domingo, 27 de dezembro de 2020

O resgate da humildade(Época, 25 12 2020)

 DOS EDITORES - O RESGATE DA HUMILDADE

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020 

 

Revista Época  / Dos Editores

Cenário Político-Econômico: Colunistas

Da Redação


Das transformações que presenciamos ao longo dos últimos anos trazidas pela tecnologia, é inegável que a maioria nos beneficia como indivíduos e como grupo. Dos avanços da medicina à maior eficácia dos transportes, da educação à distância ao amplo e facilitado acesso à informação, das conexões viabilizadas pelas redes sociais à praticidade das compras on-line, que nos fazem ganhar tempo. Teria o homem encontrado tão rapidamente uma vacina eficaz para uma doença tão mortífera como a Covid-19 sem servir-se dos aparatos tecnológicos que criou? Dificilmente.


Ainda assim, como é possível que, diante da genialidade humana ao lidar com a inovação, consigamos a façanha de usar esse patrimônio tecnológico contra nós mesmos? O acesso quase irrestrito à informação, viabilizado pela internet, aflorou em muitos de nós um sentimento de autossuficiência que não encontra respaldo na realidade. Valendo-se de informações nem sempre verdadeiras ou manipuladas nas redes, grupos de pessoas vêm contestando a ciência, a medicina, a política, a Justiça, a imprensa e outras áreas de expertise, como se fossem senhores da razão e da verdade. O ápice desse estado de coisas é aquilo a que assistimos hoje: grupos sem qualquer conhecimento técnico ou formação adequada, incluindo um chefe de Estado, lançam mão de informação disponível na internet para questionar o uso de vacinas desenvolvidas pelos maiores laboratórios do mundo com o objetivo de impedir a propagação do vírus mais mortal de que se tem notícia nos últimos 100 anos.



O cientista político Tom Nichols, que fez carreira acadêmica em Harvard e nas escolas militares americanas, vem tratando desse fenômeno há alguns anos. Ele destrincha, em dois livros publicados em 2016 e 2021, The death of expertise (A morte da expertise) e Our own worst enemy (Nosso próprio pior inimigo), ainda não lançados no Brasil, como o narcisismo move as pessoas a negarem o conhecimento estabelecido. Nichols argumenta que a internet acaba criando uma falsa ilusão de igualdade — pelo fato de termos acesso às informações contidas ali, seríamos todos igualmente capazes de processá-las, não importando a formação de cada um. Essa onipotência é um bálsamo para egos frágeis. Acrescida de ressentimentos sociais e econômicos, acaba resultando no que vemos hoje: democracias ameaçadas por seus próprios cidadãos, que, insatisfeitos com a política, procuram soluções mágicas, rápidas e individualistas para suas angústias.


O narcisismo acrescido do imediatismo é, segundo Nichols, a chave do problema. Inspirados pela rapidez das redes em prover respostas a qualquer pergunta, muitos acreditam que há sempre uma solução simples e de fácil compreensão para tudo. E ainda concluem que, se algo é muito técnico ou difícil de entender, possivelmente está errado. Em sua tese, Nichols não quer livrar as elites do conhecimento de sua responsabilidade de prestar contas sobre erros e acertos. Mas joga luz sobre o que o desrespeito à expertise pode causar.


Infelizmente, a solução para o problema não está somente na criação de leis que responsabilizem cada um pelo mau uso da informação na internet. Está, sobretudo, na capacidade do ser humano de reconhecer que nem tudo sabe, que não entende de todos os assuntos e que, em determinados casos, não será capaz de aprender. Ou seja, a boa e velha dose de humildade.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

É a conexão 5G. Veja o que está em jogo(Celso Ming, Estado, 25 12 2020)

CELSO MING - É a conexão 5G. Veja o que está em jogo


sexta-feira, 25 de dezembro de 2020


 

O Estado de S. Paulo  / Economia


Mesmo cercada de polêmica, vem aí a conexão 5G. Esse não é um assunto para nerds, como parece. Então, convém entender melhor do que se trata.


Essa nova tecnologia promete produzir importantes melhoras na qualidade da conexão de internet, que vão acelerar o processo de digitalização da sociedade. Os trâmites para adoção do sistema no Brasil seguem a passos de tartaruga, mas alguns avanços aconteceram há duas semanas.


Um deles é de natureza técnica. Foi a decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que reservou a faixa de 6 giga-hertz (GHz) para o uso exclusivo de conexões Wi-Fi. Essa faixa vai funcionar como auxiliar e contribuir para que os celulares dos consumidores disponham da mesma velocidade obtida pelas operadoras de telefonia com a internet de banda larga, aquela contratada em casa. Hoje, as redes Wi-Fi podem manter conexões nas frequências de 2,4 e 5 GHz, que se encontram sobrecarregadas e tendem a prejudicar a qualidade de cobertura e de sinal pretendida com a nova geração de conexão móvel.


O 5G promete importantes vantagens para o consumidor: uma velocidade de conexão dez vezes maior do que a do 4G; continuidade de sinal e mais acesso, com diminuição das áreas de sombra (locais onde as redes apresentam ausência do sinal, como elevadores, túneis e áreas de difícil acesso); e diminuição do tempo de resposta da conexão (latência) entre um dispositivo e a rede.


A tecnologia já está em operação comercial em mais de 40 países, entre os quais Coreia do Sul, Estados Unidos, China, Uruguai e África do Sul.


Por causa de suas características, espera-se que o 5G traga benefícios que favoreçam a economia digital e permitam avanços tecnológicos que intensifiquem a criação de cidades inteligentes por meio de soluções de IoT (Internet das Coisas, na sigla em inglês) e circulação de veículos autônomos. Para ter acesso aos avanços pretendidos pela nova geração de rede móvel, o Brasil ainda precisa fazer investimentos em infraestrutura e realizar o leilão das frequências que serão utilizadas no 5G - evento previsto para o fim do primeiro semestre de 2021.


São iniciativas que ficarão majoritariamente a cargo de capitais privados. Esses investimentos não terão capital de recuperação. Ou seja, as empresas do setor não poderão revender os equipamentos antigos para ajudar a cobrir os custos da substituição. E a incorporação do sistema no Brasil dependerá da demanda ou da oferta de serviços mais baratos, aponta Maurício Pimentel, professor e gerente de inovação da Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo (Prodam).


Pimentel adverte que o poder público deve ter uma visão estratégica do desenvolvimento do 5G no Brasil e se aliar à iniciativa privada de maneira a não restringir o acesso apenas aos centros urbanos, como acontece hoje com a conexão 4G. Nesse sentido, os avanços na economia digital a se tem obtidos na agricultura poderão ajudar nesse processo de interiorização.


O outro tema vem sendo mais comentado na imprensa. Trata-se de superar a disputa geopolítica com os Estados Unidos no fornecimento de equipamentos pela China. O presidente Bolsonaro tem feito de tudo para fazer o jogo dos Estados Unidos e barrar o acesso do mercado brasileiro aos equipamentos da chinesa Huawei. O presidente Trump quer banir a Huawei sob alegação de que seus equipamentos embutem instrumentos de espionagem. A propósito, nada garante que equipamentos de outra procedência sejam isentos desse problema.


O Congresso Nacional criou recentemente grupos de trabalho para acompanhar as decisões do governo sobre o tema. O objetivo é evitar que decisões arbitrárias dificultem a competitividade nas telecomunicações, uma vez que a Huawei é responsável por parte das atuais redes móveis de 4G e 3G no Brasil. E há a questão de custos: a infraestrutura chinesa tende a ser mais barata.


Arthur Barrionuevo, ex-conselheiro do Cade e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), não vê sentido em banir a chinesa Huawei no fornecimento de equipamentos de 5G para o Brasil: "Ainda não se provou nada contra a empresa e, apesar de a discussão sobre o controle de dados e espionagem ser fator relevante, todo mercado, e não só a Huawei, deveria ser submetido aos mesmos crivos nessa questão". / com PABLO SANTANA



terça-feira, 22 de dezembro de 2020

A entrega das empresas de internet para o Brasil(FSP, 22 12 2020)

A entrega das empresas de internet para o Brasil

Digitalização de restaurantes, mercados e parceiros abre portas para o futuro

terça-feira, 22 de dezembro de 2020 - 05:17


 

Folha de S. Paulo  / Tendência e Debates


Fabricio Bloisi


Pandemias, assim como guerras, geram horror, medo e incerteza. Provocam também mudanças sociais profundas e saltos tecnológicos. Se, por um lado, a onda de Covid-19 teve como efeito colateral empurrar as empresas tradicionais para a digitalização, por outro, para o iFood, que já nasceu digital, o efeito foi diferente. Deu-nos a oportunidade de usar tecnologia e a nova economia para contribuir para a sociedade e para o desenvolvimento do país.


Num momento em que o Brasil e o mundo discutiam se a estratégia era salvar vidas ou a economia, o iFood foi nas duas direções. Atendeu com comida e compras quem estava em isolamento e ajudou a manter vivos mais de 200 mil restaurantes, na imensa maioria pequenos e médios negócios. Também gerou renda para os cerca de 150 mil entregadores que são nossos parceiros Brasil afora.


Fundei minha primeira empresa de tecnologia há 20 anos, na pré-história da internet, produzindo mensagens SMS em uma pequena sala. Em 2014, quando investimos no iFood, éramos uma startup com 20 pessoas, e o negócio de delivery de comida era algo restrito à pizza do fim de semana.


Cerca de 85% dos restaurantes brasileiros são empresas familiares e, para a maioria, a ideia de fazer entregas via aplicativo parecia distante. Da noite para o dia, o delivery passou a ser sua única fonte de receita viável. Investimos cerca de R$ 200 milhões em capital próprio para que esses restaurantes se mantivessem vivos. Devolvemos parte da nossa receita a eles, zeramos a comissão de pedidos "para retirar" e, em parceria com o Itaú, diminuímos o prazo de repasse dos pedidos de 30 para 7 dias, injetando mais de R$ 5 bilhões em capital de giro no setor.


Além dos restaurantes, o iFood investiu, desde março, cerca de R$ 100 milhões em apoio aos nossos entregadores, e até hoje os que são dos grupos de risco estão em casa, recebendo. Doamos mais de quatro milhões de itens de proteção, como máscaras e frascos de álcool em gel.


Com a mudança de hábito, as pessoas passaram a lembrar do iFood em todas as horas do dia. O número de pedidos, naturalmente, cresceu muito. No dia da Black Friday de 2020 (27 de novembro), entregamos 2,5 milhões de pedidos e chegamos a quase 50 milhões de pedidos por mês. "Isso deve ter gerado um lucro astronômico", é o que sempre ouço. Na verdade, nosso prejuízo nos últimos dois anos supera R$ 1 bilhão.


A coragem de investir faz parte do negócio: nosso objetivo é de longo prazo, e nossa aposta no Brasil continua. Agora, com o Pix, vamos diminuir custos dos restaurantes e mercados, apostamos ainda num sistema de gestão sem taxas e na comunicação do restaurante com os seus clientes também sem custos, entre outras iniciativas.


Esse investimento volta na forma de satisfação de clientes e parceiros. Em dezembro, recebemos o mais importante prêmio de qualidade de atendimento, o Empresa Super Campeã do Reclame Aqui.


Temos orgulho também do nosso papel social. Doamos mais de 1.500 toneladas de alimentos, beneficiando 570 mil pessoas, e fomos reconhecidos pela ONU com a ONG Ação da Cidadania.


Neste cenário, as empresas de delivery que prestam bom serviço são uma mola propulsora de crescimento e geração de renda para os restaurantes e para toda sociedade. Hoje somos uma empresa com 3.000 pessoas, 1.000 delas trabalhando em tecnologia e inteligência artificial para melhorar nossa capacidade de prever que tipo de comida um cliente vai querer e como entregá-la rapidamente.


Há percalços, claro. E, com eles, aprendizados. Durante a pandemia, os holofotes da sociedade e da opinião pública foram jogados sobre empresas como o iFood â?"e esse tem sido um exercício de humildade para entendermos melhor nosso papel e nossos desafios.


A economia digital ainda gera muita angústia mundo afora e vivemos uma polarização como nunca antes, o que acaba resultando em narrativas distorcidas, algumas vezes motivadas por desconhecimento, outras por má-fé. Sabemos, porém, que quanto mais investirmos, maior será a percepção de que essas empresas cumprem o fundamental papel de fomentar o empreendedorismo e a tecnologia no Brasil.


A meta do iFood, antes, durante e depois da pandemia, será ajudar outros milhões de restaurantes, mercados e parceiros entregadores a se digitalizarem, abrindo as portas para o futuro e gerando riqueza para todo o ecossistema â?"e essa meta nós vamos entregar.


[...] Cerca de 85% dos restaurantes brasileiros são empresas familiares e, para a maioria, a ideia de fazer entregas via aplicativo parecia distante. Da noite para o dia, o delivery passou a ser sua única fonte de receita viável. (...) As empresas que prestam bom serviço são uma mola propulsora de crescimento e geração de renda

sábado, 19 de dezembro de 2020

Mortos da guerra da vacina(Fernando Reinach, Estado, 19 12 2020)

 FERNANDO REINACH - Mortos da guerra da vacina

COLUNISTAS

sábado, 19 de dezembro de 2020


 

O Estado de S. Paulo  / Metrópole


A ambição política transformou a vacinação numa guerra que mata pessoas e instituições. De um lado Bolsonaro com uma vacina de baixa eficácia (AstraZeneca/Oxford), ainda não aprovada, faz de tudo para boicotar o processo de vacinação, começando pela afirmação que não vai se vacinar. Do outro o governador de São Paulo, com uma vacina de eficácia desconhecida (Sinovac/Butantã), deseja se transformar no protagonista do esforço nacional para vacinar a população. Ambos têm o mesmo objetivo: a caneta presidencial em 2022. Salvar vidas se tornou um meio, não um fim. Essa luta resultou em duas grandes distorções, uma criada por cada candidato.


A primeira é a ideia de pedir às pessoas que serão vacinadas que assinem um termo de responsabilidade. Essa exigência é uma das maneiras mais eficientes de sabotar a vacinação. E a desculpa dada pelo governo federal é de que os fabricantes ainda não têm certeza absoluta de sua segurança e querem garantias do governo que não serão processadas. O que esquecem é que essa pequena incerteza é exatamente a razão pela qual até agora, no mundo todo, os fabricantes pediram somente a liberação emergencial, e não definitiva. Pedir a emergencial significa dizer: "Anvisa, eu admito que ainda não terminei os estudos e por isso não posso assumir total responsabilidade por essa vacina, mas dada a situação da pandemia acredito que os benefícios são muito maiores que os riscos e estou pedindo um registro de uso emergencial, você concorda?" Se a Anvisa, após analisar os dados, concorda, ela emite um registro. Esses registros emergenciais garantem que a vacinação possa ser monitorada nos primeiros meses, e o uso pode ser revogado, se necessário. É provável que algumas vacinas, como a da AstraZeneca, sequer consigam receber autorização emergencial das agências regulatórias mais rígidas. A Pfizer já obteve essa autorização em diversos países e tudo indica que assim será com a Moderna.


Solicitar essa assinatura da população demonstra que o governo federal não conhece o por quê da existência da Anvisa, do FDA e das outras agências regulatórias. Os órgãos regulatórios existem para avaliar o benefício de uma droga ou vacina, pesar esses benefícios contra os riscos e, com base na análise científica dos dados, garantir para a população que pode (ou deve) tomar a vacina. A diferença é que para o registro definitivo os estudos precisam estar absolutamente terminados.


Sem pandemia, e milhares de mortes todos os dias, nenhuma vacina receberia tão cedo uma autorização emergencial. Pedir a assinatura desse termo de consentimento equivale a abrir mão de uma das funções do Estado, que é garantir à população a segurança e a eficácia da vacina. É tornar a Anvisa irrelevante e se eximir de qualquer responsabilidade.


A segunda aberração veio de São Paulo. Sem ter divulgado a eficácia da Coronavac (que pode até ser muito eficaz), o governo de São Paulo decidiu, juntamente com a Sinovac, solicitar somente o registro definitivo de sua vacina (agora recuaram e aparentemente vão pedir os dois registros). E o motivo dessa estratégia, como divulgado, não foi a certeza de que todos os estudos de eficácia e segurança estivessem terminados. O motivo foi aproveitar a brecha numa lei editada às pressas no início da pandemia que exige que a Anvisa aprove em poucos dias pedidos de vacinas, remédios, respiradores e kits de teste, caso tenham sido aprovados nas agências tradicionais, como a de EUA, União Europeia, Japão e China.


A China foi incluída nessa lista não porque é uma agência regulatória tradicional, mas porque muitos dos insumos no início da pandemia eram oriundos desse país. Como a Sinovac é chinesa, o governo de São Paulo afirmou abertamente que iria aprovar a Sinovac na China, de modo a praticamente passar por cima da Anvisa.


Caso esse estratagema tenha sucesso, o Brasil será o único país a ter concedido um registro definitivo para uma vacina contra o coronavírus. Não só isso, mas a Coronavac será a única vacina no mundo com um registro definitivo. E a Anvisa a única agência no mundo louca o suficiente para conceder um registro definitivo em 72 horas após receber os dados.


Seria uma verdadeira vergonha para nosso incipiente sistema de vigilância sanitária. Essa estratégia de tentar driblar nosso sistema de vigilância é uma verdadeira vergonha e não se justifica nem que o governo Bolsonaro tenha preenchido alguns cargos na Anvisa com militares aliados contra as vacinas.


Essas duas aberrações mostram como uma guerra política não somente provoca a morte de pessoas, mas pode destruir os mecanismos que a sociedade vem criando faz décadas para garantir que possamos entrar numa farmácia, num posto de saúde ou num hospital e usarmos um medicamento ou uma vacina sabendo que um órgão técnico garante sua eficácia, qualidade e segurança. Em suma os dois lutadores nessa guerra imoral estão matando os mecanismos que garantem a segurança de parte da Medicina no Brasil.


"Estão matando mecanismos que garantem a segurança de parte da Medicina no Brasil "FERNANDO REINACH - 


sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Mudança de paradigma(Celso Ming, Estado, 18 12 20)

  Mudança de paradigma

COLUNISTAS

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020 


 

O Estado de S. Paulo  / Economia


CELSO MlNG


Nesta quinta-feira, a Mercedes-Benz anunciou o fechamento de sua fábrica em Iracemápolis, interior de São Paulo, inaugurada há apenas quatro anos. Razão principal: a empresa decidiu alterar sua estratégia de negócios e dedicar-se à produção de veículos movidos a motores elétricos.


Este é apenas um episódio que indica aceleração na mudança no paradigma energético do planeta.


Até há poucos anos, havia enorme resistência na adoção de novos padrões de energia no mundo em direção à produção e ao consumo de energia limpa e renovável. Os mais conservadores entendiam que se tratava de concorrência desleal destinada a alijar do mercado as indústrias que vinham operando de maneira convencional, o que também semeava desemprego nos principais centros produtivos. Esse foi o principal argumento pelo qual o Partido Republicano dos Estados Unidos trabalhou pela rejeição do Protocolo de Kyoto e foi, também, a razão pela qual o presidente Donald Trump abandonou o Acordo de Paris, que determina metas de redução da emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa.


Paradoxalmente, este também foi o argumento pelo qual as esquerdas e, de uma maneira mais geral, os governos dos países em desenvolvimento combateram acordos que tinham os mesmos objetivos. Essas cláusulas - com certa razão - impunham aos países pobres aumentos de custos de produção que os países ricos não tiveram no passado quando desenvolveram a sua própria indústria.


Hoje, a questão ambiental ganhou regime de urgência. Há mais consciência sobre os estragos produzidos pelo aquecimento global e sobre a necessidade de medidas drásticas para evitá-los. O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, promete acatar os termos do Acordo de Paris e anunciar incentivos a investimentos destinados a substituir os combustíveis fósseis.


A seguir, algumas metas já decretadas ou em estudo em alguns países: ? China: a partir de 2035, metade dos veículos novos será movida a "energia nova".


- Reino Unido: aumentam as pressões para que a proibição da venda de veículos movidos a combustíveis fósseis seja antecipada para 2030.


- Noruega: a meta é eliminar veículos novos a diesel e a gasolina até 2025. Em outubro deste ano, mais de 60% dos carros novos eram elétricos.


- União Europeia: Alemanha e França definiram 2040 como prazo final para venda de veículos novos a gasolina e diesel. Bélgica, Irlanda e Países Baixos fixaram como prazo 2030.


- Japão: estuda a proibição a partir de 2030. O primeiro-ministro Yoshihide Suga promete que até 2050 as emissões de CO serão reduzidas a zero.


- Califórnia: o governador Gavin Newsom anunciou em setembro que, até 2035, será proibida a venda de carros novos a combustíveis fósseis.


- C40: autoridades de 38 cidades que compõem o Grupo C40 se comprometeram a banir até 2025 as emissões de gás carbônico no setor de transportes urbanos (ônibus e vans).


Aviso para o Brasil: as coisas estão acontecendo. Omissões ou simplesmente deixar que o mundo gire e a Lusitana rode podem custar perdas irreversíveis de mercado e empregos.


COMENTARISTA DE ECONOMIA


» Bitcoin, valorização recorde O bitcoin já teve neste ano uma valorização de mais de 200% e não para de subir. Ultrapassou nesta semana a cotação de US$ 23 mil por unidade. Criptomoeda criada em 2008, cujas emissões se baseiam no pagamento de megasserviços prestados por computador ("mineração"), continua sendo considerada confiável. No início foi procurada por quem queria fugir dos bancos na intermediação de negócios. Hoje, também se tornou refúgio para quem quer escapar dos impostos ou vive de lavar dinheiro.


quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

A quem interessa o desmonte da política de saúde mental?(FSP, 17 12 2929)

 A quem interessa o desmonte da política de saúde mental?


quinta-feira, 17 de dezembro de 2020 


 

Folha de S. Paulo  / Opinião

Cenário Político-Econômico: Colunistas

Bruno Ferrari Emerich, Daniela Arbex e Silvio Yasai


Há poucas décadas, a única possibilidade de cuidado para alguém que sofresse de algum problema mental era ser compulsoriamente isolado e segregado da sociedade em um hospital psiquiátrico, onde o então paciente era submetido a tratamento no qual sua palavra e seu desejo eram desconsiderados.


A partir dos anos 1960 esse cenário foi se transformando. Muitos países optaram por reduzir de maneira drástica as internações em hospitais psiquiátricos, pois elas se revelaram pouco eficientes. Com a mudança de olhar passou-se a investir recursos em serviços comunitários de saúde mental mais próximos dos lugares onde os indivíduos habitam, onde a vida acontece e onde se dá o processo saúde-doença.


Além disso, ganhou destaque a percepção sobre a importância dos fatores sociais, econômicos e culturais que levam os sujeitos a apresentarem algum tipo de sofrimento psíquico e que devem ser levados em consideração ao se efetivar tuna proposta de tratamento e uma política de saúde mental.


Nesse contexto, diversos movimentos de combate a estigmas e preconceitos começaram a ganhar expressão internacional. Dentre eles, o movimento dos pacientes psiquiátricos que denunciavam e ainda denunciam a violação de seus direitos e a violência dos tratamentos aos quais foram (e ainda são) submetidos.


No Brasil, desde a década de 1970, tais denúncias também vieram à tona, escancarando a ineficiência do modelo de atenção até então vigente e a necessidade de construção de um sistema de saúde (incluindo a saúde mental) ancorado na seguridade social, no acesso universal e no dever do Estado em provê-la e sustentá-la, como um direito do cidadão.


Assim, no lugar de uma oferta compulsória e exclusiva de internação, criou-se tuna ampla, complexa e diversificada rede de serviços de saúde mental, como Centros de Atenção Psicossocial (Caps), residências terapêuticas, centros de convivência, Consultório na Rua e Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasfs), dentre outros.


Nesse modelo, valoriza-se o cuidado em liberdade no lugar onde o indivíduo habita, apostando no aumento da potência da vida do sujeito na construção de formas de lidar com seu sofrimento.


Esse processo está ancorado no contexto das transformações que a sociedade brasileira passou nos últimos 30 anos, especialmente a partir da promulgação da Constituição de 1988 e da construção do SUS, que estabeleceram um novo pacto social civilizatório.


Mas o risco de retrocesso tem sido permanente diante das ameaças do amai governo federal de retomar estratégias retrógradas que caminham na contramão das melhores práticas internacionais e nacionais. Recentemente, assistimos à intenção de revogar portarias que sustentam o financiamento e o funcionamento da Rede de Atenção Psicossocial (Raps). No contexto em que as atenções se voltam para a Covid-19 e o ano se aproxima do fim, aproveitam para continuar "passando aboiada".


Desmontar a Raps irá fragilizar a promoção, a prevenção, o tratamento e a reabilitação em saúde mental. Alimentará o aumento da iniquidade e da desassistência, dos casos mais leves aos mais graves. Além disso, o modo como está sendo tramada essa revogação é tuna clara tentativa de negação da participação social na implementação dos sistemas de proteção, cerne da reforma sanitária e da reforma psiquiátrica.


A quem interessa o desmonte sistemático da política de saúde mental? Aos grupos de poder econômico e político que, historicamente, foram os únicos beneficiados pela barbárie do antigo modelo.


Por outro lado, somos vários, milhares de trabalhadores, gestores, usuários e familiares que criamos ações e cuidados, com participação social, com critérios e evidências científicas.


Seguimos resistindo aos desmontes e construindo caminhos. Assim tem sido e assim faremos, enquanto necessário for. Entre a barbárie e a civilização, não há dúvidas sobre quem está a escolher um caminho ou o outro.


Desmontar a Rede de Atenção Psicossocial irá fragilizar a promoção, a prevenção, o tratamento e a reabilitação em saúde mental. Alimentará o aumento da iniquidade e da desassistência, dos casos mais leves aos mais graves. (...) É uma clara tentativa de negação da participação social na implementação dos sistemas de proteção