domingo, 27 de dezembro de 2020

O resgate da humildade(Época, 25 12 2020)

 DOS EDITORES - O RESGATE DA HUMILDADE

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020 

 

Revista Época  / Dos Editores

Cenário Político-Econômico: Colunistas

Da Redação


Das transformações que presenciamos ao longo dos últimos anos trazidas pela tecnologia, é inegável que a maioria nos beneficia como indivíduos e como grupo. Dos avanços da medicina à maior eficácia dos transportes, da educação à distância ao amplo e facilitado acesso à informação, das conexões viabilizadas pelas redes sociais à praticidade das compras on-line, que nos fazem ganhar tempo. Teria o homem encontrado tão rapidamente uma vacina eficaz para uma doença tão mortífera como a Covid-19 sem servir-se dos aparatos tecnológicos que criou? Dificilmente.


Ainda assim, como é possível que, diante da genialidade humana ao lidar com a inovação, consigamos a façanha de usar esse patrimônio tecnológico contra nós mesmos? O acesso quase irrestrito à informação, viabilizado pela internet, aflorou em muitos de nós um sentimento de autossuficiência que não encontra respaldo na realidade. Valendo-se de informações nem sempre verdadeiras ou manipuladas nas redes, grupos de pessoas vêm contestando a ciência, a medicina, a política, a Justiça, a imprensa e outras áreas de expertise, como se fossem senhores da razão e da verdade. O ápice desse estado de coisas é aquilo a que assistimos hoje: grupos sem qualquer conhecimento técnico ou formação adequada, incluindo um chefe de Estado, lançam mão de informação disponível na internet para questionar o uso de vacinas desenvolvidas pelos maiores laboratórios do mundo com o objetivo de impedir a propagação do vírus mais mortal de que se tem notícia nos últimos 100 anos.



O cientista político Tom Nichols, que fez carreira acadêmica em Harvard e nas escolas militares americanas, vem tratando desse fenômeno há alguns anos. Ele destrincha, em dois livros publicados em 2016 e 2021, The death of expertise (A morte da expertise) e Our own worst enemy (Nosso próprio pior inimigo), ainda não lançados no Brasil, como o narcisismo move as pessoas a negarem o conhecimento estabelecido. Nichols argumenta que a internet acaba criando uma falsa ilusão de igualdade — pelo fato de termos acesso às informações contidas ali, seríamos todos igualmente capazes de processá-las, não importando a formação de cada um. Essa onipotência é um bálsamo para egos frágeis. Acrescida de ressentimentos sociais e econômicos, acaba resultando no que vemos hoje: democracias ameaçadas por seus próprios cidadãos, que, insatisfeitos com a política, procuram soluções mágicas, rápidas e individualistas para suas angústias.


O narcisismo acrescido do imediatismo é, segundo Nichols, a chave do problema. Inspirados pela rapidez das redes em prover respostas a qualquer pergunta, muitos acreditam que há sempre uma solução simples e de fácil compreensão para tudo. E ainda concluem que, se algo é muito técnico ou difícil de entender, possivelmente está errado. Em sua tese, Nichols não quer livrar as elites do conhecimento de sua responsabilidade de prestar contas sobre erros e acertos. Mas joga luz sobre o que o desrespeito à expertise pode causar.


Infelizmente, a solução para o problema não está somente na criação de leis que responsabilizem cada um pelo mau uso da informação na internet. Está, sobretudo, na capacidade do ser humano de reconhecer que nem tudo sabe, que não entende de todos os assuntos e que, em determinados casos, não será capaz de aprender. Ou seja, a boa e velha dose de humildade.

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