ?" seja quase duas vezes a média nacional, enquanto a pobreza entre os idosos é inferior a um terço da média nacional.


Existe um projeto das Nações Unidas [National Transfer Accounts], exatamente, para discutir essa distribuição intergeracional. Se você ler os relatórios deles, vê que o Brasil é um total ponto fora da curva. Somos uma sociedade exótica.


A gente deveria lutar para que a pobreza entre os idosos fosse igual à pobreza entre os trabalhadores.


De onde surgiu esse desequilíbrio? Não vou comentar a parte política, o fato de que o idoso vota e as crianças não. Mas, há 20 anos, a percentagem de idosos no Brasil era muito pequena. E havia idosos que foram muito pobres. No Nordeste, uma criança de 12, 13 anos é mais alta do que o avô dela, o que indica a diferença nutricional entre as gerações.


Se existe essa disparidade, é natural você querer dar um benefício razoável para esses idosos. Só que a gente também indexou esse benefício ao salário mínimo, na constituição. Enquanto os benefícios do Bolsa Família nunca foram indexados ao salário mínimo. Criamos uma situação em que demos uma super proteção para os idosos, universalizamos isso com o BPC (Benefício de Prestação Continuada) e a aposentadoria rural. Mesmo o auxílio emergencial, que é gigantesco, não chega a um salário mínimo.


Com o crescimento da população idosa, isso, obviamente, vai explodir.


O problema não é que a renda média brasileira é baixa e muitos vivem com muito pouco? O Brasil diz que as crianças merecem prioridade, então, vamos primeiro fazer com que todo mundo tenha o mesmo grau de pobreza. Se você acha que o governo brasileiro precisa gastar mais para reduzir a pobreza, vamos decidir quanto mais.


Mas o Brasil não tem condição de manter o auxílio emergencial. Gastou, em alguns meses, dez anos de Bolsa Família. Imagine dar um salário mínimo per capita para todo mundo. O Bolsa Família não consegue garantir R$ 100 per capita. Como você pode ter, ao mesmo tempo, um programa na assistência social que dá 10% de um salário mínimo e outro que dá um salário mínimo inteiro? Eu também gostaria de viver em um país em que ninguém ganhasse menos de um salário mínimo per capita. Vamos trabalhar para isso, ver se isso cabe nas contas públicas. Provavelmente, não vai caber.


Como a equidade no nível da pobreza pode ser alcançada? Meu ponto de vista é que esse é um problema muito estrutural do país, que vai levar décadas para ser resolvido. O que eu gostaria é que a pandemia tivesse deixado um legado para a gente que fosse um alerta para esse problema. Mas não adianta você pegar um idoso que hoje recebe um benefício e querer cortar o benefício dele. Ele está acostumado a esse nível de renda.


É parecido com um problema de desigualdade regional, racial. O primeiro passo é reconhecermos esse problema. O Brasil não reconhece que temos um problema intergeracional.


A pandemia alertou o país para esse problema? Não sei, sou meio otimista. Acho que a gente deveria sair disso reconhecendo que a gente tem um problema intergeracional e começando a trabalhar para resolvê-lo.


O que a gente reconhece nesse trabalho é que, além de tudo, muito da população rica no Brasil, que não depende de transferências do governo ou depende de aposentadorias do setor público etc, é rica. A gente achava que, durante a pandemia, essas pessoas, como eu, que foram beneficiadas pela paralisação da economia, pelo fechamento das escolas etc pudesse pagar um impostozinho de volta para compensar o gasto social com a pandemia. Não só os idosos brasileiros são muito beneficiados por transferências públicas, mas muitos dos ricos brasileiros são idosos e foram beneficiados pela lentidão da economia brasileira, pela paralisação das aulas.


Beneficiados em que sentido? Protegidos. Nem protegeu tanto assim, mas protegeu um pouco, em prol de uma redução da quantidade de vírus beneficiando aqueles que são mais vulneráveis. Se a gente tivesse ignorado o problema, muito da população não idosa não teria sofrido tanto.


Isso foi correto. Mas dado que há muitos idosos ricos, seria natural que dessem uma contribuição maior para a conta pública. A gente aumentou a dívida pública e vamos deixar isso, quase irresponsavelmente, para a próxima geração. Essa população mais rica tem patrimônio, ativos, e poderia contribuir para que o aumento da dívida pública não fosse tão grande.


A sociedade brasileira está mais sensível à preocupação com as gerações futuras depois da aprovação da Reforma da Previdência? Não sei. Não é à toa que as Nações Unidas se meteram nessa coisa das transferências intergeracionais. Acho que as sociedades prestam, relativamente, pouca atenção a isso. O cara pensa no neto dele, ao mesmo tempo passa para o neto uma dívida pública absurda. Falta bastante, no Brasil, um conhecimento das finanças públicas.


Ao mesmo tempo, o Brasil tem uma certa tradição de resolver problemas por meio de crises. Foi a coisa do auxílio emergencial. O problema da Previdência também só foi encaminhado, parcialmente, à medida em que se tornou absurdo.


Nosso afastamento social é menos para conter a pandemia e mais para manter os hospitais funcionando. A gente não tem uma teoria de que o que quero é hospital vazio, sem ninguém com Covid-19. A gente quer hospital conseguindo atender quem tem Covid-19.


O auxílio emergencial grande se justificou por causa do tamanho da população informal? A gente poderia ter tido o auxílio mais amplo no primeiro mês e começado a descobrir quem era quem. No terceiro mês, saberíamos que, no Brasil, no máximo, foram perdidos 10 milhões de postos de trabalho, não tinha sentido termos continuado com 70 milhões de beneficiários. Um país mais responsável teria atendido os 70 milhões no primeiro mês e, logo, tentado descobrir quem, realmente, estava precisando.


O Brasil gere bem crises, mas permite que a crise se instale para começar a tomar alguma atitude, em vez de ser muito mais preventivo.


Depois de um ano da eclosão da pandemia, estamos no caminho correto em termos do auxílio emergencial? Nosso problema nunca foi não ter dinheiro para transferir renda para quem precisa. Foi não saber quem precisa. E nós temos mais de 250 mil assistentes sociais na ponta, nos CRAS (Centros de Referência da Assistência Social) mais um número gigante de pessoas da sociedade civil que sabe quem precisa.


Acho que o que falta para o Brasil é a capacidade de conversar com a população pobre, chegar nela, e descobrir o que estão precisando. Muita gente não precisa de transferência de renda. Precisa de apoio para se reinserir no mercado de trabalho, um abrigo para um idoso, uma vaga na creche para uma criança.


A gente não conversa com essas pessoas. O custo de não conversar é, simplesmente, muito alto. E aí não temos como pagar a conta. Fazer uma política cega é impossível.



domingo, 14 de fevereiro de 2021

carro elétrico, desafio para a indústria(Celso Ming, Estado, 14 2 2021)

CELSO MING - O carro elétrico, mais um desafio para a indústria

COLUNISTAS

domingo, 14 de fevereiro de 2021 


 

O Estado de S. Paulo  / Economia


A General Motors dos Estados Unidos acaba de anunciar que, a partir de 2035, deixará de vender carros a gasolina ou diesel e se restringirá aos elétricos. É tendência geral. Uma a uma, as grandes montadoras vêm fazendo anúncios desse tipo.


O Brasil não pode escapar dessa. Embora tenha a opção do carro a álcool, não pode se fiar inteiramente nele, porque tem de exportar. Não pode dar-se ao luxo de ter duas linhas de produção paralelas, uma para o mercado interno e outra para o externo.


A questão mais importante está em saber se o Brasil tem condições de desenvolver uma bateria, o item mais caro e mais pesado de um veículo elétrico, ou terá de depender de importações. As baterias de íons de lítio são hoje as mais usadas nesses veículos. Mas esse é um componente sujeito a grandes mudanças tecnológicas. Estados Unidos e China trabalham em novas soluções destinadas a aumentar a capacidade energética, a durabilidade, a redução do tempo de recarga e a segurança das baterias.


Partes importantes desses avanços têm íntima relação com novas políticas de mobilidade urbana e estão sendo encabeçadas por empresas de fora do setor ou que nasceram com a tecnologia em sua atividade principal, a exemplo da norte americana Tesla, que até hoje só produziu carros elétricos.


Este é fator que, atrelado aos custos excessivos, má administração e grande dependência de subsídios fornecidos pelos governos, deixa as montadoras tradicionais em situação de vulnerabilidade perante as mudanças previstas na mobilidade urbana do futuro. É o que observa Antonio Jorge Martins, coordenador de cursos automotivos da Fundação Getúlio Vargas. E ele acrescenta: "O que está em jogo é a sobrevivência de um setor que tem mais de 100 anos de atuação sob a ótica analógica e que está indo para uma tecnologia que exige investimentos constantes. Essa nova condição exige alto volume de investimentos, que, em certos casos, ultrapassa o fôlego financeiro das montadoras. Elas têm de formar parcerias com conglomerados de tecnologia para conseguir se reinventar".


O Brasil não está inteiramente a zero nesse segmento. Acordo assinado, no fim de 2020, entre o governo de Minas Gerais e uma joint venture formada por oito empresas norte-americanas do Vale do Silício prevê a construção de um polo produtor de baterias e componentes elétricos próximo ao Aeroporto de Confins. A inauguração da planta está prevista para o ano de 2023.


Importante limitador de um rápido desenvolvimento no Brasil da produção de uma frota elétrica e de seus componentes, como as baterias, é a baixa demanda por esse tipo de veículo, que por enquanto não justifica sua produção em série no País. Maior demanda, por sua vez, depende da criação de uma rede de suporte de serviços e investimentos públicos em infraestrutura que proporcionem uma malha viária adequada para esse tipo de veículo.


O coordenador do Observatório de Inovação da USP, Glauco Arbix, argumenta que a falta de uma política industrial eficiente tende a deixar a indústria brasileira ainda mais para trás, caso os avanços dos veículos elétricos e autônomos se consolidem nos próximos anos. Principal razão: o Brasil não avançou na criação de relações comerciais fortes que alavanquem as exportações.


As vendas de veículos elétricos e híbridos cresceram 66,5% em 2020, na comparação com o ano anterior. Mas esse crescimento não deve impressionar já que essas vendas não passam de 19.745 unidades, ou 0,1% do total. O fator preço também explica a presença tímida do segmento no Brasil. A maior parte desses veículos é importada e atende a um nicho específico de mercado. Ricardo Bacellar, sócio líder de Industrial Markets e Automotivo da KPMG no Brasil, adverte que a indústria nacional de veículos tem de pensar em soluções mais próximas do perfil de renda do brasileiro. Sem isso, não haverá massificação que justifique os investimentos em sua produção.


Ele sugere a adoção do modelo de carro por assinatura. Nele, em vez de pagar por um carro de sua propriedade, o consumidor paga um aluguel para usar o veículo por tempo determinado. "É opção que reduz o impacto financeiro de uma compra mas, ao mesmo tempo, possibilita o uso de um veículo próprio. O potencial desse mercado é grande. Poderia ser a criação de um ambiente mais propício para o início da produção de elétricos no Brasil", afirma Bacellar. /COM PABLO SANTANA



sábado, 6 de fevereiro de 2021

Presa fácil para vacinas(Fernando Reinach, Estado, 6 2 21)


sábado, 6 de fevereiro de 2021 - 03:17


 

O Estado de S. Paulo  / Metrópole

Cenário Político-Econômico: Colunistas

FERNANDO REINACH


É bom olhar para trás e comemorar as vitórias. Em meados de 2020 os cientistas iniciaram os ensaios clínicos de fase 3 com moléculas candidatas a vacina. Naquela época a dúvida era se algum desses estudos resultaria em uma vacina capaz de conter o coronavírus. Em um artigo explicando como funciona um estudo de fase 3 (https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,como-funciona-um-estudofase-3-de-uma-vacina,yooo33yiy6i), afirmei que estava preocupado pois estudos de fase 3 eram historicamente um cemitério das vacinas: somente uma em cada dez passava nos testes de segurança e eficácia.


Seis meses depois, diversas vacinas passaram o teste da fase 3 e já estão sendo usadas. Para surpresa geral, a maioria funciona. Ou seja, produzir vacinas contra o novo vírus não é difícil. O Sars-CoV-2 é uma presa fácil para imunizantes.


Nossa coleção de vacinas, produzidas com tecnologias que vão do vírus inativado (Conronavac e Bharat), passando por produtos usando RNA (Pfizer e Moderna), ou proteínas (Novavax) e imunizantes que usam adenovírus modificados (AstraZeneca, Sputunik e J&J), é enorme e está crescendo. Minha impressão é de que, em teoria, já ganhamos a guerra contra o SarsCoV-2. É só uma questão de tempo para a covid-19 se tornar mais uma doença viral com a qual vamos conviver com relativa facilidade. O problema é saber quanto tempo levará para controlarmos a pandemia e quantas mortes e sofrimento vamos aturar até chegar lá.


A quantidade de sofrimento vai depender de três fatores. O primeiro é a produção de um número suficiente das vacinas para garantir que a vacinação não seja atrasada por falta de doses. Esse é essencialmente um problema da engenharia química, engenharia de produção e eficiência industrial de cada empresa. No caso de a produção ser estatal, dos institutos governamentais envolvidos. No Brasil isso implica acompanharmos dia a dia a montagem das fábricas no Butantan e na Fiocruz.


O segundo fator é a capacidade dos sistemas de saúde de distribuir rapidamente as vacinas pelo País e garantir que a adesão da população seja alta. No Brasil isso está na mão das três esferas do governo: Brasília compra e distribui as vacinas e Estados e municípios são responsáveis por vacinar, controlar quem já foi vacinado e garantir que recebam a segunda dose.


O terceiro fator é o aparecimento de novas cepas e o risco que elas representam. Inglaterra, África do Sul e Manaus estão sentindo o que é conviver com novas cepas. Elas aumentam o número de casos e tendem a reduzir a eficácia da vacina, obrigando os cientistas a criarem novas versões. Nesse quesito é importante identificar logo as novas cepas (algo que até aqui só a Inglaterra está fazendo de forma sistemática) e determinar se imunizantes usados na região têm sua eficácia reduzida. Isso é especialmente importante para países que utilizam produtos de menor eficácia, como a Coronavac.


No caso das vacinas que estão sendo usadas globalmente (Pfizer, Moderna e AstraZeneca) esse monitoramento está sendo feito. No Brasil a tarefa mais importante é descobrir qual a eficácia da Coronavac contra as cepas de Manaus, da África do Sul e da Inglaterra. Sem esse dado podemos estar vacinando regiões do Brasil com uma vacina que não tem eficácia (é o caso de Manaus e de outras regiões onde a nova cepa está se espalhando).


Em resumo, a quantidade de sofrimento que ainda nos será imposta pelo coronavírus depende de como a sociedade vai conseguir coordenar esses três fatores: quantidade de vacina, velocidade de vacinação e monitoramento e substituição das que deixarem de ser eficazes. No Brasil essa responsabilidade está com o governo, em última instância com os governantes que elegemos. Temos de ficar de olho.


A grande notícia é que a ciência fez a sua parte. Demonstrou que o SARS-CoV-2 é uma presa fácil para seu mais potente predador: seres humanos vacinados com uma vacina eficaz. Já dispomos das armas mortais, de um método de atualizar essas armas, e agora essa guerra depende das pessoas às quais delegamos o governo de nossa sociedade.


A grande notícia é que a ciência fez sua parte. A guerra depende de quem nos governa ?

Mil utilidades para a cortiça



 

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Países europeus decidem não dar vacina de Oxford a idosos(FSP, 3 2 2021)

 Países europeus decidem não dar vacina de Oxford a idosos

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021 


 

Folha de S. Paulo  / Saúde


Ana Estela de Sousa Pinto


Bruxelas - As agências reguladoras da França, da Suécia e da Polônia se juntaram às da Alemanha e da Áustria e decidiram não recomendar o uso em idosos da vacina contra Covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca.


Além de no Brasil, a vacina Oxford/AstraZeneca é usada no Reino Unido e em outros dez países, sem restrições de faixa etária. Na semana passada, a EMA (agência reguladora da União Europeia) deu sinal verde para o uso da vacina Oxford/AstraZeneca em todos os adultos, mas as autoridades dos cinco países justificaram suas restrições pela falta de dados sobre o efeito do produto nos mais velhos. Na Polônia ela será aplicada a adultos até 60 anos e, nos outros países, até os 65 anos.


Na Itália, embora a agência reguladora Aifa tenha autorizado o uso a todos os adultos, a orientação foi que o produto não seja aplicado em pessoas a partir dos 55 anos.


A Anvisa (agência brasileira) também ressalvou os poucos dados sobre idosos ao recomendar o uso emergencial do imunizante no Brasil. Apesar de não restringir o uso, pediu monitoramento de novos estudos das empresas e acompanhamento da população vacinada. As mesmas avaliação e recomendação foram feitas para a vacina Coronavac, produzida pela empresa chinesa Sinovac, aplicada no estado de São Paulo e uma das opções do programa federal.


Os seis países europeus que limitaram o uso do imunizante afirmam que a orientação será revista quando houver mais informações.


Os programas de vacinação na Europa têm sido dificultados ou suspensos por gargalos de produção, e o produto da AstraZeneca é visto como uma das melhores opções para reverter os atrasos, por ser mais fácil de armazenar e transportar que as outras duas opções já aprovadas na UE, as da Pfizer/BioNTech e da Moderna.


Enquanto essas duas últimas precisam ser mantidas ultracongeladas e só resistem cinco dias em geladeira comum, as da AstraZeneca podem ser armazenadas e transportadas sob refrigeração normal, de 2° a 8° Celsius. Além disso, é um imunizante mais barato que os outros dois, que usam uma tecnologia inédita e mais sofisticada.


Segundo Dominique Le Guludec, presidente da Alta Autoridade para a Saúde (HAS) francesa, até que a AstraZeneca conclua os novos estudos sobre o efeito em idosos, ela deve ser aplicada em profissionais da linha de frente de combate à Covid-19 e aos mais vulneráveis com idades entre 50 e 65 anos.


Na Suécia, a agência de saúde recomendou que a vacinação dos que têm 65 anos ou mais seja feita prioritariamente com os imunizantes da Pfizer e da Moderna. Na Polônia, o conselho médico restringiu ainda mais a faixa etária, regulando seu uso para pessoas comidade entre 18 e 60 anos.


Na Itália, a Aifa preconizou o "uso preferencial" da vacina de Oxford/AstraZeneca para os que têm de 18 a 55 anos e recomendou que os mais vulneráveis e os que tiverem 56 anos ou mais recebam os outros dois imunizantes.


Nos ensaios clínicos da vacina da AstraZeneca, apenas 8% dos voluntários tinham entre 56 e 69 anos, e apenas de 3% a 4% superavam 70 anos. Segundo o principal executivo da companhia, Pascal Seriot, isso ocorreu porque a Universidade de Oxford queria antes "acumular muitos dados de segurança no grupo de 18 a 55 anos".


Seriot afirmou que, apesar disso, os ensaios mostraram "uma produção muito forte de anticorpos contra o vírus em idosos, semelhante ao que vemos empessoas mais jovens".