quinta-feira, 30 de abril de 2020

Impressionismo e Yves Montand


Padrão Ferrari


Father and son


Brasileiros no grupo de risco


O mundo do trabalho após a pandemia(Valor, 30 4 2020)

Como fica o mundo do trabalho após a covid-19

A tecnologia é uma saída para a recuperação de emprego e renda depois da pandemia, mas desde que não acentue as desigualdades
Quinta-feira, 30 de Abril de 2020 - 
Por Amália Safatle — Para o Valor, de São Paulo
Melhores condições de trabalho e redução da jornada para 8h eram as principais bandeiras que levaram a um estopim de manifestações em Chicago, em 1886. Era 1º de maio, dia em que empresas iniciavam seu ano contábil. Protestos, greve e explosões culminariam, em 11 de novembro do ano seguinte, na Black Friday de então, assim chamada devido ao enforcamento de manifestantes.

O mundo do trabalho jamais seria o mesmo, mas o sufoco estaria longe de acabar. Ganhar a vida por meio do próprio esforço em condições dignas era só uma das batalhas. O que aqueles trabalhadores não poderiam imaginar é que a história reservaria episódios de destruição em massa dos próprios empregos, com guerras, depressão econômica, revoluções tecnológicas e pandemias provocadas por estruturas microscópicas.

Entre as pandemias mais recentes, a atual destaca-se pelo elevado grau de incerteza - o pior elemento para a tomada de qualquer decisão, seja no enfrentamento da crise nos dias de hoje, seja nos planos para a economia voltar a respirar e trazer novo fôlego aos empregos no período pós-covid-19.

Ainda se sabe pouco do vírus e seus efeitos no corpo humano e na sociedade. Há riscos de novas ondas de contaminação em países já recuperados e de retomada econômica mais lenta se persistirem políticas de relaxamento do isolamento social em lugares onde nem chegaram ao pico de contágio. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que o pior está por vir na América Latina, enquanto cidades brasileiras se apressam em reabrir shopping centers. As incertezas vão além da covid-19, com o risco de surgirem doenças à medida que o ser humano avança sobre hábitats de animais silvestres.

O Índice Mundial de Incerteza Pandêmica, criado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela Universidade Stanford, mostra uma curva assustadoramente ascendente da covid-19 quando comparada com Sars, ebola, Mers, gripes aviária e suína. Enquanto a maioria esteve abaixo de 1 e a Sars passou um pouco de 4, a covid-19 quase bate os 14. O índice, que abarca 143 países desde 1996, revela uma contagem de vezes em que a palavra “incerteza” é relacionada a “epidemia” ou “pandemia” nos relatórios sobre países da Economist Intelligence Unit.

Enquanto isso, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) alerta para a subestimação de seus dados, diante de incertezas na evolução da doença e das medidas tomadas para mitigar impactos. Neste mês, a segunda edição de seu monitor sobre o impacto da pandemia no trabalho dava conta de 2,7 bilhões de pessoas afetadas, ou 81% da força de trabalho mundial. Do total de trabalhadores, 38%, ou 1,25 bilhão de pessoas, pertencem a setores que enfrentam declínio severo na produção e alto risco de desligamento.

No Brasil, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estima três cenários para 2020, sendo o pessimista com aumento de 4,4 milhões no número de desocupados, o intermediário com 2,3 milhões e o otimista com 1,1 milhão de novos desempregados. Já o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) projeta taxa de desemprego de 17,8% neste ano.

“Cenários têm sido cautelosos porque ninguém sabe ainda o tamanho da catástrofe”, afirma José Pastore, sociólogo e professor da FEA-USP. A condução da crise pelo governo joga mais ingredientes de instabilidade sobre o ritmo de recuperação no Brasil, que dependerá de uma concertação nacional, com eficaz liderança do Executivo. Mas no lançamento do Pró-Brasil, plano anunciado pela Casa Civil para combater efeitos econômicos da pandemia, já houve desalinhamento entre o Ministério da Infraestrutura, que defende investimento público, e o da Economia, que não participou de sua execução e reafirmou o cumprimento do teto de gastos. No início da semana foi congelado pelo presidente da República. A saída estrondosa de Sergio Moro do Ministério da Justiça só agravou o quadro. Há, portanto, três crises geradoras de instabilidade: a sanitária, a econômica e a política.

“O Estado precisará cumprir o papel de organizar a lógica da recuperação e alinhar as expectativas. Incertezas levam as pessoas a tomar decisões individuais. Mas a soma de decisões individuais em tempos de crise não leva para a superação da crise, e sim para o caos”, diz Fausto Augusto Júnior, diretor-técnico do Dieese. “Este 1º de Maio será diferente, a gente sabe que o mundo mudou, mas não sabe para onde vai”, diz o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social.

Há diversas previsões de consultorias sobre empregos que seriam beneficiados em detrimento de outros, habilidades favorecidas e tecnologias que vieram para ficar. A Bain & Company, por exemplo, listou mundialmente os setores que cresceram e devem se manter em alta: tecnologias que permitem trabalho remoto, entretenimento on-line, nutrição e saúde, telemedicina, planos de saúde e seguro de vida. Já os que cresceram, mas devem se estabilizar no longo prazo, são alimentação por “delivery”, internet banda larga e produtos de higiene. Em recuperação lenta estarão academias de ginástica, o setor de eventos, cinema, teatro, restaurantes, viagens e turismo.

Mas Guilherme Dietze, assessor econômico da Fecomercio-SP, ressalva que a renda poderá cair de tal forma que as pessoas não terão dinheiro para o e-commerce nem para a comida por aplicativo. “O efeito será danoso até para quem acha que está vendo na tecnologia uma oportunidade na crise.” A organização trabalha com a estimativa de queda do PIB em 2020 equivalente à soma dos anos de recessão de 2015 e 2016. O FMI estima queda de 5,3% neste ano.

Entre as certezas que a pandemia produziu, algumas tornam o cenário brasileiro mais dramático ao expor suas fragilidades: a informalidade, a invisibilidade de milhões de pessoas, a desigualdade no acesso a tecnologia e o fosso na educação. Mas também tem levado a sociedade a questionar políticas restritivas ao investimento público. “O Estado, que estava em baixa na visão dos tomadores de decisão e da própria população, voltou a estar em alta. Ao mesmo tempo, a restrição orçamentária piorou, levando a uma situação paradoxal: as pessoas vão querer mais Estado, mas o Estado poderá menos”, afirma Neri. Para ele, o governo precisa tratar com carinho a reestruturação econômica, especialmente com política de microcrédito e inovação para reerguer os negócios, olhando o futuro.

Ao chamar atenção para a vulnerabilidade de países da América Latina e do Caribe, o Banco Mundial, por meio do relatório “The Economy in the Time of Covid-19”, afirma que o conselho padrão na presença de choques adversos é proteger os trabalhadores, não os empregos, pois a maioria dos choques afeta empresas, setores ou locais específicos. Mas o banco salienta que não é o caso desta crise: “Esse conselho não se aplica quando um choque econômico afeta todo mundo ao mesmo tempo. Além de considerações sociais, as relações entre empregador e empregado, que voltariam a ser lucrativas quando a economia voltasse ao normal, podem ser dissolvidas permanentemente devido ao choque. O capital humano do trabalho pode ser perdido, o que dificultará a retomada da produção mais tarde, na medida em que a crise recuar”.

Diante disso, a organização recomenda o apoio a empregos e empresas em duas frentes. A primeira, a importantes empregadores ou exportadores, em setores como logística e serviços públicos, que possibilitam outras atividades econômicas. A segunda, a empresas que empregam uma parcela maior de mulheres e grupos socialmente desfavorecidos.

Dietze não vê como preservar empresas e empregos sem que haja melhora rápida na liquidez. Segundo ele, o crédito não está chegando na ponta, levando os pequenos e médios varejistas a executar demissões. Ele explica que, embora tenha havido redução no depósito compulsório dos bancos, estes aumentaram a aversão ao risco por causa da inadimplência, preferindo guardar os recursos a emprestar. Assim, defende que o Tesouro garanta parte dos empréstimos, o que ajudaria a manter as empresas vivas para cumprir a folha de pagamento e honrar aluguéis. Parte dessa garantia seria compensada com a menor queda na arrecadação de impostos. “É um cálculo que o governo deveria fazer.”

Já a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) nega, por meio de sua assessoria de imprensa, que haja empoçamento de liquidez por parte dos bancos e dificuldade de acessar os recursos ou negociar dívidas por parte dos clientes. A entidade informa que, de 16 de março a 17 de abril, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú e Santander concederam R$ 266 bilhões em crédito, volume que considera renegociações e operações novas para grandes, médias, pequenas e micro empresas, além de pessoas físicas e setor rural. E que as novas concessões de empréstimo, no valor R$ 177 bilhões, somadas ao alívio de caixa de R$ 22,2 bilhões com suspensão de parcelas, já injetaram R$ 199,2 bilhões de novos recursos na economia.

Para Neri, as reações iniciais em relação à crise foram lentas porque o script do Brasil era de ajuste fiscal. “Temos que esquecer da dívida pública, mas é preciso lembrar que, depois, ela virá com tudo.” Segundo estimativas recentes do Tesouro Nacional, a dívida pública caminha para R$ 600 bilhões, ou 85% do PIB. “O Brasil vai ter de pagar isso ao longo de anos”, diz Pastore.

Já o professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ João Saboia enfatiza: “Dívida pública não se paga, se financia. Desde que o setor privado esteja disposto a refinanciá-la, não há problema. Ela só não pode crescer descontroladamente”. Ele vê neste momento de juros baixos oportunidade de refinanciamento, com investimentos públicos em infraestrutura e serviços - como portos, saneamento, saúde - que ajudem o governo a sinalizar ao setor privado que está empenhado em reconstruir o futuro da economia e dos empregos.

Pensar em déficit agora é algo fora de propósito, na visão de Fausto Augusto Junior, do Dieese. “Em uma guerra você não faz conta, você gasta. Emite título, emite moeda, faz o que precisa fazer, e joga isso no longo prazo. Foi o que o mundo fez no pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Até porque gastar agora terá um custo menor do que não gastar, o que levaria a maior quebradeira de empresas, fim de empregos e mais mortes.” O ponto, para ele, não é o déficit em si, mas como os agentes econômicos o encaram. Como muitos países estão gerando dívida, tende-se a olhar menos o tamanho do déficit e mais as perspectivas de aquele país sair da crise.

Em crises anteriores, como na abertura comercial dos anos 1990, que gerou demissão em massa, a informalidade era um colchão que mal ou bem absorvia o impacto das demissões, como lembra Naercio Menezes Filho, professor titular do Insper e professor associado da FEA-USP. Mas, desta vez, não há escapatória: os informais - 41,4% da população, segundo o IBGE - são os mais afetados pelo isolamento social e se concentram na parcela mais pobre da população. Ao mesmo tempo, são os que têm mais dificuldade de se beneficiar das oportunidades que a tecnologia oferece, como o trabalho remoto.

“Grande parte da população brasileira trabalha em situação de baixa qualificação. São vendedores em lojas, restaurantes, bares, trabalhadores domésticos, motoristas, seguranças. Com isso, a desigualdade vai aumentar tremendamente dentro do país e entre países também, com efeitos dramáticos naqueles em desenvolvimento”, diz Menezes.

A corrida tecnológica já era apontada como divisor capaz de acentuar desigualdades entre pessoas e países, à medida que parte da população não tem acesso às ferramentas. Com a pandemia, que aumentou a digitalização de atividades, a desigualdade pode expandir, criando classe de pessoas aptas a explorar os adventos da tecnologia até para melhorar a formação e reinventar carreiras, e outra alijada das oportunidades, vivendo num mundo quase analógico.

Semanas antes de a pandemia se instalar no Brasil, Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV, já alertava que o modelo em andamento, com diminuição do trabalho formal e o “fazer por conta própria”, tinha potencial de gerar exclusão. Uma coisa é a pessoa preparada, com boa formação e acesso às ferramentas digitais lançar-se em empreendimento ou startup. Outra é a pessoa sem preparo, que vai tentar se virar com trabalhos improvisados na falta de um emprego formal.

Com a pandemia, esse quadro se acentua, na sua opinião. “Quando há crise - e esta é claramente uma das maiores dos últimos tempos --, ela não só gera desemprego como muito menos gente volta a ter o mesmo emprego ou algo semelhante ao que tinha no período pré-crise”, diz Claudia. A automação impõe mais velocidade às mudanças. “Novos postos de trabalhos serão gerados, mas para nível de competência mais sofisticado. O avanço da inteligência artificial [IA] sobre profissões de nível superior, como medicina, advocacia, jornalismo, não vai substituí-las, mas vai demandar habilidades mais avançadas.” Sua preocupação é que o Brasil não entrega sequer as competências básicas, como interpretação de texto e raciocínio matemático. “Somos um país de não leitores, inclusive entre as elites.”

Nessa linha, Neri reforça que nos últimos cinco anos o Brasil já sofria com deterioração trabalhista, processo de “uberização” dos empregos, desigualdade em alta e renda em queda. “A covid-19 será um salto a mais nessa direção. O futuro chegará mais rápido com a tecnologia, deixando para trás a população sem acesso a escolaridade e digitalização”, afirma.

Claudia, que já foi integrante da Comissão Global do Futuro do Trabalho, afirma que se o Brasil quiser se preparar para a recuperação da economia, além de fazer políticas sociais compensatórias, terá de incorporar no aprendizado essas novas habilidades, inclusive a de aprender a aprender. Um avanço, a seu ver, foi a aprovação da Base Nacional Comum Curricular, que incluiu a formação digital como uma das competências básicas, de modo a preparar tanto os alunos como os professores a navegarem com mais desenvoltura no mundo interconectado.

A primeira barreira a se quebrar é a da exclusão digital, que atinge cerca de 30% dos alunos. “Mas não basta conectar as escolas na internet, é preciso criar uma cultura digital dentro do setor educacional.” Para ela, essa cultura, com maior uso de ferramentas virtuais, pressupõe uma forma mais colaborativa de resolver problemas complexos e de se conectar com o mundo.

Ela cita um exemplo próprio: a cada dois ou três dias, participa de um “webinário” internacional para lidar com a questão da suspensão de aulas em 174 países e compartilhar práticas para garantir o aprendizado remoto. “Conectar diferentes países dessa forma é algo inédito. Antes havia seminários, aí você viajava, levava um dia e meio para chegar, um dia e meio para voltar, lia ‘papers’. Algum nível de conexão já existia, mas nunca com essa velocidade e intensidade.”

Também antes de a pandemia se alastrar, a fluência digital já tinha sido apontada pelo Fórum Econômico Mundial como competência-chave no mundo do trabalho. Grazi Mendes, que chefia a área de pessoas da ThoughtWorks, consultoria global de tecnologia para desenvolvimento de software, define fluência digital como a capacidade humana de usar a tecnologia para potencializar aquilo que precisamos fazer. “Se não era uma competência até ontem adquirida por boa parte dos profissionais, passou a ser imposta. Talvez esta seja a grande diferença entre o mundo pré e o pós-pandemia. Seremos obrigados a falar essa língua, independentemente de já estarmos fluentes ou não”, afirma.

Grazi rechaça o antagonismo trabalho versus tecnologia, como se as máquinas fossem substituir os humanos neste momento em que mais se precisa proteger os empregos. O caminho seria evitar a preposição “ou” e usar mais “e”. Ela vê um futuro mais híbrido, composto de tecnologia e pessoas, trabalho presencial e distribuído, feito remotamente em modelos colaborativos. “O ponto é: como posso usar os recursos digitais para fazer com que eu tenha pessoas do mundo inteiro trabalhando engajadas em um projeto?”

Em vez de ameaçadora, ela vê a inteligência artificial como oportunidade de criar valor em plena crise. “Usar a IA para reduzir custos e substituir funções é o pior uso que se pode fazer dela.” Já uma boa aplicação é usá-la para responder questões complexas formuladas pelas pessoas, de modo a gerar benefícios para as empresas e para a sociedade. Isso requer boa capacidade não só de formular as perguntas, mas de traduzir as respostas e aplicá-las à realidade. Segundo Grazi, quem faz isso são os tradutores de inteligência artificial - profissão emergente. Mas um desafio é encontrar talentos para atuar com as inovações digitais, o que atribui, em grande parte, ao sexismo que afasta as mulheres de profissões ligadas à tecnologia, alijando um enorme contingente de potenciais trabalhadoras.

Segundo Pastore, foi dito na última reunião do Fórum Econômico Mundial, no início do ano, que seria inconclusivo discutir se a novas tecnologias iriam construir ou destruir mais empregos. O único consenso é que vão transformar substancialmente os empregos e trabalhos atuais. Além disso, países com taxas de desemprego historicamente baixas são intensivos em tecnologia, educação, qualificação e formação continuada de profissionais. “As várias entidades empresariais no mundo já se convenceram de que o ajuste da força de trabalho só se resolverá por uma conjugação entre escola e empresa. Um ou outro sozinho não consegue. Elas estipularam como meta requalificar 1 bilhão de trabalhadores entre 2020 e 2030”, afirma.

Claudia Costin defende mudanças na educação brasileira para que haja aplicações mais práticas do conhecimento na vida profissional e também um maior diálogo entre a formação técnica e potenciais empregadores. “Nas escolas do Senai, por exemplo, é mais orgânica a relação do aluno com o setor produtivo.” Isso ajuda na formação e na absorção da mão de obra.

A Alemanha, segundo Pastore, é citada como exemplo porque desde o pós-Guerra adotou o ensino dual. É um sistema em que o adolescente alterna dias de presença na escola e na empresa, onde estagia. Em países como Alemanha, Áustria e os escandinavos, cerca de 50% dos adolescentes fazem ensino técnico profissional. No Brasil, onde se valoriza mais o bacharelado, são apenas 8%. Um dos poucos exemplos no Brasil, segundo o professor, é o Movimento Santa Catarina Pela Educação, que congrega 260 empresas em parceria com o Sistema S para fazer qualificação e requalificação dos alunos.

E haja requalificação. Para se ter ideia, Osvaldo Lahoz Maia, gerente de inovação e tecnologia no Senai São Paulo, comenta que a velocidade da tecnologia é tão alta que aquilo que foi aprendido no primeiro ano de engenharia provavelmente não será útil ao fim do curso. “São perdidas 30% das competências durante os cinco anos do curso”, diz. O grande desafio dos sistemas de educação profissional é acompanhar a velocidade ditada pelas inovações digitais.

O gerente cita dados do WEF, de 2018, segundo os quais 85% das empresas mundiais mostravam intenção de investir em Big Data, 75% em internet das coisas e 73% em aprendizagem de máquinas e computação em nuvem. Enquanto isso, no Brasil, a tecnologia esteve fora do radar das empresas paulistas, pelo menos segundo pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) de 2018. As grandes preocupações, em disparado, eram tributação e burocracia, seguidas por crédito para capital de giro e investimentos. Já tecnologia para indústria 4.0 ocupava o 13º lugar no ranking.

Com as mudanças provocadas pelo isolamento, o Senai reequipou a carteira de produtos para ofertar ensino a distância. Já são 450 mil matrículas anuais no Estado paulista. Mas a mudança mais profunda por trás disso, segundo Maia, é o desenvolvimento de “soft skills”, habilidades sociais e capacidade de trabalhar em equipe. “Resolver problemas complexos em grupo, pensar no todo em vez de nas partes: tudo isso vai assumindo proporções muito maiores. Como cinco pessoas, por exemplo, vão trabalhar ao mesmo tempo em um documento on-line se não sabem se comunicar socialmente?”

Com entendimento mais amplo do conceito de tecnologia, o empreendedor Igor Botelho, fundador da Wegenerate Life, plataforma que atua com alimentos “plant based” e agricultura regenerativa, diz acreditar em mudança profunda do mercado de trabalho e da própria organização econômica, por meio de crescente descentralização das atividades. “Tecnologia para mim não é algo necessariamente focalizado na área digital, mas algo que serve para observar o problema e criar soluções, em vez de gerar novas demandas.” Assim, ele diz acreditar que o caminho para a recuperação econômica está em se espelhar na estrutura em rede pela qual a própria natureza se organiza, que é descentralizada, interconectada e, por isso, resiliente.

Para Botelho, o trabalho remoto que as pessoas fazem por causa do isolamento social está em padrão hierarquizado. “A gente ainda vai passar para o trabalho descentralizado remoto e distribuído. E o próximo estágio é chegar a uma atividade econômica distribuída, que também descentraliza o poder”, diz.

Moedas sociais, bancos de sementes em que produtores fazem trocas para não depender de meia dúzia de fornecedores globais e bancos de horas são exemplos de tecnologias que ele vê crescendo em países onde já morou, como Estados Unidos, Inglaterra e Nova Zelândia. No banco de horas, o tempo de todo mundo vale 1, seja a hora do advogado, do padeiro ou do professor de música, e as trocas são feitas entre as pessoas de forma voluntária. Para Botelho, em síntese, seria algo como passar de uma tecnologia “open source” para uma “open economy”, em que as pessoas, em comunidade, são capazes de interagir, criar e desenvolver outras ramificações econômicas para solucionar seus problemas e os da sociedade.

Para Grazi Mendes, a humanidade tem espaço para refletir e recriar sua forma de estar no mundo com poucos precedentes. “As discussões que a gente vinha tendo sobre o futuro do trabalho nas empresas estavam vinculadas a uma sociedade da exaustão. Havia o Brasil como segundo país do mundo em casos de ‘burnout’, muita gente com a sensação de trabalhar muito, em um mundo acelerado, mas com pouca produtividade e sem propósito de vida. Aí vem a covid-19 e joga tudo isso na nossa cara”, diz.

Voltar ao normal, como se diz sobre o período pós-covid, será um desperdício, na visão de Grazi. “A gente até pode, como indivíduo ou como organização, tentar sair disso do jeito que entrou, mas seria lamentável. É o momento de se perguntar: ‘Quem quero ser e que história quero contar por ter vivido este momento?’.” A sua sugestão é refletir ao menos sobre uma linha do livro “A Sociedade do Cansaço”, do filósofo coreano Byung-chul Han: “Cada época possui as suas enfermidades fundamentais”. A deste 1º de Maio parece ser esta.

O mês mais cruel para Trump(Elizabeth Drew, Valor, 30 4 2020)

Por Elizabeth Drew - O mês mais cruel para Trump


Quinta-feira, 30 de Abril de 2020 

Por Elizabeth Drew
Presidente perdeu a confiança de seu partido na reação à pandemia.

T. S. Eliot qualificou celebremente o mês de abril como “o mês mais cruel”. Se o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que não se destaca especialmente como um aficionado da poesia, fosse sincero consigo mesmo, concordaria que este mês transformou sua gestão em terra arrasada.

No dia 28, os EUA encabeçavam o mundo com quase 57 mil mortes por covid-19 e mais de 1 milhão de casos confirmados de contaminação por coronavirus. Recente análise da Faculdade de Saúde Pública de Yale indica que o número de mortes relacionadas à pandemia ocorridas nos primeiros meses de 2020 ultrapassou, de longe, as estimativas públicas oficiais.

Outra marca alcançada no fim deste mês foi a de que Trump tinha perdido a confiança de boa parte de seu próprio partido no que se refere ao problema mais importante que o país enfrenta.

De acordo com pesquisa de opinião da AP divulgada no dia 23 de abril, apenas 47% dos republicanos acreditavam “em grau relativamente elevado” nas afirmações de Trump sobre os avanços no combate ao vírus. E apenas 23% dos consultados manifestaram elevado grau de confiança nele.

Trump não apenas desperdiçou o tempo que tinha para preparar o país a partir de quando foi informado de uma possível pandemia (no início de janeiro); também desperdiçou sua oportunidade junto aos eleitores. O prejuízo causado por sua compulsiva prática de mentir era complicado pelo alarme nacional referente à questão — duas forças incontidas que colidiam nos “informes” em causa própria, sinuosos, que ele insistia em encabeçar na sala de imprensa da Casa Branca. E a gabolice de Trump colidia com seu desejo de se esquivar da responsabilidade pelas mortes e por outros estragos causados por sua reação lenta à pandemia.

Previsivelmente, o resultado do estilo impulsivo de governo de Trump e de sua determinação de dominar o ciclo noticioso tem sido uma torrente contínua de declarações bizarras e, muitas vezes, contraditórias. Por exemplo, contrariamente à Décima Emenda à Constituição dos EUA, ele recentemente reivindicou para si poder “total” sobre se e quando os governos estaduais poderão suspender as restrições de saúde pública.

Esse gesto despertou objeções dos dois partidos, e seus assessores políticos o lembraram de que a estratégia era evitar responsabilização pela pandemia por meio de sua transferência aos governadores estaduais. Embora Trump tenha voltado atrás rapidamente, isso não o impediu de estimular manifestações em sedes dos Executivos estaduais para protestar contra as próprias restrições que ele tinha estimulado os governadores a impor.

O campo em que Trump parece se sentir à vontade ao longo de todo este suplício é o de demitir pessoas. Dois alvos especiais de sua sanha vingativa foram inspetores- gerais de departamentos federais (um tipo de autoridade instalada após Watergate a fim de dar transparência aos órgãos do governo), principalmente se tiveram participação no impeachment de Trump em janeiro, e pessoas que discordaram publicamente de suas opiniões sobre o flagelo atual.

Por outro lado, Trump está obviamente frustrado por não poder demitir Anthony Fauci, o diretor do National Institute of Allergy and Infectious Diseases, que faz parte da força-tarefa de combate ao coronavirus da Casa Branca. O prestígio de Fauci como a autoridade mais amplamente respeitada sobre a pandemia lhe possibilitou corrigir publicamente as frequentes informações equivocadas de Trump — por exemplo, sobre as vantagens não comprovadas (e refutadas) de medicamentos antimalária no tratamento da covid- 19 — nas sessões de informes diários da força-tarefa.

Com o avanço do mês de abril, as enfadonhas aparições de Trump nas sessões de informes trasmitidas por TV ficaram cansativas para o público, e seus índices de aprovação nas pesquisas começaram a cair. Por seu lado, as políticas de confinamento obrigatório instauradas na maioria dos Estados estavam desacelerando o aumento das contaminações, enquanto uma pesquisa de opinião da NBC/Wall Street Journal mostrou que quase 60% da opinião pública apoiava políticas de permanência em casa. Mas, apesar das advertências de Fauci e de outros cientistas, Trump falava entusiasticamente sobre “retomar as atividades” no país.

Não deve surpreender que Trump tenha cometido um abuso de poder ao orquestrar a reação federal à pandemia. Por exemplo, ele tomou o cuidado de se certificar de que o Estado do Colorado recebesse 100 muito necessários respiradores, e tomou o cuidado de se certificar de que os eleitores de Colorado fossem informados disso, a fim de contribuir para reeleger o problemático atual senador republicano, Cory Gardner.

O que é mais alarmante é que Trump ameaçou, na prática, mover uma guerra bacteriológica aos funcionários dos Correios dos EUA, ao negar-lhes ajuda de alívio à crise viral aprovada pelo Congresso se os Correios não quadruplicassem os preços cobrados pela entrega de encomendas. O verdadeiro alvo de Trump era Jeff Bezos, o executivo- chefe da Amazon e dono do jornal “The Washington Post”.

Com o início da última semana de abril, mais de 26 milhões de trabalhadores americanos tinham pedido seguro-desemprego no mês anterior, o Congresso tinha aprovado quatro projetos de lei, no valor total de US$ 2,4 trilhões, de auxílio a empresas e pessoas físicas, e as autoridades discutiam a próxima rodada de gastos. Com a economia escapando ao controle e com previsões de afundar para profundezas nunca vistas desde a década de 1930, as pesquisas de opinião sugeriam que Trump seria derrotado na eleição presidencial de novembro pelo seu adversário democrata, Joe Biden.

Trump se tornou seu próprio pior inimigo. Quando, em 23 de abril, ele especulou do palanque da sala de comunicados à imprensa da Casa Branca que a covid-19 poderia ser exterminada por meio da injeção de desinfetantes de uso doméstico ou por luz ultra-violeta, até muitos republicanos se declararam fartos. Assessores da Casa Branca disseram que suas aparições nas sessões de informes, que ele vinha encarando como substitutas dos frequentes comícios que ele não podia mais realizar, seriam restringidas. O próprio Trump, obviamente atingido pela chacota generalizada que se seguia a seus comentários, desqualificou as sessões de informes, ao afirmar pelo Tweeter que sua participação “não valia o tempo e o esforço!”

Mas ele não conseguiu se manter afastado. Após apenas alguns dias, voltou ao palanque, determinado a garantir uma dianteira em maio. (Tradução de Rachel Warszawski).

"Com a economia CEO da Mind Lab escapando ao controle e com previsões de afundar para profundezas nunca vistas desde a década de 1930, as pesquisas de opinião sugeriram que Trump seria derrotado na eleição de novembro pelo seu adversário democrata, Joe Biden"

"Com a economia escapando ao controle e com previsões de afundar para profundezas nunca vistas desde a década de 1930, as pesquisas de opinião sugeriram que Trump seria derrotado na eleição de novembro pelo seu adversário democrata, Joe Biden"

Elizabeth Drewé jornalista lotada em Washington e autora de “Washington Journal: Reporting Watergate and Richard Nixon’s Downfall”.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Compania na Quarentena


Robôs na linha de frente(Valor, 29 04 2020)


Robôs entram na linha de frente no sistema público


Automação - Canais do TeleSUS atenderam mais de 5,7 milhões de pessoas
Quarta-feira, 29 de Abril de 2020Martha Funke Para o Valor, de São Paulo
"Alô, aqui é do Ministério da Saúde..." Essa ligação, que muitos brasileiros já receberam pelo celular, ilustra o uso mais intenso da automação na saúde neste momento de crise, com recursos que incluem desde a liberação controlada da telemedicina até o lançamento do TeleSUS pelo ministério, com iniciativas como Disque Saúde 136, o aplicativo Coronavírus SUS, chat on-line via website e Busca Ativa e monitoramento telefônico robotizado, que prevê contato com 125 milhões de brasileiros.

Até o último dia 14, mais de 5,7 milhões de pessoas já haviam buscado os serviços TeleSUS, com operação de atendimento a cargo da Top Med, empresa do grupo Benner da área de tele saúde e telemedicina. Do total, 2,4 milhões foram avaliadas sobre sintomas de coronavírus. O serviço de Busca Ativa soma mais de 2,2 milhões de ligações. Os diferentes canais já encaminharam mais de 78 mil pessoas ao teleatendimento pré-clínico, com acompanhamento posterior ou sugestão de procura de atendimento físico.

A aposta em tecnologia no SUS inclui iniciativas como o emprego de nuvem. A responsável é a Embratel. Os dados da rede pública de saúde do departamento de informática do SUS (DataSUS) serão disponibilizados na Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), projeto do programa de digitalização de informações de saúde no Brasil, o Conecte SUS. A segurança do tráfego de dados é garantida via blockchain.

Os robôs conversacionais são um dos recursos para enriquecer o sistema de saúde. A Teledoc, multinacional da telemedicina que atende empresas de saúde no Brasil desde 2018, adotou bot para Whatsapp criado pela Wavy para apoiar consultas virtuais. Na outra ponta estão robôs para tarefas mais pesadas, de cirurgias a higienização de áreas infectadas, entrega de alimentos e remédios, até interação social. Alguns, como os de limpeza, ainda não são empregados no Brasil. Outros ficam no meio do caminho, como os cobots, autômatos que trabalham em conjunto com humanos com ganhos em segurança, flexibilidade e facilidade de instalação, explica Denis Pineda, gerente regional da Universal Robots na América Latina. Na área da saúde, por exemplo, dois modelos da marca respondem pelo abastecimento e desabastecimento de centrífugas de sangue no Genofte Hospital, em Copenhagen.

A área cirúrgica é a mais madura. Seus robôs chegaram aqui em 2000. São 74 em funcionamento, responsáveis por 13 mil operações em 2019 e 7 mil em 2018. A líder do mercado é a Intuitive, cujos autômatos são craques em capacidades como filtros de tremor e câmeras para visão 3D das entranhas do paciente. Para o doutor Carlos Eduardo Domene, presidente da Sobracil, entidade que congrega o setor, a chave são os softwares, que fazem a ligação entre a mão do cirurgião e o dispositivo no corpo do paciente. Os algoritmos estão por trás de sistemas para gestão hospitalar, de estudos para avaliação de epidemiologias e, claro, dos robôs.

O Hospital das Clínicas, em São Paulo, está empregando três robôs da Pluginbot para teletriagem, reduzindo o contato com a equipe de recepção; pré-atendimento no leito, reduzindo o emprego e descarte de dispositivos de segurança (EPIs) para questionar a necessidades dos pacientes ao acionarem chamados; e, em breve, colocar o paciente confinado em contato virtual com os familiares.

A novidade foi fornecida sem custo nos três primeiros meses, segundo Lilian Arai, responsável pelo projeto na instituição. Em março, o HC criou 900 leitos exclusivos para covid-19, 200 deles de UTI, que no dia 14 de abril contava com 77% de ocupação.

Robô semelhante surgiu na 3DSoft, startup da equipe de pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos (SP). Liderado pelo professor Fernando Osório, o grupo especialista em robôs móveis decidiu inventar equipamento para colaborar na crise atual e reduzir o contato entre profissionais e infectados. Em dois meses o protótipo ficou pronto, ainda em teleoperação, mas com autonomia já testada em ambiente de simulação.

Segundo a doutoranda Daniela Rideli, sócia da 3DSoft, a ideia era entregar medicamentos e refeições no leito, mas o Hospital Universitário da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) sugeriu adaptação para telepresença. Só que falta patrocínio para colocar o robô em pé, literalmente. No ano passado, a equipe do ICMC ficou em primeiro lugar em três das quatro categorias da Carla, maior desafio mundial na área de veículos autônomos, mas levou para casa só US$ 17,5 mil. Agora aguarda resultado de programa de apoio da Vale. "Falta mentalidade empreendedora no pessoal de computação", diz Daniela.

A autodestruição do Trump tropical(FT, Valor, 29 4 2020)





A autodestruição do Trump tropical

Quarta-feira, 29 de Abril de 2020 

Conselho Editorial

Do Financial Times

Com exceção de um, todos os presidentes do Brasil desde o retorno da democracia em 1985 terminaram suas carreiras em desgraça. Dois sofreram impeachment, dois foram maculados por acusações de corrupção, um foi preso e outro desencadeou uma crise financeira em uma posição posterior. Somente Fernando Henrique Cardoso, um centrista que governou de 1995 a 2002, manteve sua reputação intacta.

Após forçar a saída do respeitado ministro da Justiça Sergio Moro, na sexta-feira, Jair Bolsonaro agora parece empenhado em se juntar aos antecessores na galeria de horrores presidenciais. Moro foi o segundo ministro a perder o cargo em oito dias; Bolsonaro demitiu o popular ministro da Saúde na semana anterior por sua resistência aos esforços presidenciais de amenizar a pandemia do coronavírus.

A exoneração de Moro é particularmente séria por dois motivos. Primeiro, ele era um herói para os apoiadores conservadores de Bolsonaro. Em sua função anterior, de juiz que combateu a corrupção, ele ajudou a prender o ícone esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva. Em segundo lugar, Moro alegou que saiu em protesto à decisão do presidente de demitir o chefe da Polícia Federal e substituí- lo por um indivíduo mais maleável e disposto a compartilhar informações sobre investigações em andamento. Os brasileiros suspeitam que as manobras de Bolsonaro visam proteger seus poderosos filhos de processos em investigações sobre financiamentos ilegais de campanha e ligações com paramilitares.

Se comprovadas, as alegações explosivas de Moro poderão constituir as bases para um impeachment. Elas provocaram a pior crise política no Brasil desde que Dilma Rousseff foi impedida em 2016. Chamado de o “Trump dos trópicos” por seu domínio sobre as redes sociais, sua capacidade de mobilizar apoiadores e seus ataques venenosos a adversários, Bolsonaro irritou a elite brasileira ao negligenciar a Constituição, demonstrar intolerância em relação aos gays, mulheres e negros, e por sua indiferença às queimadas na floresta amazônica.

Mas ele foi aceito por empresários e investidores, como a melhor esperança de revitalização da economia depois de uma grave recessão e anos de má gestão e corrupção da esquerda.

Paulo Guedes, o ministro das finanças monetarista e partidário da teoria de Milton Friedman, anunciou reformas econômicas audaciosas e no ano passado conseguiu aprovar uma importante reforma da Previdência Social para aliviar as finanças públicas. Esse sucesso deixou os investidores confiantes de que “os adultos da sala”, como são conhecidos os membros mais moderados do governo Bolsonaro, poderiam avançar nas reformas apesar das bizarrices perigosas do presidente — um tipo de governo Dr. Jekyll e Mr. Hyde.

Agora, assim como no romance gótico de Robert Louis Stevenson, Mr. Hyde assumiu o controle. Qualquer sentimento positivo restante evaporou-se em meio a uma crise tripla: um agravamento da emergência de saúde pública, uma profunda recessão econômica e uma calamidade política.

Jogador de longa data, Bolsonaro vem fazendo apostas ainda mais altas ao negar a gravidade da covid-19. O Brasil vem realizando tão poucos testes que os números oficiais não são confiáveis, mas até mesmo estes mostram um crescimento acelerado dos contágios. O pico ainda não chegou e o sistema público de saúde já está tendo problemas. A economia dependente das commodities está igualmente vulnerável; o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que o PIB encolherá 5,3% este ano, algo muito pior do que na África subsaariana.

Bolsonaro mostrou-se resistente até agora. Por enquanto seus principais apoiadores estão do seu lado. Mas entre os militares, ex-apoiadores estão ficando desconfortáveis. O Congresso começa a flexionar seus músculos. Crescem os rumores de novas saídas de ministros.

Há muito afeito a teorias da conspiração, Bolsonaro vem acusando repetidamente adversários de conspirar para tirá-lo do poder. A verdade é que o presidente do Brasil está criando, sozinho, o cenário para o seu impeachment.

Risco de alavancagem financeira(Martin Wolf, Valor, 29 04 2020)




Riscos de alavancagem financeira, de novo

COLUNISTAS
Quarta-feira, 29 de Abril de 2020 - 00:00

Por Martin Wolf
Crises revelam fragilidade. Esta não é exceção. Entre outras coisas, o coronavírus revelou fragilidades no sistema financeiro. Isso não surpreende. Assim como antes, a dependência da alta alavancagem como um caminho mágico para lucros elevados levou a ganhos privados e socorros públicos. O Estado, na forma dos bancos centrais e governos, se viram obrigados a resgatar as finanças numa escala gigantesca. Ele teve que fazer isso. Mas precisamos aprender com esse evento. Da última vez, foram os bancos, Agora, precisamos olhar também para o mercado de capital.

Em seu mais recente Relatório sobre a Estabilidade Financeira Global, o Fundo Monetário Internacional (FMI) detalha os choques: queda dos preços das ações, disparada dos “spreads” de risco sobre empréstimos e queda dos preços do petróleo. Como sempre, houve uma fuga para a qualidade. Mas a liquidez secou até mesmo nos mercados tradicionalmente mais fundos. Investidores altamente alavancados passaram a ser duramente pressionados. As pressões sobre os financiamentos a economias emergentes têm sido particularmente duras.

A escala da desordem financeira reflete em parte o tamanho do choque econômico. É também um lembrete do que Hyman Minsky nos ensinou: dívida causa fragilidade. Desde a crise financeira global, o endividamento continuou crescendo. O endividamento de empresas não financeiras aumentou 13 pontos percentuais entre setembro de 2008 e dezembro de 2019, em relação ao PIB mundial. O endividamento dos governos, que assumiram grande parte do ônus do pós-crise financeira, subiu 30 pontos percentuais. Essa transferência para os ombros dos governos vai acontecer novamente, em grande escala.

O relatório do FMI fornece uma visão clara das fragilidades. Riscos significativos surgem dos gestores de ativos enquanto vendedores forçados de ativos, partes alavancadas do setor corporativo não financeiro, alguns países emergentes e até mesmo alguns bancos. Embora os últimos não sejam o centro nessa história, motivos de preocupação ainda existem. Este choque, afirma o relatório, deverá ser ainda mais severo que o visto nos testes de estresse do FMI. Os bancos continuam sendo instituições alavancadas, especialmente quando usamos as avaliações de mercado dos ativos. Conforme observa o relatório: “A capitalização média ajustada ao mercado é hoje maior do que em 2008, isso apenas nos EUA”. As chances de os bancos virem a precisar de mais capital não são pequenas.

Mesmo assim, são os mercados de capitais que se encontram no centro dessa saga. Histórias específicas são reveladoras. O Banco de Compensações Internacionais (BIS) estudou um episódio estranho na metade de março, quando os mercados de bônus soberanos referenciais experimentaram uma turbulência extraordinária.

Isso aconteceu por causa da venda forçada de títulos do Tesouro dos EUA por investidores que tentavam “explorar pequenas diferenças de rendimentos via o uso de alavancagem”. Este é o tipo de “estratégia long-short” tornada abominável pela quebra do fundo hedge Long Term Capital Management em 1998. É também uma estratégia vulnerável ao aumento da volatilidade e queda da liquidez de mercado. Estas causam perdas por reajustes a preços de mercado (mark-to-market losses). Então, quando há chamada de margem, os investidores vendem ativos para amortizar empréstimos.

Outra história elucidada pelo BIS cita as economias emergentes. Um acontecimento recente importante foi o uso crescente dos bônus em moedas locais para financiar gastos dos governos. Mas quando os preços desses bônus caíram na crise, o mesmo aconteceu com as taxas de câmbio, aumentando as perdas dos investidores estrangeiros. Esses colapsos cambiais pioraram o grau de solvência dos tomadores domésticos (particularmente empresas) com dívidas denominadas em moeda estrangeira. A incapacidade de tomar emprestado em moeda doméstica era chamada de “pecado original”. Isso não foi embora, segundo afirmam Augustin Carstens e Hyn Song Shin do BIS. Apenas “mudou dos tomadores para os emprestadores”.

Outro problema significativo do mercado de capital é o papel dos investimentos em participações (private equity) e outras estratégias de alta alavancagem no aumento dos retornos esperados, mas também dos riscos, nas finanças corporativas. Essas estratégias são quase que perfeitamente elaboradas para reduzir a resiliência em períodos de tensão econômica e financeira. Governos e bancos centrais agora foram forçados a ajudá-los, assim como foram forçados a socorrer bancos na crise financeira. Isso vai reforçar as estratégias do tipo “cara, eu ganho; coroa, você perde”. O tamanho dos resgates do banco central e do governo é tão grande que o risco moral deverá ser generalizado.

A crise revelou muita fragilidade. Também demonstrou mais uma vez a relação desconfortavelmente simbiótica entre o setor financeiro e o Estado. No curto prazo, precisamos tentar atravessar esta crise com o menor dano possível. Mas também precisamos tirar lições dela para o futuro.

Uma avaliação sistemática das fragilidades dos mercados de capitais, comparável ao que foi feito com os bancos depois da crise financeira, é no momento essencial. Um problema é como as economias emergentes reduzirão o impacto da nova versão do “pecado original”. Outro é o que fazer com a alavancagem do setor privado e na maneira como os riscos acabam parando nos balanços do governo. Penso nisso como tentar conduzir o capitalismo com o menor volume possível de capital de risco. Isso faz pouco sentido. Cria uma tarefa microeconômica – eliminar incentivos para o setor privado para se financiar demais via endividamento – e uma tarefa macroeconômica – reduzir a dependência das dívidas para gerar demanda agregada.

A grande questão agora é se os sistemas essenciais que mantêm nossas sociedades em funcionamento são resistentes. A resposta é não. Este é o tipo de pergunta que a Unidade de Novas Abordagens a Desafios Econômicos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) ousou fazer. Isso criou muita controvérsia. Mesmo assim é admirável que uma organização internacional se atreva a fazer isso. A crise nos mostrou porque.

Não podemos ser complacentes. Precisamos reavaliar a resistência de nossos sistemas econômico, social e de saúde. Um foco nas finanças deve ser uma parte importante desse esforço. (Tradução de Mario Zamarian).

"A grande questão agora é se os sistemas essenciais que mantêm nossas sociedades são resistentes. Precisamos reavaliar a resistência de nossos sistemas econômico, social e de saúde. Um foco nas finanças deve ser uma parte importante desse esforço"

Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT

Mundo em quarentena(BBC)


terça-feira, 28 de abril de 2020

Teresina em casa


A prova de Geopolítica

Rompimento entre Boeing e Embraer (Valor, 28 4 2020)


Rompimento entre Boeing e Embraer deve ir à Justiça


Chega ao fim o projeto de parceria comercial entre a Boeing e a Embraer. Anunciado em julho de 2018, o acordo para criação da Boeing Brasil Comercial, joint venture que teria participação de 80% da companhia americana e 20% da brasileira, era tido como um dos mais importantes já firmados no setor aéreo. No dia 25/4, 24 horas depois do prazo final para distrato, a Boeing anunciou que encerrou as negociações para comprar a divisão de aeronaves comerciais da Embraer, negócio estimado em US$ 4,2 bilhões.

A empresa americana atribuiu à Embraer a responsabilidade pelo fim do acordo. Em nota, o presidente da Boeing para a parceria com a Embraer, Marc Allen, afirmou que "a Boeing trabalhou diligentemente nos últimos dois anos para concluir a transação com a Embraer" e que há vários meses sua empresa tem "mantido negociações produtivas a respeito de condições do contrato, que não foram atendidas". Por isso, prosseguiu Allen, a Boeing "exerceu seu direito de rescindir o contrato após a Embraer não ter atendido as condições necessárias" para prosseguimento do negócio. Curiosamente, a Boeing não informou que condições comerciais não teriam sido cumpridas pela Embraer, causa alegada para o rompimento do contrato e, pois, informação de alta relevância.

Na verdade, dois fatores combinados contribuíram para um distrato que se afigura litigioso: o severo abalo nos negócios da Boeing provocado por acidentes fatais envolvendo sua principal aeronave, o 737 MAX, e a crise decorrente da pandemia de covid-19 que atingiu em cheio o setor aéreo.

O encerramento das negociações não chega a ser uma surpresa. Analistas de mercado há meses já alertavam para essa possibilidade. Um deles disse ao Estado que "a prioridade da Boeing deixou de ser o acordo com a Embraer e passou a ser a sua própria sobrevivência". Tanto os acidentes com os 737 MAX, que mataram 346 pessoas, como os efeitos da pandemia de covid-19 minaram a capacidade da Boeing de honrar o pagamento dos US$ 4,2 bilhões envolvidos na transação.

O presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, disse estar "surpreso e desapontado" com a decisão da Boeing. Neto fez questão de assegurar que a empresa tem "liquidez suficiente e acesso a fontes de financiamento para alavancar a continuidade de seus negócios". Mas não estão descartadas a abertura de um processo judicial contra a Boeing, a busca de auxílio financeiro do Tesouro ou a procura por novos parceiros para a divisão de aeronaves comerciais.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Atuação ANEEL


Novas aplicações de Drones


Humor judaico


Patentes no mundo


Homenagem da FIFA


Otimismo para 2021(Luiz Carlos Mendonça de Barros, Valor, 27 4 2020)

Luiz Carlos Mendonça de Barros - Olhando com otimismo para 2021


Segunda-feira, 27 de Abril de 2020 - 00:18
Estamos entrando em uma segunda fase da crise mundial provocada pela covid-19, com os efeitos da quarentena social chegando de forma agressiva às economias nacionais. O primeiro impacto, provocado pelo pânico que atingiu investidores e instituições financeiras no mundo todo, está controlado pela ação conjunta dos bancos centrais. A lição de 2008 foi aprendida e desta vez o protocolo definido após 2008 não foi só rapidamente aplicado, como expandido por outras medidas ainda mais heterodoxas.

Para o enfrentamento desta segunda fase as lições do passado não foram suficientes pela natureza diferente do choque negativo que atingiu simultaneamente a operação de empresas e a renda dos salários de trabalhadores e arrecadação de impostos dos governos. Felizmente a leitura deste choque feito por economistas e governos nacionais foi rápida e correta ao identificar o verdadeiro apagão de renda que iria ocorrer nas economias de mercado pelo tempo em que o afastamento social durasse. Em pouco tempo construía-se um protocolo de natureza keynesiana para enfrentar a recessão que se seguiria.

As aprovações das medidas deste protocolo estão ainda em andamento na maioria das democracias, mas será uma questão de tempo para que seja mitigado o impacto deflacionário que vamos sofrer nos próximos meses evitando uma verdadeira depressão econômica. Os primeiros dados já conhecidos na Europa e Estados Unidos não deixam dúvidas sobre a intensidade da queda da atividade que vamos viver pelo menos até o terceiro trimestre deste ano. Queda de mais de 6% do PIB, em muitas das maiores democracias, não parece ser previsão muito pessimista.

Mesmo com uma visão otimista quanto ao controle da covid-19 — o que ocorreu na China e já está sendo visto nas maiores economias nos permite assim proceder — apenas na virada do ano é que teremos sinais mais claros de uma retomada da atividade econômica de caráter mundial. Mas ela vai ocorrer em cenário com um grande hiato do produto e com um quadro deflacionário preocupante. A China será uma exceção pelo sucesso obtido no controle da doença, e pela rapidez com que a atividade econômica está se normalizando. O FMI prevê um crescimento de 1,5% em 2020 seguido de uma expansão de 9% em 2021 em função de um programa de estímulos fiscais e monetários -— que certamente virá — como ocorreu em 2010.

Nos Estados Unidos, outro pilar da economia mundial, também chegaremos ao quarto trimestre deste ano com uma economia em recessão, mas com um hiato elevado do produto e um mercado de trabalho com bastante folga também. Mesmo com as incertezas de um novo presidente, podemos afirmar que haverá no Congresso um segundo grande esforço de estímulos fiscais para colocar a economia em uma rota mais clara de recuperação e uma redução do desemprego. Se estiver certo, teremos na virada do ano e durante 2021 as duas maiores economias do mundo lado a lado com uma volta do crescimento econômico.

Mesmo a Europa — sempre atrasada pela heterogeneidade política de seus membros—está para finalizar a implantação de uma ajuda fiscal via o chamado “multiannual financial framework (MFF)” com mais de US$ 1 trilhão de recursos como afirmou recentemente Úrsula von der Leyen, presidente atual da Comissão Europeia. Estes recursos vão certamente acelerar a recuperação econômica dos países em maior dificuldade como Espanha, Itália, Grécia e do Leste europeu. Desta forma as três maiores economias do mundo devem—ao longo do quarto trimestre — entrar em um ciclo de crescimento positivo garantindo para o mundo emergente uma condição de — embora mais lentamente—sair da armadilha da recessão ao qual estão hoje destinados.

Neste cenário de crescimento com políticas monetárias extremamente expansionistas — e, portanto, com juros reais muito baixos — lentamente parte dos capitais internacionais que fugiram para os EUA ao longo dos últimos meses voltarão a se posicionar, como sempre aconteceu no passado, no mundo emergente. Neste cenário o Brasil deve receber um empuxo externo via as exportações de commodities e a volta do investimento estrangeiro principalmente no setor de infraestrutura, viabilizando novamente o ambicioso processo de privatizações atualmente em stand by no governo Bolsonaro. Os dados da conta corrente e da entrada de investimento estrangeiro de março último já mostram o início deste processo.

Sei que serei chamado de otimista com este meu modelo para a evolução da economia mundial e brasileira em 2021, mas apenas repliquei nesta coluna o que acompanhei no passado quando acontece um alinhamento de dimensão mundial do início de um ciclo econômico de crescimento. Mercado de trabalho sem tensões, preços das principais commodities também em seu ciclo de baixa — o que garante um mundo sem inflação — combinados com uma imensa liquidez ao nível mundial serão incentivos suficientes para que os traumas e efeitos colaterais sofridos por empresas e consumidores sejam substituídos por expectativas mais favoráveis.

Ficará apenas — para ser tratado mais a frente com a volta do crescimento econômico — um aumento generalizado do endividamento dos governos centrais, a começar pelos Estados Unidos. Neste sentido serão os países emergentes como o Brasil que vão precisar de um programa do estilo defendido por Keynes em 1940 em seu extraordinário texto chamado “ How to pay for the War”.

"As três maiores economias entrarão em ciclo de crescimento, e garantindo a emergentes a saída da recessão"

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

Escreve mensalmente às segundas

Controle da Pandemia na China


domingo, 26 de abril de 2020

Dr Antonio Condino Neto da USP.

Vale a pena ouvir o pesquisador, professor Dr Antonio Condino Neto da USP.


O vírus chinês(Hélio Schwartsman, FSP, 26 4 2020)

Hélio Schwartsman

As doenças mudam, mas o ser humano continua o mesmo. Duas de nossas obsessões são equiparar nossos inimigos a agentes infecciosos e batizar agentes infecciosos com o nome de nossos inimigos. Não surpreende, portanto, que representantes da direita nacionalista se apressem em culpar a China pela Covid-19. Numa só tacada, acham o seu bode expiatório, que ainda calha de ser comunista.

A história da sífilis se encaixa nessa tendência de forma tão conspicuamente bem documentada que adquire uma dimensão até cômica. Infectologistas ainda debatem a real origem dessa doença, que adquiriu características epidêmicas na Europa no século 16. Mas não há dúvida de que ela era uma arma de propaganda perfeita contra inimigo ou desafetos.

Os franceses rapidamente a batizaram de "mal de Nápoles", enquanto os italianos a chamaram de "mal francês" ou, no bom latim corrente à época, "morbusgallicus". Cada nação que era afetada pela moléstia a denominava com o objetivo de responsabilizar o outro. "Mal germânico", "mal polonês", "mal espanhol" e "mal cristão" foram alguns dos nomes que o treponema recebeu.

O termo "sífilis", que soa quase poético, foi cunhado justamente num poema, escrito em 1530 por Girolamo Fracastoro, sobre a história do jovem pastor Syphilus, que recebeu uma doença horrível - a sífilis - como punição por ter insultado Apolo. Fracastoro é um daqueles gênios do Renascimento, que antecipou a teoria do contágio por partículas infecciosas e criou o termo "fômites", usado até hoje em infectologia. Mas Fracastoro também era italiano e, por isso, intitulou seu poema "Syphilis sive morbus gallicus", que se lê "Sífilis ou o mal francês".

Obviamente, essa guerra de palavras nada fez para conter a epidemia, que só foi parcialmente controlada quando a ciência desenvolveu medicamentos eficazes. Entre seus impulsos atávicos e a ciência, fique com a ciência

sábado, 25 de abril de 2020

Informe-se do contágio


Peixe Arquiteto


Animais reclamam o que é seu


Charles Aznavour


5 minutos de arte


Vídeo: a sabedoria de Belchior


@MPB @filosofia

Vídeo: Buda e o tempo


@filosofia

Trump, the liar


Impeachment não é problema, mas solução(Estado, 25 4 2020)


Sábado, 25 de Abril de 2020 - 04:02

O Estado de S. Paulo  / Economia


Se avançar, a discussão do impeachment do presidente Jair Bolsonaro, atualmente, seria melhor para o mercado e para as perspectivas da economia do que a manutenção do atual dinâmica de Brasília, com o presidente criando uma nova crise por semana em meio ao avanço da pandemia do coronavírus. Essa é a opinião do economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central (BC).

"O impedimento de Bolsonaro não seria um problema, mas uma solução", afirma. Para o economista, a saída do ex-juiz da Lava Jato pode enfraquecer o apoio político ao governo, já que boa parte dos simpatizantes de Bolsonaro tinha referência na figura de Moro. "A gente já viu esse filme no passado. O presidente perde governabilidade e vira um zumbi. Mas quando o impeachment avança, o mercado já coloca isso no preço dos ativos e tudo melhora, melhoram a perspectiva da economia, as pessoas ficam mais calmas".

Para Schwartsman, Bolsonaro está criando todas as condições para o fim do governo antes de 2022. "No meio de uma pandemia que está causando essa crise toda que estamos vendo, o presidente vai lá e arruma uma confusão monumental com o ministro mais popular que ele tem. Eu não consigo enxergar racionalidade nisso", destaca.

Na Itália, a lição da resistência(Globo, 25 4 2020)



PAÍS SE INSPIRA EM DATA ANTIFASCISTA CONTRA A PANDEMIA
Sábado, 25 de Abril de 2020 - 03:47

O Globo  / Especial Coronavírus

LUCAS FERRAZ

A extensão do cataclisma provocado pelo coranavírus na Itália ainda não é possível de ser mensurada, mas os números preliminares mostram um cenário comparável ao de um pós-guerra. O pais, um dos mais atingidos pela Covid-19, comemora hoje os 75 anos de libertação do nazifascismo olhando o exemplo do passado para tentar projetar o futuro.

O 25 de abril é a data de nascimento da democracia italiana após mais de duas décadas da ditadura fascista de Benito Mussolini, que mergulhou a Itália na Segunda Guerra. Aquele dia, em 1945, marcou a vitória da Resistência e o fim da ocupação nazista da Itália - o conflito terminaria meses depois com a rendição do Japão. Lembrada sempre com polêmica entre direita e esquerda - e muitas vezes dentro da própria esquerda, por causa de brigas entre diferentes grupos e partidos sobre quem foi mais antifascista - a comemoração neste ano, com o país sob quarentena desde 10 de março, será a primeira feita virtualmente.

'BELLACIAO EM LIVE

Um grupo de artistas, intelectuais e instituições da sociedade civil organiza uma live no Facebook - está previsto, entre outras coisas, o canto de "Bella Ciao", hino antifascismo - e ainda criou uma campanha para arrecadar ? 300 mil. O dinheiro será destinado à Caritas e à Cruz Vermelha, empenhadas na luta contra o coronavírus e seus efeitos sociais.

Desde a eclosão da pandemia, em março, muitos na Itália fazem analogias entre o sentimento atual e aquele de 75 anos atrás protagonizado pela Resistência italiana, sobretudo pela necessidade de unidade nacional. As comparações foram feitas por membros do governo e também pelo presidente da República, Sérgio Mattarella, que lembrou recentemente que o espírito daquela época deve influenciar a atual geração no pós-pandemia.

Na última semana, o comissário extraordinário para a Gestão do Coronavírus, Domenico Arcuri, comparou os mortos da Covid-19 com as vítimas da guerra: entre 1940 e 1945, morreram nos bombardeios em Milão cerca de dois mil civis. Em dois meses, na região da Lombardia (a mais atingida, cuja capital é Milão), faleceram quase 13 mil civis.

A História não se repete, a História se repete. A História é previsível, a História é imprevisível. Qualquer um pode dizer o que quiser, mas não me parece correto fazer uma analogia entre uma guerra e uma pandemia. Durante aguerra, não existia uma União Européia e a Itália era um país ocupado. A tragédia atual é de outra natureza - afirmou ao GLOBO Emilio Gentile, o principal historiador italiano sobre o período fascista.

Ele ressalta que este será um 25 de abril - data marcada por atos em diversas cidades - de "reclusão nacional": - Hoje muitos arriscam a vida na luta contra a pandemia, assim como na guerra muitos se arriscaram para restituir ao país a liberdade e a democracia.

Após conter o aumento do número de mortes (quase 26 mil) e desafogar o sistema de saúde, em especial da região Norte, a Itália começa a contar as perdas de quase dois meses de estagnação e a preparar a reabertura. O premier Giuseppe Conte deve anunciar até amanhã um cronograma da retomada, prevista para o dia 4 de maio. A abertura será gradual ao longo do próximo mês.

O país foi pioneiro ao decretar o confinamento de toda a população e deverá ser o mais afetado economicamente na Europa. Segundo projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), a redução do PIB italiano no primeiro semestre deste ano deve chegar a 15%, nível de economia de guerra, a queda mais acentuada entre os países ricos.

Terceira economia da União Européia, a Itália terá pela frente o seu maior desafio desde a Segunda Guerra: um a cada dois trabalhadores (um total de 23 milhões) solicitou ajuda a um dos programas lançados pelo governo para socorrer a população na pandemia. Estima-se que a pobreza seja uma ameaça real a 10 milhões dos 60 milhões de italianos, em especial no Sul, mais atrasado e onde os efeitos do confinamento já são sentidos desde meados do último mês. Muitos na região passaram a viver de doações. Um vídeo gravado em Bari, de um casal desesperado que gritava na rua por não ter dinheiro para comer, viralizou.

RISCO DE FORTALECER A MÁFIA

Outro aspecto discutido nos últimos dias é que a crise provocada pelo coronavírus fortalecerá as máfias se o governo não apertar os sistemas de controle, fenômeno registrado em emergências no passado, como nos terremotos que atingiram o centro do país na última década. Procuradores antimáfia alertaram que o cenário é propício ao crime organizado: com a falta de liquidez, o desemprego e a quebra de muitos pequenos e médios negócios, a máfia encontra uma boa oportunidade para expandir sua atuação na economia formal (para lavar dinheiro) e recrutar novos quadros através do socorro financeiro.

Descrente das analogias históricas, o historiador Emilio Gentile não é otimista. Acha pouco provável que os políticos italianos aprendam algo com a crise, mas tem expectativas diferentes em relação ao povo: - Espero realmente que os italianos consigam tirar algum aprendizado do sacrifício feito por tantos médicos, profissionais de enfermagem e por tanta gente que morreu na solidão. Tomara que a tragédia gere uma duradoura solidariedade coletiva.