terça-feira, 29 de setembro de 2020

Bily Jean


 

Economistas defendem aprofundar as reformas(Estado, 29 9 2020)

 

Economistas defendem aprofundar as reformas

Ibre/FGV debate dilema entre gastar mais por uma retomada ou fazer o ajuste fiscal

terça-feira, 29 de setembro de 2020 


  

O Estado de S. Paulo  / Economia

Vinicius Neder/Rio


Em meio ao debate sobre como acomodar no Orçamento novos gastos para mitigar os efeitos da recessão causada pela covid-19 e ajudar a impulsionar a retomada, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) defenderam o foco em reformas nas despesas, para melhorar a eficiência das políticas públicas. Apesar do efeito positivo das medidas no curto prazo, evitando um desempenho ainda pior da economia na pandemia, a preocupação com o desequilíbrio das contas públicas marcou o III Seminário de Análise Conjuntural do Ibre/FGV.


Organizado em parceria com o Estadão, o seminário, promovido a cada trimestre, teve sua segunda edição totalmente virtual - a edição do primeiro tri- mestre, em 9 de março, ainda foi presencial.


Diante da maior recessão da história, crescem as pressões de setores do governo, do Congresso e da sociedade pela manutenção de medidas adotadas temporariamente em meio à pandemia, como o auxílio emergencial de R$ 600 ao mês para trabalhadores informais, ou políticas que demandam gastos ou redução da arrecadação, como é o caso da atual desoneração da folha de salários.


Introduzida nos governos do PT, a atual desoneração, que troca tributos sobre a folha por taxação sobre o faturamento para algumas atividades, foi prorrogada pelo Congresso para 17 setores até 2021, mas o presidente Jair Bolsonaro vetou a medida.


Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre, considera a tentativa de abrir espaço no Orçamento para um programa de transferência de renda mais robusto, incluindo o Bolsa Família, "meritória", mas, em sua palestra, frisou a necessidade de o debate passar por uma racionalização do conjunto atual de políticas sociais, tidas como pouco eficientes.


Inclusive, caso o governo não encontre uma solução, há preocupações com relação ao impacto da retirada total dos auxílios no início de 2021, já que os dados do Produto Interno Bruto (PIB) mostram que as transferências ajudaram o consumo, evitando uma retração ainda maior na economia no segundo trimestre deste ano.


No lado da redução dos impostos sobre a folha de salários como forma de impulsionar a economia, Silvia também criticou a opção defendida pelo Ministério da Economia. A equipe econômica recomendou o veto à prorrogação da atual desoneração sobre a folha para 17 setores, considerada ineficiente pelos técnicos, mas vem defendendo um corte linear, para todas as empresas, na tributação que recai sobre a mão de obra. Para abrir mão dessa arrecadação, propõe um novo imposto sobre transações financeiras, no contexto da reforma tributária.


Custos elevados. Para Silvia, a discussão sobre a redução do custo fiscal da mão de obra também é "meritória", mas a medida tem custos elevados. Além disso, a substituição da fonte de receitas por um imposto sobre transações preocupa porque, para ter impacto arrecadatório, a taxa do novo tributo teria de ser elevada, o que poderia levar a distorções e atrapalhar a atividade econômica. "Talvez fosse melhor discutir impostos sobre a renda (para compensar)."


Os debates do seminário virtual chamaram a atenção para a falta de coesão dentro do governo em torno do "dilema" entre manter novos gastos elevados para ajudar a roda da economia a girar e a necessidade de fazer reformas para acomodar as despesas no já deficitário Orçamento público.


Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, lembrou que, enquanto o Ministério da Economia propõe reformas, o presidente Bolsonaro "diz não" a várias delas, como no caso da proposta de emenda constitucional (PEC) que propõe desindexar, desvincular e desobrigar os gastos do Orçamento, que ficou conhecida como "DDD". A equipe econômica propôs "DDD", mas Bolsonaro respondeu com "NDNDND", disse Castelar.


O problema, na visão de Castelar e Silvia, é que a opção por manter gastos sem reformas poderá ter efeitos negativos no médio prazo, com aceleração da inflação e alta de juros. Isso já está no radar dos agentes econômicos, especialmente no mercado financeiro, lembrou José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV, para quem o risco fiscal associado à elevação de gastos públicos nas medidas para mitigar a crise "está em toda a parte" no Brasil.


Segundo o pesquisador e ex-diretor do Banco Central (BC), esse risco se manifesta nas cotações das ações na Bolsa, no câmbio, com a depreciação do real frente ao dólar, e nas cotações dos títulos da dívida pública, que apontam para alta de juros de longo prazo.


Esse risco "só não aparece com clareza na Selic", a taxa básica de juros, fixada pelo BC em 2% ao ano, menor nível da história, mas Senna teme que a solução política para o "dilema" crie uma exceção ao teto dos gastos públicos, aprovando um programa "extrateto". Isso poderia levar o risco fiscal a novos níveis, com mais altas no dólar e, aí sim, forçar aumentos nos juros básicos.


DDD


"Equipe econômica propôs 'DDD (desindexar, desvincular e desobrigar), mas Bolsonaro respondeu com 'NDNDND."


Armando Castelar


COORDENADOR DE ECONOMIA APLICADA DO IBRE/FGV



segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Safe travel to Bahia


 

A oportunidade do juro baixo(Luiz Carlos Trabuco Cappi, Estado, 28 9 2020)

 

A oportunidade do juro baixo

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O Estado de S. Paulo  / Economia

LUIZ CARLOS TRABUCO CAPPI

Um dos fatores da economia brasileira a que se deve prestar atenção é o da taxa básica de juros, a Selic, fixada pelo Banco Central. A taxa atual, de 2% ao ano, é a mais baixa já registrada em nossa história e, embora desejemos que ela permaneça nesse patamar, há indicações de que este ainda não é um ponto de chegada. Os dados da pesquisa Focus do Banco Central e da curva futura de juros do mercado, por exemplo, mostram outra tendência.


Os motivos para essa expectativa do mercado são a complexa conjuntura externa e as incertezas em relação aos rumos das contas públicas do País.


A política monetária se orienta pelo controle da inflação, é o mandato pelo qual se guia o Banco Central. A inflação no Brasil nos últimos 12 meses é de 2,44% e é considerada baixa. O problema é que o mercado costuma olhar para os riscos à frente quando toma suas decisões de investimento - e nos últimos meses de pandemia, com o crescimento do déficit fiscal e da dívida pública, começou a pedir mais prêmio para comprar papéis do governo.


Esse tipo de demanda termina por gerar nervosismo no mercado, o que impacta a estrutura de juros de longo prazo.


A redução dos juros foi trabalho do Banco Central, que soube avaliar com precisão as necessidades de uma economia que enfrentou períodos recessivos em sequência, desta vez causado pela pandemia.


Apesar de este ser um momento atípico, marcado por medo, sofrimento e desarranjo econômico, podemos observar os efeitos positivos que juros baixos podem gerar na economia, ainda que parcialmente. Milhões de empreendedores precisaram de crédito para manter seu negócio e se beneficiaram dele. O mercado de capitais, o crédito imobiliário e a construção civil são exemplos do impacto positivo na geração de investimentos e empregos.


Este período de juros básicos de 2% ao ano cria na sociedade brasileira uma sensação de que temos oportunidade e desafio históricos, que se combinam.


A oportunidade é conseguir uma situação de confiança de que a Selic poderá se manter assim como está por longo período, dando a previsibilidade tão necessária para que os agentes econômicos levem adiante seus projetos de investimento.


É fundamental manter a inflação dentro da meta. Há pressões pontuais dos alimentos, mas o mais importante será quando ultrapassarmos a recessão provocada pela covid-19. Seria recomendável reiterar as discussões sobre os caminhos para aumentar a produtividade da economia e acelerar as reformas estruturais. Isso requer uma agenda bastante ampla, de negociação política sofisticada, mas que vale o esforço por ser absolutamente necessária: só com novos fundamentos que mirem a eficiência da máquina pública e a estrutura tributária do País será possível voltar a crescer sem pressão inflacionária.


O desafio é a gestão fiscal austera, tão importante quanto o controle da inflação. Três dispositivos legais formam a âncora fiscal do País: a regra de ouro, o teto de gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em razão dos gastos com o auxílio emergencial, plenamente justificados, surgiram dúvidas sobre o prosseguimento da disciplina fiscal. Será preciso resgatar essa percepção de compromisso.


O tempo é curto, mas é importante sinalizar que continuamos no caminho nessa agenda de reformas.


O Brasil tem um longo histórico de inflação alta, juros altos, descontrole orçamentário e irresponsabilidade na administração dos gastos, que já cobrou um preço elevado da sociedade na forma de baixo crescimento econômico, desemprego, serviços públicos ruins e desigualdade social. Temos agora o dever de deixar essas distorções no passado.


Todos sabemos como será árduo o caminho que temos pela frente para manter o juro baixo. Nessa jornada, nada pode substituir a aprovação das reformas. Afinal, como disse o filósofo, há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a palavra proferida, a flecha desferida e a oportunidade perdida.


"Temos agora o dever de deixar as distorções na economia no passado"


PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO.



Robô a toda prova


 

sábado, 26 de setembro de 2020

Body Art


 

Berezka


 

Manaus e a imunidade(Fernando Reinach, Estado, 26 9 2020)

 FERNANDO REINACH - Manaus e a imunidade


sábado, 26 de setembro de 2020  

O Estado de S. Paulo  / Metrópole

Cenário Político-Econômico: Colunistas

Uma cidade atinge a imunidade de rebanho quando o número de pessoas que se tornou imune ao vírus (seja por terem sido infectadas ou por terem sido vacinadas) é grande o suficiente para que o vírus não consiga se espalhar. Agora um grupo de cientistas descobriu que 66% da população de Manaus já foi infectada pelo SARSCoV-2. Isso sugere que pelo menos nessa cidade a imunidade de rebanho foi atingida.


Se essa descoberta se confirmar, é provável que algumas outras capitais do Brasil, que também enfrentaram surtos muito fortes, possam ter atingido uma fração semelhante de pessoas infectadas. Além disso, outras cidades como São Paulo e Rio de Janeiro podem atingir esses níveis de infecção antes de a população ser vacinada.


Esse grupo de cientistas, liderados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), usaram um método simples para medir o número de infectados em Manaus. Em grande parte das grandes cidades existem hemocentros, instituições onde as pessoas doam sangue. O sangue dessas pessoas é coletado e distribuído para os hospitais. Para certificar que o sangue doado não contém vírus e outros patógenos, os hemocentros possuem laboratórios que testam cada amostra de sangue coletada. Nesse estudo os pesquisadores incluíram, na lista de testes que é executada em cada bolsa de sangue, o exame que detecta a presença de anticorpos que reagem contra o SARS-CoV-2. Dessa maneira os pesquisadores puderam medir a fração dos doadores que possuía anticorpos contra o vírus e, portanto, já havia sido infectada.


Foram testados, na primeira semana de cada mês (de fevereiro e agosto de 2020) por volta de 900 doadores. A fração de amostras positivas para os anticorpos contra o SARS-CoV-2 passou de 0,1% em fevereiro (1 positivo em 821 amostras) para 46,3% (421 positivos em 909 amostras) em junho. Nos dois meses seguintes essa porcentagem caiu, chegando a 27,5% em agosto. Esses são os dados brutos do estudo. Eles demonstram que ao menos 46% das pessoas que doaram sangue em Manaus já haviam sido infectadas em junho de 2020.


A partir desses números, os pesquisadores fizeram várias correções para compensar possíveis erros de medida. Como as pessoas que doam sangue não são uma amostra representativa da população de Manaus (crianças e idosos não podem doar sangue e poucas mulheres doam), os dados foram corrigidos para essas diferenças, o que não mudou muito os números.


Em seguida os dados foram corrigidos para levar em consideração o número de falsos positivos e negativos nos testes, o que levou a fração máxima de infectados para 51,8%. Finalmente os dados foram corrigidos para levar em consideração o número de pessoas em que os anticorpos desaparecem após dois ou três meses. Essa correção levou o número máximo de infectados para 66,1%. Ou seja, o conjunto de correções elevou o número de pessoas já infectadas do número bruto de 46,3% para 66,1%.


Como se acredita que a imunidade de rebanho para o SARS-CoV-2 seja conseguida com 60% de infectados, esse dado sugere que, na cidade de Manaus, a imunidade de rebanho foi atingida. Um estudo realizado no Maranhão já determinou que 40% da população do Estado havia sido infectada há aproximadamente um mês.


Esses dados, se forem confirmados, demonstram que a imunidade de rebanho, considerada algo distante alguns meses atrás, muito provavelmente vai ser atingida em muitas cidades no Brasil e no mundo antes da chegada da vacinação em massa. E isso vai ocorrer onde as medidas de combate à doença foram mal implementadas ou foram desrespeitadas. É o que costumo chamar imunidade de rebanho por incompetência (IRPI).


O interessante é que logo mais saberemos na prática se Manaus realmente atingiu a imunidade de rebanho. Se isso tiver acontecido, não haverá segunda onda por lá, ou a segunda onda será pequena. Veremos nos próximos meses. Mas o fato é que esta semana Manaus decidiu apertar novamente as medidas de distanciamento social.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Jacob do bandolim

 


Fim dos carros a gasolina(Celso Ming, Estado, 25 9 2020)

 


sexta-feira, 25 de setembro de 2020 


  

O Estado de S. Paulo  / Economia

CELSO MlNG


Nesta quarta-feira, o Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, aprovou decreto que impede a venda de carros novos a combustíveis fósseis a partir de 2035. O banimento não alcança nem os veículos a gás nem os que já vêm rodando.


O governador Gavin Newsom justificou a decisão com o argumento de que "os carros não podem mais produzir asma nas crianças, nem piorar os incêndios florestais, nem derreter os glaciares, nem aumentar o nível do mar".


A decisão da Califórnia acabará por ter impacto nos demais Estados, porque a indústria de veículos não poderá fabricar carros especialmente para a Califórnia. É efeito parecido com o que aconteceu com a proibição de aviões barulhentos demais. Como têm de utilizar todos os aeroportos do mundo, ficou inevitável adotar as mesmas restrições para todos os aviões.


Embora tenham importantes cidades litorâneas, como Nova York, Miami, Nova Orleans, Boston e San Francisco, os Estados Unidos não são um país que dedica especial fervor nem às metas do Acordo de Paris nem a outras políticas de proteção ao meio ambiente, especialmente às dedicadas à reversão do efeito estufa.


A decisão da Califórnia reforça a convicção de que não será pelo esgotamento das reservas de hidrocarbonetos que a era do petróleo chegará ao fim. Muito antes disso, serão decisões de política pública que apressarão não apenas o banimento dos motores a combustível fóssil, mas também a substituição da matriz energética global, hoje ainda altamente dependente da queima de óleo combustível, por fontes renováveis (especialmente de energia eólica e solar).


Alguns países da Europa criaram incentivos especiais para a substituição de carros a gasolina e diesel por carros elétricos ou híbridos ou, ainda, simplesmente impuseram uma data-limite para a venda de carros que continuem emitindo gás carbônico pelos seus escapamentos. Na Noruega e na Dinamarca, esse limite é 2025; na França, 2050. No Reino Unido, o governo do primeiro-ministro Boris Johnson está sendo pressionado para encurtar esse prazo de 2040 para 2030. Na Alemanha, mais de 30% dos carros novos já são elétricos.


No Brasil, não se vê nenhum sentido de urgência para adaptar a frota nacional de veículos aos novos padrões ambientais. E, em vez de aumentar os incentivos à produção e ao uso de energia eólica e solar, as pressões são por aumentar as restrições às fontes renováveis, sob o argumento de que é preciso remunerar as redes de distribuição, embora elas também tirem proveito dessa energia.


Quanto ao petróleo, os políticos e o governo do País se comportam como se o setor não enfrentasse ameaças de mercado dentro dos próximos 15 anos. Em vez de tirar o máximo proveito das atuais reservas de petróleo e gás, o jogo político é de impor obstáculos ao aumento da produção. No momento, o Supremo está para acatar argumentação das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado que pretendem a proibição de que refinarias da Petrobrás sejam convertidas em subsidiárias, para que assim possam ser imediatamente revendidas, com o que reforçariam o caixa da empresa e aumentariam seus investimentos na produção de petróleo. Imprevidência sai caro.


COMENTARISTA DE ECONOMIA



Cante fácil em inglês


 

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Outro cepo na Argentina(Celso Ming, Estado, 24 9 2020)

 

Outro cepo na Argentina

COLUNISTAS

quinta-feira, 24 de setembro de 2020 


  

O Estado de S. Paulo  / Economia

CELSO MING


As novas vertigens da economia da Argentina não são apenas "problema dela". Atingem em cheio também o Brasil. Desta vez, abandeira vermelha proveio do esgotamento das reservas cambiais, que devem estar perto dos US$ 42 bilhões.


Desde o dia 16, está em vigor por lá um novo cepo, que é como se chamavam as restrições à compra de dólares no governo de Cristina Kirchner. A posse de moeda estrangeira é quase a única poupança do argentino.


Lá, cada um pode comprar US$ 200 por mês ao câmbio oficial de 75 pesos por dólar, desde que pague taxa de 30%. O governo Fernández impôs outros 35%, embora descontáveis do Imposto de Renda, desde que o interessado não goze de subsídios do governo. Como a comprovação de inexistência de subsídio é processo complicado, os bancos já não conseguem vender. O "blue", que, no jargão de lá, é a cor do dólar paralelo, avançou dos 130 para 145 pesos por dólar (veja o gráfico). Há dois anos, estava a 38, avanço de 282%.


As empresas endividadas em moeda estrangeira agora só podem obter no câmbio oficial 40% do necessário para saldar seu passivo. O governo está forçando as empresas a renegociar os outros 60% com seus credores, está privatizando o calote. Nessas condições, a renegociação forçada pode até acontecer, mas as portas ficam fechadas para novos créditos. As empresas argentinas já não podem tirar proveito dos juros quase negativos em vigor lá fora. Somente as grandes empresas argentinas endividadas em dólares empregam 60 mil trabalhadores. O aumento das demissões parece inevitável. O desemprego no país é de 13,1%.


Como dinheiro não entra em buraco de onde não pode sair livremente, segue-se que essas decisões afastaram ainda mais o capital estrangeiro. Os próprios mecanismos que impedem a fuga de capitais tendem a impedir a recomposição das reservas.


A princípio, as operações de comércio exterior continuam abertas. Mas, além de sujeitas à licença prévia, as importações tendem a se restringir, freando ainda mais a atividade econômica. (A queda do PIB é de 19,1% no período de 12 meses terminado no segundo trimestre.) As novas restrições podem produzir mais distorções. Exportadores tenderão a subfaturar vendas ao exterior para receber uma parte dos seus dólares "por fora" e, assim, mantê-la depositada no exterior. Importadores, a despeito dos controles, tenderão a superfaturar suas compras para trocar mais dólares por pesos no câmbio interno.


Há anos, os argentinos estocam reservas no exterior. O país que mais tira proveito dessas operações é o Uruguai, que aceita depósitos de estrangeiros em outras moedas. Muitos dos que passam para a margem esquerda do Prata nos fins de semana têm esse objetivo.


Os efeitos colaterais sobre o Brasil são enormes. A recessão já vem reduzindo o comércio bilateral. Só neste ano (até agosto), as exportações brasileiras para lá caíram 25,4%. Como o PIB argentino tende a afundar, o impacto deverá ficar maior. Todo o intercâmbio entre o Mercosul também fica prejudicado.


COMENTARISTA DE ECONOMIA


» Tensão na alta de preços


A inflação mensal medida do dia 15 do mês ao dia 15 do mês seguinte (no caso, setembro) subiu mais do que o esperado: 0,45%. Mostrou repasse para o varejo da alta dos preços no atacado, especialmente dos alimentos e produtos de limpeza. O Banco Central continua afirmando que se trata de alta temporária, resultado do descolamento próprio da retomada da atividade econômica, numa situação de certo desarranjo dos estoques. Mas há uma tensão no mercado, à espera de novas informações.

Capital estrangeiro busca porta de saída(Correio Braziliense, 24 9 2020)

 

Capital estrangeiro busca porta de saída

Nota do setor externo do BC, divulgada ontem, mostra que US$ 15,2 bilhões deixaram o Brasil neste ano. Trata-se do maior valor para fechamento do fluxo cambial, no acumulado de janeiro a agosto, desde 1982. Credibilidade em declínio assusta investidor

quinta-feira, 24 de setembro de 2020 


  

Correio Braziliense  / Economia

Rosana Hessel


O presidente Jair Bolsonaro disse, em seu discurso de abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na terça-feira, que "no primeiro semestre de 2020", apesar da pandemia, houve crescimento no ingresso de investimento no país" e que "a confiança está aumentando". No entanto, a nota com estatísticas do setor externo do Banco Central (BC), divulgada ontem, mostra o contrário e indica uma debandada sem precedentes do capital estrangeiro do país. E sinaliza que o quadro ainda pode piorar.


De acordo com os dados do BC, US$ 15,2 bilhões deixaram o país neste ano. É o maior valor para fechamento do fluxo cambial no acumulado de janeiro a agosto desde 1982. A nota da autoridade monetária ainda mostra queda expressiva e contínua no Investimento Direto no País (IDP), que é o capital produtivo que faz a roda da economia girar mais rápido. Apenas no mês passado, esse indicador de entrada do investimento estrangeiro direto desabou 85,3% na comparação com mesmo mês de 2019, passando de US$ 9,5 bilhões para US$ 1,4 bilhão, o menor patamar para o período desde 2006.


"O que estamos vivendo, hoje, é uma situação inédita de magnitude em cada um desses componentes no país, refletindo o nível de incertezas da recessão global", reconheceu o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, durante a apresentação dos dados do setor externo, que apontaram melhora no balanço de pagamentos. O saldo de transações correntes do país com resto do mundo ficou positivo em US$ 3,7 bilhões em agosto. No acumulado do ano, o deficit vem encolhendo "em grande parte devido à melhora no saldo comercial, em função da forte queda das importações". Conforme disse, a expectativa para a entrada de investimento direto em setembro é de US$ 2 bilhões, patamar ainda inferior dos US$ 6 bilhões no pré-pandemia e, portanto, a retomada do IDP ainda deve demorar.


Mas os dados ruins -- que confrontam as declarações de Bolsonaro e confirmam os alertas de fundos de investimentos, grandes bancos e ex-ministros -- não param por aí. No acumulado de 12 meses até o mês passado, o BC registrou a entrada de US$ 54,5 bilhões, o menor volume desde agosto de 2010 e equivalente a 3,51% do Produto Interno Bruto (PIB). E, para setembro, o banco prevê queda nesse indicador para algo em torno de US$ 50 bilhões, bem abaixo da previsão de US$ 55 bilhões para o ano. Resta saber se o BC vai revisar essa expectativa novamente para baixo, hoje, durante a apresentação do Relatório Trimestral de Inflação (RTI).


Estoque encolhendo


E não é apenas o fluxo de entrada de investimento que cai. O estoque investimento estrangeiro direto também encolhe. Em agosto, estava em US$ 659,8 bilhões, recuo de 19,5% em relação aos US$ 819,5 bilhões computados no fim de 2019. No acumulado do ano, a saída de investimentos estrangeiros em carteira somou US$ 28,3 bilhões, outro recorde segundo dados do BC. Desse montante, US$ 19,5 bilhões foram aplicações em ações e US$ 8,8 bilhões, em títulos da dívida.


Na avaliação de analistas ouvidos pelo Correio, esses dados refletem que a desconfiança de investidores no país está aumentando -- e, portanto, a debandada de capital deve continuar crescente, especialmente por causa da questão ambiental, devido às queimadas no Amazonas e no Pantanal. Isso afugenta o capital externo, assim como as incertezas em relação ao controle das contas públicas: o estouro do teto de gastos é visto como uma realidade, em 2021, uma vez que o governo não sinaliza claramente que vai conseguir controlar as despesas da dívida pública bruta, já perto de 100% do PIB.


"A queda do IDP vem ocorrendo desde abril, por conta da crise provocada pela pandemia, mas é provável que deverá permanecer porque o cenário à frente é de uma economia piorando, com um quadro fiscal ruim, com juros de longo prazo subindo. E toda a agravante da questão ambiental, que é essencial para o investidor estrangeiro", alertou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.


O ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero destacou que esse fenômeno reflete, sobretudo, a perda de confiança devido ao temor de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, perca o controle da situação fiscal diante do projeto de reeleição de Bolsonaro. "Ninguém mais acredita que o ministro da Economia tenha condições para evitar a tendência de subordinar tudo à reeleição: dinheiro para obras, novo auxílio emergencial sem tocar nos programas sociais existentes. Sinais claros da alarmante queda de confiança é o alargamento do fosso entre os juros para rolagem da dívida", alertou. Ele lembra, ainda, o enfraquecimento do real ante o dólar em proporção muito maior do que nos outros países emergentes também como resultado dessa desconfiança.


"Creio que a questão ambiental afeta, em especial, os investimentos futuros, que se sentem desencorajados. Em relação ao dinheiro que sai do financiamento da dívida ou da Bolsa, provavelmente o medo de que o país mergulhe na crise pesa mais do que outras considerações. Isso torna a situação complicada, porque o governo perdeu credibilidade fiscal e esse elemento é difícil de consertar", explicou.


A economista Juliana Inhasz, professora do Insper, também reconheceu que aumento da desconfiança e a perda de atratividade do Brasil são evidentes nos dados do BC. "Mostra um dado preocupante porque são os grandes investidores que aplicam em economias emergentes. E eles estão percebendo que o Brasil não é um bom lugar para investir, com riscos crescentes e o teto de gastos caindo na cabeça", lamentou.    

domingo, 20 de setembro de 2020

Produção de vinhos


 

Fuga de investidor estrangeiro cresce(Estado, 20 9 2020)

 

Fuga de investidor estrangeiro cresce e pressiona financiamento da dívida

Finanças. Desde 2015, participação dos estrangeiros nos títulos de dívida pública caiu de 20,8% para 9%; movimento foi intensificado por conta da covid-19 e impõe mais dificuldades ao Tesouro, já que esse investidor em geral busca os títulos de mais longo prazo

domingo, 20 de setembro de 2020


  

O Estado de S. Paulo  / Economia

Eduardo Rodrigues Fabrício de Castro / brasília


A pandemia de covid-19 reduziu ainda mais a participação dos estrangeiros no financiamento da dívida pública do País, acelerando um movimento que já ocorria desde a perda do "selo de bom pagador" pelo Brasil, em 2015. De lá para cá, a parcela do investidor externo no estoque da dívida caiu de 20,8% para 9% em julho deste ano, o que dificulta ainda mais a tarefa do Tesouro de tentar alongar os prazos de pagamento da dívida.


Embora estejam na quarta colocação entre os principais detentores de títulos da dívida, atrás de fundos de previdência, fundos de investimento e instituições financeiras, os estrangeiros geralmente têm certa preferência por títulos mais longos, desde que confiem na situação macroeconômica de um país. A saída significa, portanto, um sinal de que a visão de fora sobre o Brasil é, neste momento, de incerteza e risco. Recentemente, o Tesouro fez o maior leilão da história em quantidade de papéis de curto prazo. A dívida que vai vencer em 12 meses (prazo curto) deve fechar o ano no maior patamar do PIB desde 2005.


Apenas entre janeiro e julho, a saída dos investidores estrangeiros de suas posições no Brasil ultrapassou Us$ 30 bilhões (R$ 158 bilhões), segundo dados do Banco Central. Do total, um terço (US$ 10,8 bilhões, ou R$ 57 bilhões) saiu da renda fixa (onde estão os títulos do Tesouro). O restante deixou as aplicações em ações na B3, a bolsa paulista.


A perda do grau de investimento já havia tirado o Brasil das carteiras de vários fundos internacionais, mas as incertezas criadas pela covid-19 afastaram parte dos não residentes que ainda apostava nos papéis brasileiros. "A pandemia trouxe um comportamento no mercado de preferência por liquidez. O investidor quer o dinheiro na mão, e não um ativo que ele pode levar meses para se desfazer, ainda mais no mercado internacional", diz o coordenador-geral de operações da Dívida Pública do governo, Luis Felipe Vital. A saída dos estrangeiros pressiona a taxa que os investidores em geral têm cobrado do Tesouro para comprar os títulos que são vendidos para financiar a dívida - eles querem receber mais do que o governo está disposto a pagar. E o prazo dos títulos tem ficado menor. Hoje, está entre 2,5 a 2,8 anos. Há um ano, era de 4,06 anos.


Armadilha. O economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e colunista do Estadão, alerta que a estratégia do Tesouro Nacional de aumentar as emissões de títulos prefixados com prazos de vencimento menores tem fôlego curto e pode se transformar em uma armadilha se o governo não conseguir equilibrar as contas. Segundo ele, o problema fiscal brasileiro se materializa na inclinação da curva de juros de longo prazo e no excesso de volatilidade do real em relação a outras moedas emergentes.


"O Tesouro tem a obrigação de minimizar o custo da dívida, e por isso se vê obrigado a vender título curtos, que têm taxas de juros menores. Mas, se o órgão vender apenas papéis curtos, daqui a um ou dois anos vai precisar começar a rolar a dívida no dia a dia, como já aconteceu nos anos 1970", diz. "O Tesouro pode ficar preso em uma armadilha extremamente difícFuga de investidor estrangeiro cresce e pressiona financiamento da dívida

Finanças. Desde 2015, participação dos estrangeiros nos títulos de dívida pública caiu de 20,8% para 9%; movimento foi intensificado por conta da covid-19 e impõe mais dificuldades ao Tesouro, já que esse investidor em geral busca os títulos de mais longo prazo

domingo, 20 de setembro de 2020 - 04:02


  

O Estado de S. Paulo  / Economia

Banco Central - Perfil 1: Banco CentralBanco Central - Perfil 1: Banco Central do BrasilBanco Central - Perfil 1: BacenBanco Central - Perfil 1: Instituições FinanceirasBanco Central - Perfil 2: Banco CentralBanco Central - Perfil 3: Banco CentralBanco Central - Perfil 3: Banco Central do Brasil

Eduardo Rodrigues Fabrício de Castro / brasília


A pandemia de covid-19 reduziu ainda mais a participação dos estrangeiros no financiamento da dívida pública do País, acelerando um movimento que já ocorria desde a perda do "selo de bom pagador" pelo Brasil, em 2015. De lá para cá, a parcela do investidor externo no estoque da dívida caiu de 20,8% para 9% em julho deste ano, o que dificulta ainda mais a tarefa do Tesouro de tentar alongar os prazos de pagamento da dívida.


Embora estejam na quarta colocação entre os principais detentores de títulos da dívida, atrás de fundos de previdência, fundos de investimento e instituições financeiras, os estrangeiros geralmente têm certa preferência por títulos mais longos, desde que confiem na situação macroeconômica de um país. A saída significa, portanto, um sinal de que a visão de fora sobre o Brasil é, neste momento, de incerteza e risco. Recentemente, o Tesouro fez o maior leilão da história em quantidade de papéis de curto prazo. A dívida que vai vencer em 12 meses (prazo curto) deve fechar o ano no maior patamar do PIB desde 2005.


Apenas entre janeiro e julho, a saída dos investidores estrangeiros de suas posições no Brasil ultrapassou Us$ 30 bilhões (R$ 158 bilhões), segundo dados do Banco Central. Do total, um terço (US$ 10,8 bilhões, ou R$ 57 bilhões) saiu da renda fixa (onde estão os títulos do Tesouro). O restante deixou as aplicações em ações na B3, a bolsa paulista.


A perda do grau de investimento já havia tirado o Brasil das carteiras de vários fundos internacionais, mas as incertezas criadas pela covid-19 afastaram parte dos não residentes que ainda apostava nos papéis brasileiros. "A pandemia trouxe um comportamento no mercado de preferência por liquidez. O investidor quer o dinheiro na mão, e não um ativo que ele pode levar meses para se desfazer, ainda mais no mercado internacional", diz o coordenador-geral de operações da Dívida Pública do governo, Luis Felipe Vital. A saída dos estrangeiros pressiona a taxa que os investidores em geral têm cobrado do Tesouro para comprar os títulos que são vendidos para financiar a dívida - eles querem receber mais do que o governo está disposto a pagar. E o prazo dos títulos tem ficado menor. Hoje, está entre 2,5 a 2,8 anos. Há um ano, era de 4,06 anos.


Armadilha. O economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e colunista do Estadão, alerta que a estratégia do Tesouro Nacional de aumentar as emissões de títulos prefixados com prazos de vencimento menores tem fôlego curto e pode se transformar em uma armadilha se o governo não conseguir equilibrar as contas. Segundo ele, o problema fiscal brasileiro se materializa na inclinação da curva de juros de longo prazo e no excesso de volatilidade do real em relação a outras moedas emergentes.


"O Tesouro tem a obrigação de minimizar o custo da dívida, e por isso se vê obrigado a vender título curtos, que têm taxas de juros menores. Mas, se o órgão vender apenas papéis curtos, daqui a um ou dois anos vai precisar começar a rolar a dívida no dia a dia, como já aconteceu nos anos 1970", diz. "O Tesouro pode ficar preso em uma armadilha extremamente difícil.

sábado, 19 de setembro de 2020

Teremos segunda onda?(Fernando Reinach, Estado, 19 9 2020)

 

 Teremos segunda onda?


sábado, 19 de setembro de 2020 


  

O Estado de S. Paulo  / Metrópole


FERNANDO REINACH


Depois de sete meses, 135 mil mortes e 4,5 milhões de infecções diagnosticadas, finalmente parece que o número de novas mortes e novos casos de covid-19 está caindo. Se essa queda continuar, começaremos 2021 com poucos novos casos e novas mortes a cada dia. A questão agora é saber se teremos uma segunda onda no Brasil, como está ocorrendo em muitos países da Europa.


Isso depende de dois fatores relacionados: a intensidade das medidas de distanciamento social e o número total de pessoas já infectadas no Brasil. Quanto maior o número infectados, menor será o distanciamento social necessário para evitar a volta da pandemia. Na Europa, o número de infectados na primeira onda foi pequeno e o relaxamento levou ao aparecimento da segunda onda. E no Brasil, que fração da população já foi infectada? Seguramente esse número é muitas vezes maior que os 4,5 milhões de pessoas com diagnóstico confirmado, pois muitos não procuram o sistema de saúde e outros tantos são casos assintomáticos. É nesse contexto que devemos lamentar o fracasso do estudo Epicivid19, que pretendia determinar esse número. Esta semana foi revelado que a metodologia usada no estudo nacional de soroprevalência (Epicovid19) não é útil para determinar o número total de infectados. É importante entender o que se passou com esse estudo.


O Epicovid19 é um estudo executado por epidemiologistas da Universidade de Pelotas, para determinar o total de pessoas já infectadas em todo o Brasil, a cada 15 dias. Para isso foi utilizado um teste sorológico capaz de detectar anticorpos contra o SARS-CoV-2 no sangue. A premissa desse estudo é que o teste sorológico utilizado seja capaz de detectar anticorpos na maioria das pessoas já infectadas (poucos falso negativos), não detecte pessoas que não foram infectadas (poucos falso positivos) e, mais importante, que os anticorpos detectados não desapareçam do sangue das pessoas infectadas ou tenham seus níveis reduzidos abaixo do limite de detecção do teste durante toda a duração da pesquisa (6 a 12 meses). O teste utilizado foi um teste sorológico do tipo rápido, da marca Wondfo.


Em cada uma das quatro rodadas já executadas, mais de 2.000 pesquisadores percorreram o Brasil em dois dias testando 250 habitantes de cada uma de 133 cidades brasileiras. Um total de 33.250 pessoas foram testadas em cada rodada. O problema ficou claro esta se mana quando foram divulgados os resultados da quarta rodada. O total de pessoas com anticorpos contra o vírus no Brasil caiu de 3,8% para 1,4% ao longo de dois meses, exatamente durante o período em que o número de novos casos estava mais alto. Essa queda, que já havia sido detectada na fase anterior em muitas cidades, foi interpretada pelos cientistas de Pelotas como uma evidência de que os anticorpos detectados pelo método escolhido tinham uma vida muito curta no sangue das pessoas, surgindo após a infecção e desaparecendo em questão de semanas. Entretanto, os números obtidos na pesquisa não somente diminuíram, mas foram muito baixos (em capitais com Curitiba, Goiânia, Recife, Natal e Campo Grande a fração de infectados foi zero).


No caso de São Paulo, os dados do grupo de Pelotas podem ser comparados com outros estudos com o mesmo objetivo, feitos no município. A porcentagem de soropositivos detectados pelo grupo de Pelotas foi de 0,8%. Esse número pode ser comparado com estudo semelhante feito pela Prefeitura paulistana, que na última rodada, indicou que 13,9% da população já havia sido infectada (uma diferença de 17 vezes).


O terceiro grupo que está tentando medir o número de pessoas já infectadas na cidade (do qual participo) utilizou na última rodada dois testes sorológicos de alta sensibilidade e estimou a porcentagem de pessoas já infectadas dois meses atrás em 11,5% com um dos testes, 14,8% com o outro teste e 17,9% quando os dois testes foram combinados. Os dados da Prefeitura de São Paulo e do nosso grupo parecem ser compatíveis, sendo que o valor maior obtido por nosso grupo pode ser explicado pela diferença entre os testes utilizados.


A diferença de 17 vezes entre dois estudos que usam o mesmo teste da Wondfo ainda precisa ser explicada.


Medir é uma parte importante da ciência. Medir corretamente muitas vezes é essencial para se compreender a realidade. O que podemos afirmar com certeza é que o número de pessoas já infectadas no Brasil é muito maior que os 4,5 milhões de casos reportados pelo governo federal, e também muito maior que os 1,4% da população estimados pelo projeto de Pelotas. Mas dificilmente saberemos esse número para o Brasil. Para saber quantas pessoas já foram infectadas no Brasil seria necessário extrapolar dados de capitais, como São Paulo. Isso se, ao longo do tempo, os estudos feitos pela Prefeitura e por nosso grupo (https:// www.m onitoramentocovid19.org) não enfrentarem percalços como os do grupo de Pelotas. Sem saber esse número é difícil saber se teremos uma segunda onda no Brasil.


Medir é parte importante da ciência. É essencial para se compreender a realidade

Van Gogh


 

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Vem aí o Pix. Entenda como vai funcionar(Celso MIng, Estado, 18 9 2020)

 

CELSO MING - Vem aí o Pix. Entenda como vai funcionar


sexta-feira, 18 de setembro de 2020 - 04:02


  

O Estado de S. Paulo  / Economia

Vem aí o Pix e, com ele, uma revolução nos pagamentos e transferências de recursos em dinheiro. O início da era de pagamentos instantâneos ficou agendado pelo Banco Central para 16 de novembro.


Não faz mesmo sentido que, a esta altura da vida, num mundo marcado pela digitalização, você ainda tenha de esperar horas ou até mesmo um dia inteiro para completar uma transferência via TED, DOC ou boleto bancário. Se for por meio de cheque, então, pode ser até mais de dois dias úteis para que seja completada a compensação bancária. Uma operação via Pix acontecerá exclusivamente por meio de um smartphone e uma conexão de internet. Será inteiramente digitalizada e exigirá o uso de um aplicativo a ser fornecido por uma instituição financeira ou instituição de pagamento, de livre escolha do interessado.


Será completada instantaneamente (em menos de dez segundos) e poderá ser acionada 24 horas por dia, sete dias por semana, inclusive nos feriados. Seu uso será gratuito para pessoa física, não importando a instituição financeira escolhida nem a magnitude da importância transferida. Vai, por exemplo, que você rachou uma pizza com um amigo num sábado à noite. Ele poderá pagar sua parte, a você ou à pizzaria, na mesma hora, sem ter de esperar pela segunda-feira seguinte para que a operação seja completada.


O Brasil não está inventando nada. Soluções equivalentes já funcionam em outros países, como índia e Reino Unido. No Pix, cada usuário deverá registrar um apelido digital em uma instituição financeira, que pode ser o número do celular, o endereço de e-mail ou o número do CPF. Não há risco de que duas pessoas escolham o mesmo apelido. O registro dessa "identidade digital" começará a ser feito dia 5 de outubro.


Será por meio desse apelido digital único que serão realizadas as transferências. Uma das vantagens é poupar tempo, evitar amolações e eventuais erros com os preenchimentos exigidos hoje numa operação de TED ou de DOC.


O sistema também permitirá a realização de pagamentos de pessoas físicas para empresas por meio dos chamados códigos QR, aquele quadrado cheio de figuras geométricas irregulares que você já deve ter visto em algum lugar. É só apontar a câmera do celular para o código, dar um click e a transferência já pode ser realizada. Pode ser usado até mesmo para pagar uma penca de bananas comprada de um feirante. No mesmo instante, esse feirante receberá o valor e confirmará a compra. Para isso, só é preciso que o celular funcione com conexão de internet móvel, como 3G ou 4G.


"A adoção do Pix vai acontecer em todos os tipos de pagamentos", aposta Angelo José Duarte, chefe do departamento de Competição e Estrutura do Mercado Financeiro do Banco Central. A concessionária de energia elétrica Enel anunciou que irá adotar o Pix nos boletos de contas de luz, o que poderá acelerar a reativação do fornecimento de energia suspenso por falta de pagamento.


Uma das consequências do Pix será a redução dos custos das transações financeiras e das operações de cobrança. Até mesmo os bancos, que perderão receitas com tarifas, deverão tirar proveito da redução de custos. Haverá menos circulação de papel-moeda, menos despesas com segurança no transporte de valores - e, obviamente, menos bancários por trás dos guichês.


Os sistemas hoje em vigor, como a TED, o DOC, o cheque e os pagamentos com cartões de débito continuarão existindo, mas passarão a ser considerados obsoletos, como o anil e o mataborrão. O diretor de Inovações da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Leandro Vilain, observa que as mudanças acontecerão aos poucos e haverá um tempo em que coexistirão com as modalidades de pagamentos vigentes, como hoje acontece com os cheques.


Para que o novo sistema seja mais rapidamente adotado, espera-se também alguma iniciativa do próprio comércio. Para Antonio Cerqueiro, sócio da consultoria Bain & Company, o público utilizará mais rapidamente o Pix se as empresas tornarem o pagamento vantajoso para o consumidor: "O lojista pode fazer descontos em compras via Pix ou, como na índia, fomentar o cashback (retorno de parte do pagamento, a título de desconto sobre o preço à vista)". Onde foi adotado, o sistema precisou de três anos para que viesse a ser largamente utilizado pelo consumidor. "Por natureza, as pessoas são cautelosas quanto ao uso do dinheiro", explica Cerqueiro. No Brasil não é diferente. / com guilherme guerra

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Nelson Gonçalves


A hipóxia da América Latina(Monica de Bolle, Estado, 16 9 2020)

A hipóxia da América Latina
Quarta-feira, 16 de setembro de 2020 

  
O Estado de S. Paulo  / Economia

MONICA DE BOLLE

Na lista de países com o maior número de mortes diárias por milhão de habitantes, vidas ceifadas pela Covid-19, os dez primeiros lugares pertencem à América Latina. Na lista de países com o maior número de casos diários por milhão de habitantes, há sete países da região entre os mais afetados. O primeiro lugar não pertence aos Estados Unidos, mas à Argentina. O segundo lugar é da Costa Rica, o quarto lugar é do Peru, o quinto do Panamá, o sexto da Colômbia, o sétimo do Brasil. Os EUA aparecem na nona posição, já que a décima pertence ao Chile.

A pandemia chegou à região em fevereiro de 2020, tendo, assim, dado dois meses para que os governos se preparassem. Poderiam ter usado esse tempo para traçar planos de resgate econômico, estratégias de saúde pública, medidas para proteger as centenas de milhões de pessoas vulneráveis da região. Do desperdício emergiram os pulmões dilacerados da América Latina.

Foram muitos os erros. Lideranças frágeis, instituições em crise permanente, presidentes como Andrés Manuel López Obrador no México e Jair Bolsonaro no Brasil que negaram com veemência a gravidade de um vírus novo e letal sobre o qual pouco se sabia. O caso mexicano surpreende bem mais do que o brasileiro já que López Obrador, apesar de algumas limitações, fez campanha como "defensor dos pobres" e prometeu uma agenda de priorização da proteção social em seu país. Até agora, pouco fez. Bolsonaro...bem, com esse já aprendemos tudo o que não devemos esperar que faça.

O resultado do fracasso latino-americano está estampado nos números. Até o dia 11 de setembro contabilizavam-se quase 7 milhões de casos de covid-19 nas 5 maiores economias da região, a saber: Brasil, México, Colômbia, Argentina, e Peru. São centenas de milhares de mortos, sem contar que os números estão subestimados devido à má qualidade da coleta de informações, a falta de testagem, a ausência de protocolos para o rastreamento de contatos. As quedas registradas da atividade econômica jamais foram tão fortes, o desemprego está em alta, e a crise humanitária tem recaído, sobretudo, na população mais pobre. Tudo isso na região que é campeã da desigualdade no planeta e cujos níveis de pobreza são dramáticos.

Em conferência recente aqui em Washington - o evento anual da Confederação Andina de Fomento (CAF) - ouvi dos meus colegas de painel relatos semelhantes aos que escuto no Brasil. Descaso de governantes, políticas mal elaboradas, aberturas prematuras de locais de grande aglomeração, descontrole da pandemia. Em algumas partes da região fala-se em desordem social, igual ou pior do que aquela que testemunhamos na segunda metade de 2019 - parece uma eternidade, mas foi outro dia.

A economia da América Latina já estava abalada antes da pandemia. As duas maiores potências econômicas da região, Brasil e México, resfolegavam para crescer em meio a contas públicas desarranjadas e ausência de perspectivas para o resgate do desenvolvimento. Nesse contexto, quase todos os países da região cometeram exatamente o mesmo erro: o de tentar evitar medidas sanitárias mais drásticas - como quarentenas rigorosas - para "salvar" as economias. O resultado foi o pior possível: não houve controle da epidemia, tampouco da crise econômica.

A economia da AL já estava abalada antes da pandemia; Brasil e México estavam com as contas desarranjadas Como já escrevi em outras ocasiões nesse espaço, não há retomada econômica na ausência de medidas para controlar as epidemias. Contudo, como muitos países voltaram à seminormalidade nos últimos meses, mantendo escolas fechadas, porém abrindo bares, restaurantes, shopping centers, medidas sanitárias restritivas não têm apoio social ou político.

Tal quadro significa que epidemias descontroladas serão a norma ao longo dos próximos meses, com consequências, evidentemente, desastrosas em termos de vidas perdidas e abalos socioeconômicos nestes países da América Latina.

Os pulmões dilacerados da América Latina continuarão a afligir a população vulnerável e a elevar os índices de desigualdade e pobreza já tão altos nessa trágica região do planeta. Roubando as palavras de Caetano e Gil, parece difícil que sejamos capazes de escapar de um destino. Desse destino: o Haiti é aqui.

ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Livro: A grande depressão






Em 1988 saiu o livro "1990 A GRANDE DEPRESSÃO" de Ravi Batra. Ele previa que em 1990 o mundo cairia numa profunda depressão e seu estudo estava baseado em ciclos. Segundo ele, historicamente os ciclos econômicos duravam cerca de 20 anos e terminavam com grandes recessões ou depressões. A explicação seria a chegada das novas gerações aos postos de liderança e a aposentadoria ou morte das lideranças mais antigas. Assim, parte do conhecimento acumulado pelos mais velhos seria esquecido ou desconsiderado pelos mais novos, que tenderiam a ser mais arrojados e acabariam repetindo alguns erros do passado. 

Comprei o livro, 1990 veio e... nada de recessão, quanto mais depressão! Fiquei imaginando o porquê. Se a teoria da "troca da guarda" estivesse certa, um fato ocorrido nos anos 60 pode ter alterado o ciclo: a pílula anticoncepcional! As pessoas (principalmente as mulheres) ficaram mais livres para planejar suas famílias. As pessoas passaram a casar e ter filhos com mais idade. Assim o ciclo de 20 anos foi sendo esticado para mais cerca de 30. A tal "Grande Depressão" acabou ocorrendo em 2008, na crise das "subprime" dos bancos americanos.

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Homenagem Farroupilha


A revolução silenciosa do transporte de cargas agrícolas(ESTADO, 14 7 2020)



 A revolução silenciosa do transporte de cargas agrícolas

segunda-feira, 14 de setembro de 2020 
  
O Estado de S. Paulo  / Espaço Aberto
Cenário Político-Econômico: Colunistas
Marcos Sawaya Jank

Inaugurada por dom Pedro II, em 1854, a primeira operação intermodal de cargas do Brasil foi a Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis, um ousado empreendimento do incrível barão de Mauá, o maior empresário do Império.

De lá até 1930 o Brasil construiu 30 mil km de estradas de ferro cobrindo a região litorânea do País, com destaque para as malhas das regiões do sul e do sudeste. Nesse período acompanhamos pari passu o exemplo de grandes nações que investiam em ferrovias e hidrovias de longa distância, como Rússia, Índia, Canadá, Austrália e Estados Unidos.

Lamentavelmente, tomamos a direção errada a partir da Presidência de Washington Luís, quando o lema passou a ser "governar é abrir estradas". Desde então, sucessivos governos passaram a privilegiar longas rodovias e caminhões, em detrimento de soluções multimodais.

Felizmente, esse enorme erro estratégico começa a ser corrigido. Na década de 1970 o Brasil foi o berço da principal revolução tropical agrícola do planeta, que combinou tecnologias inovadoras com empreendedorismo de agricultores arrojados que migraram para os cerrados do Centro-Oeste. Mas a logística de transporte ferroviário não seguiu as novas fronteiras da agricultura e continuou sendo majoritariamente litorânea e estruturalmente cara e precária nas ligações rodoviárias de longa distância do País.

Nos últimos anos, particularmente no governo atual com a excepcional gestão de Tarcísio de Freitas à frente do Ministério da Infraestrutura, as novas opções multimodais estão produzindo uma "revolução silenciosa" no transporte de cargas agrícolas do Brasil.

O principal beneficiário da mudança de modais é Mato Grosso, Estado que lidera a produção agropecuária nacional - com destaque para soja, milho, algodão e pecuária de corte - e se caracteriza como a área que forma o preço marginal da soja no mundo. Situado a mais de 2 mil km dos principais portos, Mato Grosso foi altamente prejudicado pela precariedade das estradas e pelo alto custo do frete rodoviário, que representa entre 15% e 45% do valor da soja no mercado internacional.

Agora as ferrovias estão chegando com força ao Centro-Oeste. A Rumo já carrega em seus trens o equivalente a 1.700 caminhões por dia na Malha Norte (volume de Mato Grosso), que levam menos de 85 horas para descer até Santos, o principal porto agrícola do País. Até o ano que vem a companhia vai operar trens de 120 vagões. Cada trem desses retira 240 caminhões bitrem das estradas.

Após mais de 30 anos de es- pera, a Ferrovia Norte-Sul, agora operada pela Rumo e pela VLI, estará operacional no segundo semestre de 2021, interligando os portos de Itaqui (MA) e de Santos (SP).

Em paralelo, a conclusão da rodovia BR-163 permitiu a concretização da saída bimodal pelo Arco do Norte, com os grãos do Centro-Oeste sendo enviados por caminhão até o porto fluvial de Miritituba, no Pará, e em seguida por barcaças até os portos próximos a Belém. Essa saída segue o pioneirismo da hidrovia do Rio Madeira, que há mais de 20 anos liga Porto Velho (RO) ao Oceano Atlântico. As novas opções multimodais já permitiram uma redução de 15% nos fretes de cargas agrícolas de Mato Grosso.

O próximo passo da "revolução silenciosa" é a chegada das ferrovias ao coração da produção de soja, milho e algodão de Mato Grosso. Três projetos estão sendo propostos: 1) a extensão de 650 km da Ferronorte entre Rondonópolis e Lucas do Rio Verde, que será construída pela Rumo para movimentar cargas até o porto de Santos; 2) a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), que vai na direção oeste-leste, podendo futuramente chegar ao porto de Ilhéus; e 3) a Ferrogrão, que pretende alcançar os portos do Arco do Norte, complementando a saída pela BR-163.

Três ferrovias levando grãos para o norte, o leste e o sudeste do País constituem um paradigma inimaginável de progresso e desenvolvimento. É hora de concretizá-lo, sem pestanejar, pois só depende de leilões ou aprovações do governo.

Vale lembrar que entre granel e contêineres essas ferrovias transportam grãos, açúcar, fertilizantes, etanol, algodão, celulose, café, carnes e muitas outras commodities. Ademais, a opção pelos modais ferroviário e hidroviário traz muitos outros benefícios para o País, se comparados à alternativa rodoviária de longa distância: redução de emissões de gases de efeito estufa e de poluição atmosférica, maior eficiência energética, menor consumo de diesel por quilômetro percorrido, maior segurança e redução de desgastes e acidentes nas estradas, gerando economias importantes para a saúde pública e o meio ambiente.

Temos de aproveitar essa chance de realizar grandes investimentos privados em sistemas multimodais que demandam apenas concessões e autorizações do poder público. Em tempos de tantas notícias ruins por causa da pandemia global, poder corrigir nove décadas de dependência exclusiva e arriscada do transporte rodoviário em apenas uma década é uma oportunidade fantástica. Ela vai beneficiar não apenas o produtor rural brasileiro, mas, principalmente, o consumidor global.

"Corrigindo um erro de nove décadas, ferrovias estão chegando com força ao Centro-Oeste"

PROFESSOR DE AGRONEGÓCIO GLOBAL DO INSPER. E-MAIL: MARCOS.JANK@INSPER.EDU.BR

domingo, 13 de setembro de 2020

Arquitetura, acervos e barbárie(FSP, 13 9 2020)

Arquitetura, acervos e barbárie

domingo, 13 de setembro de 2020 

 

Folha de S. Paulo  / Tendência e Debates


José Lira


Fabuloso desfalque na obra de Rocha é preocupante


O Brasil arquitetônico está perplexo. Os meios acadêmicos e patrimoniais foram pegos de surpresa. Inclusive no exterior: o arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, Prêmio Pritzker em 2006, Leão de Ouro em 2016, doa todo o acervo de seu escritório à Casa da Arquitectura em Portugal (CA). Uma instituição nascida em 2007 com grandes ambições â?"e um programa de visitas às obras de Álvaro Siza em Matosinhosâ?" e refundada em 2017 com nova sede e polpudo orçamento.


São inúmeros os questionamentos que o fato suscita. Por que um arquiteto consagrado escolhe depositá-lo em jovem instituição sem acervo de importância nem política de ensino e pesquisa? Por que a obra de um arquiteto brasileiro torna-se alvo de cobiça de um centro especializado em acervos portugueses? Porque levá-lo para o exterior quando praticamente toda a sua obra construída está no Brasil? A decisão terá algum impacto nas relações entre projeto, ensino e pesquisa de arquitetura no país?


De fato, apesar da pretensão do diretor-executivo e os capitais a ele confiados, as credenciais da CA são modestas. Suas únicas coleções de peso são a de Eduardo Souto de Moura, em consignação desde maio, e agora a de Paulo Mendes da Rocha. No fim, nem o acervo de Siza foi para lá, dividindo-se por três instituições melhor estabelecidas em Portugal e, sobretudo, no Canadá.


O arquiteto brasileiro afirmou à Folha que a CA digitalizaria o conteúdo, e que a USP, naturalmente cogitada, não teria condições de acolhê-lo. No senso comum, a decisão se justifica pela fragilidade e incertezas atuais das instituições culturais brasileiras.


É verdade que universidades, museus e bibliotecas do país ressentem-se de investimentos públicos e de um mecenato cultural forte, sofrendo perdas e ataques sistemáticos nos últimos anos. Mas não se pode ignorar a excelência de muitos deles. Nem subestimá-los. Entre os quais o IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros) e especialmente a FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), que desde os anos 1970 vem constituindo um dos maiores acervos de projetos do país, objeto de escrutínio por muitas gerações de pesquisadores, alicerce de teses, livros, exposições e novos horizontes de interpretação, apreciação e transmissão da cultura arquitetônica no Brasil.


Entre os acervos originais ali guardados estão os de toda a geração de Paulo Mendes da Rocha em São Paulo, e de dezenas de colegas notáveis. Foi na escola, nesta geração, nesta cidade, que o arquiteto se tornou uma liderança para centenas de profissionais, estudantes e professores, parceiro de projetos de muitos deles e esteio de pranchetas, salas de aula, pesquisas e debates Brasil afora.


É certo que o imaginário dos arquitetos ainda opera com ideias de gênio, mestre, obra autônoma, autoria individual e outros vícios. Mas se há algo de elementar na historiografia e na crítica contemporâneas é a necessidade de entender a arquitetura como elaboração de problemáticas, encargos e outras circunstâncias através de ferramentas operativas e intelectuais, padrões de intenção e campos de escolhas linguísticas partilhados. E mais: que sua elucidação atravessa de ponta a ponta o processo do desenho e o transborda, absorvendo-o no antes e no depois, em sua demanda, concretização, fruição e perecimento na cultura e na sociedade.


A obra de Rocha não foge à regra. Será que restará compreensível aos que tiverem a ventura â?"além do interesse e do dinheiroâ?" de examinar seus traços e margens em Matosinhos? Será que o fabuloso desfalque documental não abalará também o julgamento e a preservação de sua obra? Não prejudicará pesquisas, publicações e exposições aqui, seja pela distância dos originais, seja pela impossibilidade de cruzá-los com outros acervos e temas afins?


O tempo dirá. Até porque razões científicas, éticas, políticas, simbólicas e afetivas não convenceram o mestre. Tampouco a estatura de seu trabalho o demoveu. Paulo Mendes da Rocha decidiu. Resta-nos esperar que a comunidade acadêmica e profissional portuguesa tire da coleção tanto valor quanto seus comissários e investidores; tanto significado e inspiração quanto temos sabido nela encontrar desde 1958. Nesse país onde foi sempre difícil vencer a barbárie. De dentro e de fora

sábado, 12 de setembro de 2020

A brutal realidade dos fatos(Fernando Reinach, Estado, 12 9 2020)


FERNANDO REINACH - A brutal realidade dos fatos


sábado, 12 de setembro de 2020


  

O Estado de S. Paulo  / Metrópole

Cenário Político-Econômico: Colunistas

Em 1982, durante meu doutoramento em Nova York, produzi anticorpos para a subunidade regulatória da proteína que gera o movimento nos músculos. A notícia chegou ao Japão e fiquei orgulhoso quando Setsuro Ebashi (1922-2006), o pai da bioquímica japonesa, pediu uma amostra dos anticorpos. Fiz o pacote e enviei. Passado um mês, Ebashi escreveu dizendo que um aluno havia repetido meu experimento e o anticorpo não reconhecia a subunidade regulatória, mas outra subunidade. Refiz o experimento, obtive o mesmo resultado, enviei ao Japão. Eles repetiram e informaram que eu estava enganado. Refiz, eles refizeram, e nada de concordância. Finalmente Ebashi decidiu que, para resolver o impasse, eu deveria ir a Tóquio fazer o experimento com o aluno.


Cheguei inseguro e comecei a trabalhar lado a lado com meu colega. O experimento demorava dois dias. No fim do segundo dia, ficou claro que meu colega japonês havia errado o alinhamento do filme de raios X, o que o levou a uma interpretação errada do resultado. No início da noite, Ebashi nos chamou na sua sala e perguntou sobre o resultado. O aluno disse que o resultado parecia favorecer minha conclusão, mas que talvez houvesse uma outra interpretação. Seco, Ebashi nos mandou de volta ao laboratório para repetir o experimento. O resultado foi o mesmo, voltamos à sala, e o aluno disse que parecia que eu estava certo, mas ... Não terminou o raciocínio, fomos de volta para a bancada. Esse ciclo se repetia a cada dois dias. Aos poucos fui ficando amigo do meu competidor, e nas visitas ao escritório de Ebashi comecei a tentar fazer o meio de campo, justificando que talvez ele poderia até ter razão. E a reação de Ebashi: o que ele queria ouvir?


Após duas semanas, decidimos por outra estratégia, seríamos secos. Entramos na sala e Ebashi perguntou como tinha ido o experimento. Meu amigo disse que o resultado era o mesmo. Ebashi perguntou, então, quem tem razão? Meu amigo me olhou e disse, ele.


Se voltando para mim, Ebashi perguntou, e você o que acha? Que tenho razão. Se voltou para meu amigo novamente. E quem está errado? Eu, disse ele. E quem está certo? Eu, respondi. Parecia um filme do Kurosawa. Ebashi se levantou, ordenou que nos cumprimentássemos. Assunto encerrado afirmou, vamos jantar. E nos levou pela primeira vez ao elegante clube dos professores da Universidade de Tóquio. Após muitas doses de saquê disse que em ciência precisamos aceitar a brutal realidade dos fatos ("the brutal reality of facts"), sem meios termos, sem rodeios, sem dourar a pílula, ou tentar salvar as aparências. Só assim, disse ele, nos livramos do peso dos erros, que são inevitáveis na vida de um cientista. Só com esse desapego vocês podem ser livres para errar novamente.


Eu me lembrei desse episódio quando esta semana recebi um e-mail de Cesar Victora, o principal epidemiologista do grupo de Pelotas, contando os resultados da última rodada da pesquisa nacional da prevalência de anticorpos na população brasileira (EPICOVID-19). A brutal realidade dos fatos é que, quando medida usando o teste rápido da Wondfo, a porcentagem de pessoas no Brasil que possui anticorpos contra o SARS-CoV-2 caiu desde a última medida (os números serão divulgados nos próximos dias). Essa queda, rápida e significativa, que já tinha sido observada em algumas cidades, agora se tornou realidade no Brasil como um todo. Como o número de pessoas infectadas pelo coronavírus só aumenta durante a pandemia, esse resultado demonstra de maneira cabal que essas medidas não correspondem ao número total de pessoas já infectadas no Brasil desde o início da pandemia.


Além disso, demonstra que os anticorpos medidos por esse teste aparecem no sangue das pessoas logo após a infecção e desaparecem rapidamente. Como o objetivo da EPICOVID-19 é exatamente medir a fração das pessoas que já haviam sido infectadas ao longo da pandemia no Brasil, os cientistas estavam usando um método inadequado para medir esse fenômeno. É como se estivessem tentando medir a distância entre dois pontos usando uma balança, em vez de um metro. Mas lembrem: era o único teste disponível no início da pandemia e o erro é o motor do progresso científico.


Você pode imaginar que esse é um problema técnico, que afeta somente um grupo de cientistas. Mas não, essa descoberta afeta nossa vida. Todos os resultados obtidos usando esses testes precisam ser reinterpretados. Indivíduos que tiveram resultados negativos nos testes rápidos, antes eram informados que não haviam sido infectados. Agora sabemos que eles podem ter sido infectados no início da pandemia, foram positivos por alguns meses ou semanas, e se tornaram negativos. A Prefeitura de São Paulo, que vem usando esses testes para medir quinzenalmente a quantidade de pessoas já infectadas desde 21 de junho, e tem reportado resultados que oscilam ao redor de 10%, agora precisa explicar o que esses resultados significam. O mesmo precisa ser feito com a pesquisa que estima o número de infectados no Rio Grande do Sul.


Esses mesmos testes foram usados para medir quantas crianças já foram infectadas na cidade de São Paulo, e esse dado foi usado para justificar a decisão de manter as escolas fechadas. Essas políticas educacionais precisam ser reavaliadas. E finalmente sabemos que não existe, por enquanto, medida confiável de quantas pessoas já foram infectadas no Brasil. O número é seguramente muito maior que os 4,2 milhões de pessoas que já foram testadas e apresentaram testes positivos.


BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS


Não existe, até aqui, medida confiável de quantas pessoas foram infectadas no País



sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Renda mínima e Imposto de Renda(Nelson Barbosa, FSP, 11 9 2020)



Nelson Barbosa - Renda mínima e Imposto de Renda

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

  
Folha de S. Paulo  / Mercado



A forma mais simples de implementar renda básica universal é criar um 'IR negativo'

Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

A Covid-19 forçou vários governos a programas temporários de renda mínima. Por aqui, o Congresso criou o auxílio emergencial e Bolsonaro prorrogou o benefício, com corte de 50% no valor, até 0 fim do ano.

Para 2021, vários parlamentares desejam uma versão permanente do programa, mas a tarefa não é simples. Há dificuldades operacionais.fiscais e políticas. Hoje, abordarei o operacional A forma mais simples de implementar renda básica universal é criar um "Imposto de Renda negativo" isto é, uma transferência de renda para todas as pessoas que solicitarem o benefício, mas com ajuste posterior na declaração anual de Imposto de Renda.

Especificamente, suponha que o governo crie uma transferência anual de renda, com valor fixo, para todo brasileiro. O objetivo seria garantir uma renda mínima mediante um 'Abono Cidadania" ou 'Abono Verde-Amarelo Pátria Amada Brasil" dependendo do nome preferido pelo governo da ocasião.

Independentemente do nome, suponha, ainda, que o benefício tivesse apenas dois critérios de acesso: 1) ser brasileiro e 2) declarar Imposto de Renda a partir do ano de recebimento da ajuda. Em outras palavras, o benefício seria universal, mas todos os que quisessem recebê-lo teriam que entrar na base de dados da Receita Federal.

Agora, a lógica do Imposto de Renda negativo: se todos os beneficiários do 'Abono Cidadania" tiverem CPF e constarem nos dados do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), o governo poderá verificar quem solicitou o benefício sem precisar, isto é, quem já tinha outra fonte de renda superior ao mínimo estabelecido no programa.

Onde o abono não se justificar o governo poderia recuperar o recurso via alíquota mais progressiva do IRPF ou multa, de acordo com o tamanho da distorção (por exemplo: pessoa de altíssima renda requerendo auxílio indevidamente).

A lógica de combinar transferência de renda com Imposto de Renda simplifica o funcionamento do programa e traz alguns benefícios complementares, como acabar com "pessoas invisíveis" para a seguridade social.

Independentemente do vínculo emprega tício do chefe da família, todos os membros da família entrariam na base única dos programas de renda, seja de taxação, seja transferência, do governo.

Outra vantagem de combinar transferência com Imposto de Renda é que a base da Receita poderia ser integrada ao que já existe no sistema de proteção social, permitindo a manutenção ou a criação de critérios adicionais para acessar o benefício, associados à saúde e à educação públicas, sobretudo para famílias com crianças.

O leitor deve estar se perguntando: se é tão fácil, por que ainda não foi feito? Porque custa muito! Por exemplo, imagine que o governo decida pagar um salário mínimo por ano a todos os brasileiros.

Como temos 210 milhões de habitantes e o salário mínimo projetado para 2021 é de R$1.0 67 por mês, o gasto bruto seria de R$ 224 bilhões por ano (2,9% do PIB projetado pelo governo) caso todos solicitassem o benefício.

O gasto líquido seria menor, pois nem todos solicitariam o auxílio, excessos seriam recuperados pela Receita no ano seguinte e, mais importante, a injeção de renda aumentaria a demanda das famílias, que, por sua vez, elevaria o PIB e a arrecadação do governo.

O efeito "multiplicador" da renda básica sobre o PIB pode reduzir o gasto líquido do Tesouro a 50% do valor transferido, mas, independentemente do custo, também é necessário analisar a aplicação alternativa dos recursos em programas mais eficientes em reduzir a pobreza, como o Bolsa Família. Voltarei ao tema.


quarta-feira, 9 de setembro de 2020

A fratura tecnológica global(Dani Rodrik, Valor, 9 9 2020)


Regime comercial atual é inadequado para um mundo de dados, software e IA. Dani Rodrik

O regime comercial internacional que temos hoje, enunciado nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e outros acordos, não é uma coisa desse mundo em que vivemos. Ele foi elaborado para um mundo de automóveis, aço e produtos têxteis, e não para um mundo de dados, softwares e inteligência artificial. Já sob grande pressão da ascensão da China e da reação contra a hiperglobalização, ele é completamente inadequado para enfrentar os três principais desafios que essas novas tecnologias apresentam.

Primeiro, há a geopolítica e a segurança nacional. As tecnologias digitais permitem a potências estrangeiras invadir redes industriais, praticar a espionagem cibernética e manipular as redes sociais. A Rússia vem sendo acusada de interferir nas eleições dos Estados Unidos e outros países ocidentais, através da difusão de “fake news” e a manipulação de redes sociais. O governo dos EUA adotou uma postura dura contra a gigante chinesa Huawei por acreditar que as ligações da companhia com o governo chinês tornam seus equipamentos de telecomunicações uma ameaça à segurança nacional.

Em segundo lugar, há as preocupações com a privacidade individual. As plataformas da internet podem coletar quantidades enormes de informações sobre o que as pessoas fazem dentro e fora da internet, e alguns países têm regras mais rígidas do que outros para regular o que elas podem fazer com isso. A União Europeia (UE), por exemplo, aprovou multas paras as empresas que falharem em proteger os dados dos habitantes do bloco.

Em terceiro lugar, há a economia. Novas tecnologias proporcionam uma vantagem competitiva às grandes empresas que conseguem acumular um poder enorme sobre o mercado mundial. Economias de escala e abrangência e efeitos de rede produzem resultados em que o “vencedor fica com t u d o”, e políticas mercantilistas e outras práticas de governo podem resultar em algumas empresas tendo o que parece ser uma vantagem injusta. Por exemplo, a vigilância do Estado permitiu às companhias chinesas acumular grandes volumes de dados, que por sua vez permitiram a elas monopolizar o mercado global de reconhecimento facial.

Uma resposta comum a esses desafios é invocar maior coordenação internacional e regras globais. A cooperação reguladora transnacional e as políticas antimonopólio poderão produzir novos padrões e mecanismos de fiscalização. Até mesmo onde uma abordagem global não é possível — porque países autoritários e democráticos têm desavenças profundas sobre a privacidade, por exemplo —, as democracias ainda podem cooperar entre elas e desenvolver regras conjuntas.

Os benefícios das regras comuns são claros. Na sua ausência, práticas como localização de dados, exigências locais para a nuvem da computação e a discriminação em favor de campeãs nacionais criam ineficiências econômicas na medida em que segmentam os mercados nacionais. Elas reduzem os ganhos do comércio e impedem as empresas de colherem os benefícios da escala. E os governos enfrentam a ameaça constante de terem suas regulamentações minadas por companhias que operam a partir de jurisdições com regras mais frouxas.

Em um mundo em que os países têm preferências diferentes, as regras globais — mesmo quando viáveis — são ineficientes num sentido mais amplo. Qualquer ordem global precisa pesar os ganhos do comércio (maximizados quando as regras são harmoniosas) contra os ganhos da diversidade regulatória (maximizados quando cada governo nacional é totalmente livre para fazer o que quer).

Se a hiperglobalização já se mostrou frágil, isso se deve em parte porque os formuladores de políticas priorizaram os ganhos com o comércio sobre os benefícios da diversidade reguladora. Esse erro não deveria se repetir com as novas tecnologias.

Na verdade, os princípios que deveriam guiar nosso pensamento sobre as novas tecnologias não são diferentes daqueles voltados para os domínios tradicionais. Os países podem desenvolver suas próprias normas reguladoras e definir suas próprias exigências de segurança nacional. Mas eles não têm o direito de internacionalizar suas normas e tentar impor suas regulamentações aos outros países.

Considere como esses princípios se aplicariam à Huawei. O governo dos EUA impediu a Huawei de adquirir empresas americanas, restringiu suas operações no país, lançou ações judiciais contra sua cúpula administrativa, pressionou outros governos a não trabalhar com ela e, mais recentemente, proibiu as empresas americanas de venderem chips para a cadeia de fornecimento da Huawei em qualquer parte do mundo.

Há poucas evidências de que a Huawei esteja envolvida em espionagem em nome do governo chinês. Mas isso não significa que ela não fará isso no futuro. Especialistas ocidentais em tecnologia que examinaram o código da Huawei não conseguiram descartar essa possibilidade. A opacidade das práticas corporativas na China poderia muito bem turvar os laços da Huawei com o governo chinês.

Sob essas circunstâncias, há um argumento plausível a favor da segurança nacional para os EUA — ou qualquer outro país — restringirem as operações da Huawei dentro de suas fronteiras. Outros países, como a China, não estão em posição de criticar posteriormente essa decisão.

No entanto, a proibição das exportações pelas companhias americanas é mais difícil de justificar com base na segurança nacional, do que a proibição das operações da Huawei nos EUA. Se as operações da Huawei em outros países representam uma ameaça à segurança desses países, seus governos estão na melhor posição para avaliar os riscos e decidirem se um bloqueio é apropriado.

Além disso, a proibição dos EUA cria efeitos adversos significativos para empresas de telecomunicações nacionais como B T, Deutsche Telekom, Swisscom e outras em nada menos que 170 países que dependem dos kits e hardware da Huawei.

Em resumo, os EUA são livres para fechar seu mercado à Huawei. Mas seus esforços para internacionalizar suas sanções domésticas carecem de legitimidade.

O caso da Huawei é um presságio de um mundo em que a segurança nacional, a privacidade e a economia interagirão de maneiras complicadas. A governança global e o multilateralismo sempre irão fracassar, por bons ou maus motivos. O melhor que podemos esperar é uma “colcha de retalhos” reguladora, baseada em regras básicas claras que ajudem a fortalecer os países na defesa de seus principais interesses nacionais sem que exportem seus problemas para os outros. Ou desenvolvemos nós mesmos essa “colcha de retalhos”, ou acabaremos com uma versão bagunçada, menos eficiente e mais perigosa. (Tradução de Mário Zamarian)

OLHO: O caso da Huawei é um presságio de um mundo em que a segurança nacional, a privacidade e a economia interagirão de maneiras complicadas. O melhor que podemos esperar é uma “colcha de retalhos ” reguladora , baseada em regras básicas claras