sábado, 28 de novembro de 2020

Em louvor a Janet Yellen, a economista(Paul Krugman, 28 11 2020)

 Em louvor a Janet Yellen, a economista

28 de novembro de 2020 


 

O Estado de S. Paulo  / Economia


PAUL KRUGMAN


E difícil extrapolar o entusiasmo dos economistas com a escolha de Janet Yellen para próxima secretária do Tesouro. Parte dessa euforia reflete o caráter revolucionário da sua nomeação. Ela não só é a primeira mulher a comandar essa secretaria, mas será a primeira pessoa a assumir todas as três posições de comando da política econômica dos Estados Unidos - como presidente do Conselho de Assessores Econômicos, do Federal Reserve e do Tesouro.


E, sim, existe algo de revanche contra Donald Trump, que negou a ela um muito merecido segundo mandato como presidente do Fed, ao que consta porque achava que ela era muito baixinha.


Mas a boa notícia sobre Yellen vai além da sua notável carreira no serviço público. Antes de assumir o cargo ela era uma pesquisadora séria. E, em particular, uma das figuras na vanguarda de um movimento intelectual que ajudou a salvar a macroeconomia como uma disciplina útil quando essa utilidade estava sob ataques internos e externos.


Antes de chegar a esse ponto, uma palavra sobre o tempo que Yellen passou no Federal Reserve, especialmente quando participou do conselho diretor da instituição no início de 2010, antes de presidi-la.


Na época, a economia dos Estados Unidos vinha lentamente se recuperando da Grande Recessão uma recuperação impedida, não por acaso, pelos republicanos no Congresso que fingiam se preocupar com a dívida pública impondo cortes de gastos que afetaram de maneira importante o crescimento econômico. Mas a questão dos gastos não era o único tema do debate; também eram ferozes as discussões sobre a política monetária.


Especificamente, muitas pessoas da direita condenavam os esforços do Fed para salvar a economia dos efeitos da crise financeira de 2008. A propósito, entre elas estava Judy Shelton, uma pessoa totalmente desqualificada que Trump ainda tenta colocar no conselho diretor do Fed e que, em 2009, alertou que as políticas adotadas pela instituição resultariam numa "ruinosa inflação" (o que não ocorreu).


Mesmo dentro do Federal Reserve havia uma divisão entre os que preconizavam medidas mais duras em relação à inflação e os defensores de uma política mais leniente permitindo um pequeno aumento da inflação que, no final, incentivaria o crescimento e a criação de empregos, e que o combate à depressão devia ser prioritário. Yellen era um deles e uma análise feita em 2013 pelo The Wall Street Journal concluiu que, entre os articuladores políticos do Fed, ela foi a mais precisa nas previsões.


Porque ela acertou? Parte da resposta, eu diria, remonta ao seu trabalho acadêmico na década de 1980.


Na ocasião, como já afirmei, a macroeconomia útil estava sob ataque. O que quero dizer com "macroeconomia útil" é o entendimento, compartilhado por economistas como John Maynard Keynes e Milton Friedman, de que as políticas fiscal e monetária devem ser usadas para o combate das recessões e reduzir o impacto negativo sobre as pessoas e sobre a economia.


Esse entendimento não falhou quando foi testado na realidade, pelo contrário, a experiência do início dos anos 1980 confirmou vigorosamente os prognósticos da tese macroeconômica básica.


Mas estava sob ameaça.


De um lado, políticos de direita defendiam doutrinas excêntricas, especialmente a tese de que os governos podem engendrar um milagroso crescimento reduzindo impostos devidos pelos ricos. De outro lado, um número importante de economistas rejeitava qualquer papel da política no combate das recessões, afirmando que ele era desnecessário se as pessoas agissemracionalmente em seus próprios interesses, e que a análise econômica sempre devia supor que as pessoas são racionais e buscam os próprios interesses. E mesmo um pouco de realismo sobre o comportamento humano renova a defesa de políticas agressivas para combater as recessões. Em trabalhos posteriores, Yellen mostrou que os resultados para o mercado de mão de obra dependem muito não só dos cálculos de ganhos e lucros, mas também da percepção de equidade.


Tudo isto parece ininteligível, mas posso responder, pela minha própria experiência, que esse trabalho teve um enorme impacto sobre muitos economistas jovens, basicamente dando a eles permissão para serem mais sensatos.


E me parece que existe uma linha direta do realismo disciplinado da pesquisa acadêmica de Janet Yellen para seu sucesso como estrategista econômica. Ela sempre foi alguém que compreendeu o valor dos dados e modelos. E, com efeito, a reflexão rigorosa se torna mais, e não menos, importante em tempos como estamos vivendo hoje, quando a experiência passada oferece pouca orientação sobre o que deveríamos estar fazendo. Mas ela também nunca esqueceu que a economia tem a ver com pessoas, que não são as máquinas de calcular insensíveis que os economistas, às vezes, querem que elas sejam.


Agora, nada disso significa que as coisas necessariamente vão de vento em popa. A corrida não édos velozes, como o pão não é dos sábios, e tampouco o entendimento dos responsáveis pelas políticas garante o sucesso, mas o tempo e a oportunidade possibilitamtudo isso. O gabinete de governo de Trump foi um show de palhaços possivelmente o pior gabinete na história dos EUA. Mas foi apenas em 2020 que as consequências da incompetênciadestegovernoficaram totalmente aparentes.


Mas é imensamente tranquilizador saber que a política econômica seráditadaporumapessoaque sabe o que está fazendo. / tradução de TERZINHA MARTINO

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Falando sozinho(William Waack, Estado, 26 11 2020)



WILLIAM WAACK - Falando sozinho


quinta-feira, 26 de novembro de 2020 


 

O Estado de S. Paulo  / Política


WILLIAM WAACK


E preciso um pouco de paciência, mas a força dos interesses privados brasileiros está conseguindo impor severos limites aos rompantes de política externa do governo Jair Bolsonaro. A 'linha" externa foi basicamente subordinar-se a Donald Trump, um erro grotesco do ponto de vista "técnico" de diplomacia e um exemplo já clássico de como a cegueira ideológica conduz a decisões que são pura estupidez.


O agronegócio foi o primeiro a gritar contra a gratuita hostilização de parceiros comerciais no Oriente Médio e na Ásia, seguido de perto por setores modernos industriais e do mundo financeiro em relação a políticas ambientais. Os mais novos grupos a entrar no "vamos dar uma segurada" são de setores tecnológicos ligados a telecomunicações e infraestrutura, preocupados com o dano que a hostilidade à China possa trazer a investimentos no 5G.


Especialmente no agro "tecnológico" - aquele que colocou o Brasil como uma superpotência na produção de grãos e proteínas - a postura externa do governo Bolsonaro é vista com consternação e abertamente criticada. O racha já chegou à relação entre entidades que representam os variados grupos desse setor. Aqueles apelidados de "ruralistas", e identificados com a soja e a pecuária "primitiva", continuam apegados à noção de que, sendo o Brasil um campeão na produção de alimentos, não importa o que aconteça ou o que se diga, o mundo continuará comprando aqui.


Mas coligação de peso é a que passa pelos bancos, grandes indústrias (química, por exemplo) , instituições financeiras (plataformas de investimentos), empresas de ponta no setor digital (aplicação de inovação digital na agricultura, por exemplo), serviços e varejo de massa (por suas ligações com o exterior). Elas se entendem como parte de grandes cadeias internacionais, o que significa levar em grande consideração o que vai pela cabeça de massas de consumidores - e as preocupações de acionistas idem.


Estabeleceram com o presidente do Conselho da Amazônia, o general Hamilton Mourão, uma espécie de interlocução que se faz notar, por exemplo, na maneira como o vice-presidente reagiu ao anúncio de Biden de que retornaria aos acordos do clima de Paris - mais uma vez, a voz de Mourão é abertamente dissonante em relação à de Bolsonaro. Aliás, na cabeça dos executivos desses grupos a vitória de Joe Biden é vista como uma excelente oportunidade de, pelo menos, restaurar parte das cadeias produtivas globais. E fala-se da China com bem menos hostilidade política.


Nenhum desses dirigentes admite em conversas particulares enxergar qualquer vantagem no isolamento internacional a que as posturas de política externa de Bolsonaro levaram o País, e simplesmente ignoram o que diz o governo. Olham para os acordos de comércio recentemente assinados na Ásia (abrangendo 30% do PIB mundial e alguns países "ocidentais" como a Austrália, por exemplo) e examinam em grupos nutridos de análise da situação internacional como não perder o bonde (mais um).


Nesse sentido, a anunciada adesão do Brasil à iniciativa americana de "rede limpa" (clean network), que exclui a chinesa Huawei do 5G brasileiro, foi considerada prematura e desnecessária também por militares envolvidos em programas de Defesa- e que não viram na dedicação de Bolsonaro a Trump qualquer vantagem prática em termos de acesso a tecnologias sensitivas (notadamente nos setores nucleares e de mísseis) tradicionalmente bloqueadas por governos americanos, democratas ou republicanos.


Qual o resultado de tudo isso: será o retorno às deliberações multilaterais (incluindo o acordo de Paris), a moderação na resposta às críticas à política ambiental, mais cuidado no trato com parceiros comerciais importantes na Ásia e Oriente Médio e a reiteração (bem antiga, já) aos que controlam tecnologias de Defesa de que somos internacionalmente "adultos e responsáveis". Em outras palavras, é deixar a área externa do governo, incluindo filhos, assessores e alguns ministros de Bolsonaro, falando sozinhos.


Os principais freios à política externa de Bolsonaro vêm da iniciativa privada

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

A transição(Monica de Bolle, Estado, 25 11 2020)

 MONICA DE BOLLE - A transição


quarta-feira, 25 de novembro de 2020 


 

O Estado de S. Paulo  / Economia


MONICA DE BOLLE


No fim, as profecias mais pessimistas sobre "o fim da democracia americana", entoadas com ar de gravidade por diversos analistas nos EUA e no Brasil, não se confirmou. E era mais do que esperado que não se confirmasse. Como escrevi tanto neste espaço quanto em coluna para a revista Época, Donald J. Trump gosta de quebrar porcelana, mas, quando se trata das instituições deste país onde vivo há muitos anos, entre idas e vindas, tudo funciona conforme se espera.


O Judiciário descartou praticamente todas as tentativas de Trump de subverter as eleições, muitas das quais risíveis. Cenas absurdas marcaram as semanas que transcorreram desde 3 novembro, e a elas voltarei em um instante. Além do Judiciário, as legislaturas estaduais, os responsáveis pela certificação das eleições, entre outros, não se deixaram abalar pelas investidas do ainda presidente, que já havia desistido de governar para se entregar a tentativas esdrúxulas de invalidar as eleições e a rodadas de golfe nos fins de semana. Prevaleceu o que prevaleceria: a vitória do presidente eleito, o democrata Joe Biden.


Para falar sobre a transição de Biden, é preciso discorrer sobre os absurdos que testemunhamos desde a coletiva no estacionamento da hoje famosa Four Seasons Total Landscaping. Para quem não se lembra do episódio, ele aconteceu no dia em que Biden foi declarado vencedor pelos principais veículos de notícias. Nesse dia, Rudy Giuliani, advogado de Trump, convocou a imprensa para falar sobre a estratégia jurídica da campanha. Desafortunadamente para ele - para muitos foi uma delícia -, alguém da equipe apontou e acertou no Four Seasons errado. Por força do erro, a entrevista se deu não no sofisticado hotel, mas em um dilapidado estacionamento que fica entre o crematório e a "Ilha da Fantasia", nome do sex shop ao lado. A Four Seasons Total Landscaping desde então faz sucesso com a venda de camisetas e máscaras protetoras com dizeres variados.


O segundo episódio dentre aqueles absurdos se deu na semana passada, quando um Giuliani de aparência desarranjada suava em frente às câmeras, a tinta do cabelo escorrendo pelas bochechas. A imagem foi menos lúdica do que a do famoso estacionamento, mas, no conjunto, os dois episódios ilustram bem por que o ar grave no trato do resultado das eleições e as sentenças de morte da democracia eram descabidos. O que havia era não um ato ominoso, mas uma chanchada, algo burlesco.


Na segunda-feira, a agência responsável liberou os recursos federais e deu permissão para que a transição se inicie. Mas Biden não está perdendo tempo. Antes mesmo de ser "oficializada" a troca de comando, já tinha se reunido com aqueles que pretendia indicar para os cargos mais importantes. Em pouco mais de um par de dias, anunciou quem seriam os principais assessores da Casa Branca, quem ocuparia a chefia do Departamento de Estado, do Tesouro, da Segurança Nacional, entre outros. Para o Departamento de Estado, escolheu Antony Blinken, diplomata de carreira, tarimbado e experiente tanto em assuntos externos quanto em temas de segurança nacional. O presidente eleito sinaliza, assim, que seu governo retomará as rédeas do multilateralismo achincalhado por Trump e por adeptos da tese do globalismo malvado mundo afora. Tal grupo inclui vários membros de alto escalão do governo Bolsonaro, gurus de seus filhos, além de seus filhos.


Para o Tesouro, Biden chamou Janet Yellen. Yellen foi a primeira mulher a presidir o Fed, durante o governo Obama. Agora ela será a primeira mulher a chefiar o Tesouro. Tive o prazer de conhecê-la e estar com ela em várias ocasiões aqui em Washington, tanto em palestras no Peterson Institute for International Economics, onde trabalho, quanto em ocasiões mais prosaicas. Yellen era frequentadora assídua de uma cafeteria onde eu costumava almoçar antes da pandemia. Sempre em companhia ilustre, a economista nunca deixou de me cumprimentar. Yellen reúne qualidades únicas: é uma acadêmica de peso, além de uma grande gestora de política econômica. Sua visão sobre os males que afligem os EUA passa por um entendimento sofisticado e abrangente das mazelas estruturais responsáveis pela desigualdade no país. É de alguém como ela que precisamos na futura liderança do Ministério da Economia.


A transição de Biden, ainda que a pandemia esteja se agravando por aqui, tem deixado claro algo que precisa ser internalizado também no Brasil. Os surtos de anomalia aguda, os gravíssimos acidentes históricos representados pela ascensão de Trump e de Bolsonaro, são parte da história. Vêm e vão. O Brasil não está destinado a perecer nas mãos da incompetência, assim como não o estavam os EUA. Tudo muda. Tudo está sempre em transição.


ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Talentos para o petróleo(Décio Oddone, 23 11 2020)

 23/11/2020 09:40 - DÉCIO ODDONE: 

É PRECISO CONTINUAR ATRAINDO OS TALENTOS NECESSÁRIOS PARA O SETOR DE PETRÓLEO E GÁS 

Com a queda dos preços causada pelo Covid-19, as empresas de petróleo e gás natural adotaram a receita clássica. Custos, investimentos e empregos foram cortados. O advento do petróleo forjou o mundo moderno. Até os anos 1970, no entanto, a atividade estava concentrada em terra. A indústria se sofisticou a partir das duas crises que mudaram o mundo e estimularam a busca de petróleo no mar. A utilização cada vez mais intensa de novas tecnologias foi uma espécie de ida à lua da indústria do petróleo, que passou a adotar inovações em ritmo acelerado. Se fortaleceram as grandes operadoras e prestadoras de serviço. A maior complexidade das operações marítimas demandou desenvolvimentos tecnológicos e a contratação de grande número de engenheiros, geólogos, economistas e administradores. A indústria passou a ser mais atraente e a oferecer melhores benefícios. Não teve dificuldades para atrair os melhores profissionais. A queda de preços de 1986 trouxe o primeiro grande ajuste, com uma onda inédita de demissões. 

Quando, mais de uma década depois, a cotação voltou a subir, o setor, já enfrentando a concorrência das companhias de tecnologia digital, encontrou dificuldades para atrair empregados nas regiões de economia mais diversificada. O advento do shale revolucionou a indústria e o mercado de trabalho nos EUA, tendo sido responsável por uma nova leva de contratações. Os salários em locais como Dakota do Norte chegaram a ser os maiores do país. No Brasil, a euforia do início da década passada foi substituída pela debacle de 2014 e 2015. Quando a retomada iniciada em 2016 começou a tomar forma, vieram a pandemia e os cortes vivenciados recentemente. Na crise anterior, uma vez recuperado o preço, não houve grandes problemas para contratar. A situação agora é diferente. Se acentuou a competição pelos profissionais mais promissores que ingressam no mercado de trabalho. Áreas como as de energia renovável e tecnologia podem parecer mais atraente que uma indústria que começa a ver queda de demanda, em função da aceleração da transição energética. 

O consumo de petróleo e gás continuará relevante por décadas. Para se manter competitivo, o setor precisará continuar atraindo talentos. Fazer isso, ao mesmo tempo em que a sociedade se moderniza, as energias limpas avançam, as formas de comportamento e trabalho se adaptam aos novos tempos e os hidrocarbonetos caminham lentamente para a obsolescência será um desafio. Superá-lo vai demandar conhecimento, atitude e capacidade de gestão. Nos debates sobre como superar a pandemia dois conceitos foram lembrados: “O paradoxo Stockdale” e “O efeito Dunning-Kruger”.

 O primeiro faz referência ao General Stockdale, militar americano de mais alta patente capturado no Vietnã. Relatos dão conta que a sua liderança foi fundamental para a manutenção do moral dos prisioneiros de guerra. Sua tese: em uma situação de crise, um líder deve ser brutalmente honesto e apresentar bases razoáveis para esperança. O segundo trata da incapacidade que os indivíduos têm de reconhecer suas próprias limitações. Indica que pessoas que têm pouco conhecimento de um tema tendem a acreditar que sabem mais que outros, que apresentam maior familiaridade com o assunto, e vice-versa. O paradoxo Stockdale e o efeito Dunning-Kruger servem para ilustrar como o papel da liderança impacta um grupamento humano. A indústria do petróleo se caracterizou por oferecer um ambiente de trabalho estimulante, com perspectivas de longo prazo e planos de carreira. As viagens a trabalho, a participação em eventos e os treinamentos eram parte da rotina, como a atuação em várias regiões ou países. Como a integração das equipes e a manutenção da cultura corporativa eram importantes, a empresa definia os caminhos que os seus profissionais deviam seguir. 

Os novos profissionais assumem um papel cada vez mais ativo na gestão das suas carreiras e valorizam mais a mobilidade profissional. A troca de emprego e de setor são cada vez mais comuns. Os jovens estão mais atentos para questões como meio ambiente, diversidade de gênero e de oportunidades, reputação organizacional, internet das coisas, digitalização e inteligência artificial. A pandemia está provocando mudanças de comportamento. No novo normal, a flexibilidade e a capacidade de adaptação serão mais importantes. As viagens profissionais e as participações em eventos e em treinamentos externos devem se reduzir. Como criar, manter, divulgar e aperfeiçoar a cultura de uma organização serão temas de debate. Formas inovadoras de integração e capacitação deverão ser desenvolvidas. A justiça e a diversidade no ambiente de trabalho e a motivação dos funcionários que permanecerem em casa ou que frequentarem o escritório de forma mais esporádica devem ser estimuladas. As avaliações de desempenho devem ser feitas de forma a dar oportunidades a todos, não só aos que tiverem proximidade física com os gerentes. Questões como equidade, reputação, governança e a adoção de novas tecnologias e práticas de gestão vão estar cada vez mais presentes no cotidiano das empresas. 

Nesse novo ambiente, as lições de Stockdale, Dunning e Kruger não devem ser esquecidas. Os líderes do setor precisarão ser brutalmente honestos com as equipes nesses tempos de mudanças constantes e rápidas. Devem admitir que a transição energética está a caminho, mas recordar que o petróleo e o gás têm espaço garantido na matriz energética global por várias décadas ainda. Necessitarão reconhecer suas próprias limitações e perceber que novas práticas e habilidades devem ser incorporadas ao dia a dia das suas empresas. Devem aceitar que comportamentos e atitudes que não eram importantes no passado serão cruciais no futuro. Só assim serão capazes de atrair os talentos necessários para dar continuidade à longa trajetória de sucesso da indústria de petróleo e gás. 

 Décio Fabrício Oddone da Costa é engenheiro e 

CEO da Enauta S.A. 

Escreve mensalmente para o Broadcast. 

Este artigo representa exclusivamente a visão do autor.


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

O ovo da serpente(Luiz Carlos Trabuco Cappi, Estado, 23 11 2020)

O ovo da serpente


segunda-feira, 23 de novembro de 2020


O Estado de S. Paulo  / Economia


LUIZ CARLOS TRABUCO CAPPI


Bem mais precioso que uma sociedade pode legar aos seus cidadãos, a educação é uma das maiores vítimas dos efeitos destrutivos da pandemia de coronavírus. O fechamento compulsório de escolas, o isolamento de estudantes e as incertezas sobre a retomada de atividades presenciais restringiram, ao longo deste ano, o acesso ao ensino. Nessa medida, a desigualdade educacional se agravou.


É uma evidência que alunos com melhor acesso à tecnologia e suas ferramentas, da conexão firme e veloz à internet ao uso de iPads de última geração, têm melhores meios de mitigar os danos causados pela abrupta interrupção do ano letivo e a rápida introdução do ensino a distância.


Global, o fenômeno ganha relevância em países nos quais as diferenças sociais são mais acentuadas, como é o caso do Brasil. Esse desequilíbrio aumenta o déficit educacional. O preço a pagar projeta danos irreversíveis. Uma sociedade deficiente em educação não avança e, pior, aponta para o atraso. Forma cidadãos sem conteúdo para compartilhar conhecimento, construir sonhos e forjar oportunidades econômicas. Cria uma geração sem esperança.


É o ovo que gera a serpente da desinformação, da proliferação das fake news e da polarização política perigosa. Engessa o progresso, divide a cidadania, anula a solidariedade e radicaliza o individualismo. A deseducação é o que põe em risco a democracia.


A contraface dessa moeda é paz e prosperidade. Enfrentar com prioridade a questão da educação envolvendo soluções que unam governo, iniciativa privada e setores que acumulam massa crítica sobre o tema trará ganhos a todos.


O ensino abre portas para o desenvolvimento inclusivo, meio mais eficaz de combater as desigualdades. Aprimora e reforça os valores civilizatórios. Barra humilhações à Nação e seu povo.


A educação impulsiona política social de base ampla - abarca da criança ao jovem adulto, proporcionando desde o acesso à merenda, nos primeiros anos, ao emprego e renda, no curso da formação. O filósofo Immanuel Kant definiu o ensino como "o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade".


Os indicadores atuais mostram a dimensão do desafio. Em 2019, somente 27% da população com 25 anos ou mais exibiam o ensino médio completo, enquanto 32% nessa faixa etária não tinham concluído o ensino fundamental. A evasão no ensino médio atingiu 18% entre jovens de 19 anos. Apenas 21% dos brasileiros de 24 a 35 anos têm ensino superior, segundo a OCDE, ante 70% na Coreia do Sul. As instituições privadas de ensino superior calculam que 400 mil dos seus 6,5 milhões de alunos deixaram de estudar este ano por conta da pandemia, maior evasão já registrada.


A inversão dessas tendências é tanto mais complexa pela delicada situação fiscal que o País atravessa. Não conseguimos hoje sequer sonhar com uma situação como a da Alemanha, cujo governo anunciou um aporte de ? 160 bilhões, no período de 2021 a 2030, para universidades e centros de pesquisa.


O Brasil precisa de criatividade e sentido de urgência para encontrar os caminhos de um sistema educacional moderno e inclusivo em todos os níveis. A educação a distância, que os especialistas dizem ter vindo para ficar, é nossa aliada nessa corrida, mas é preciso equalizar os acessos à tecnologia a todas as camadas da sociedade, e isso demanda investimento. A qualificação de professores é outra condição para que o País saia do risco de apagão no setor que ilumina o futuro.


Os investimentos em educação têm maturação de longo prazo. Muitas vezes, os governantes preferem se ocupar de outras áreas, em busca de um reconhecimento mais rápido, do que tratar desse setor basal. Considerar, porém, a educação como uma rubrica de gastos incômodos leva à perpetuação do atraso.


Para nossa sorte, o nonagenário educador americano e ex-presidente de Harvard Derek Bok já esclareceu esse dilema: "Se você acha a educação cara, experimente verificar os custos da ignorância."


"Uma sociedade deficiente em educação não avança e, pior, aponta para o atraso"


PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO.



Home office e inovação: um casamento difícil(CB, 23 11 2020)

 Vivaldo José Breternitz - Home office e inovação: um casamento difícil


segunda-feira, 23 de novembro de 2020


 

Correio Braziliense  / Opinião


» Vivaldo José Breternitz Doutor em ciências pela Universidade de São Paulo


A Microsoft acaba de publicar os resultados de uma pesquisa que desenvolveu acerca do trabalho na modalidade home office, que no exterior é mais conhecido como work from home, ou WFH. Foram ouvidos nove mil executivos e funcionários de empresas que operam em 15 países da Europa. O número de funcionários se dizendo satisfeitos por trabalhar em casa chegou a 69%, com justificativas como economia de tempo para deslocamento e de dinheiro, por fazer refeições em casa, a possibilidade de uso de roupa informal, de personalizar o ambiente de trabalho, de trabalhar próximo aos seus animais de estimação etc.


Também da parte dos gestores, algumas conclusões esperadas ficaram evidentes, como a possível redução de custos com escritórios. Mas, algumas informações interessantes vieram à tona, como a de que a esperada queda na produtividade dos empregados não aconteceu: 82% dos executivos disseram que a mesma se manteve ou aumentou. Além disso, acreditam que a oferta de oportunidades de trabalho na modalidade WFH será um fator que ajudará a reter seus atuais empregados e atrair novos talentos.


Acredita-se que esses números relativos à produtividade se devem ao fato de os funcionários não terem sua atenção desviada, como no escritório, por movimentos, ruídos e conversas com colegas. Pesquisa de 2019 mostrou que 52% apontavam estas como causas de perda de tempo, número que caiu para 41% após o início da pandemia.


Analisando os resultados da pesquisa, parece claro que as empresas devem, no pós-pandemia, manter políticas flexíveis para trabalho WFH. Essa é também a opinião do professor Michael Parke, da Wharton School da University of Pennsylvania, um dos responsáveis pela pesquisa, que chama nossa atenção para alguns temas mais delicados levantados, entre eles o fato de empregados perderem o senso de propósito de seu trabalho, que é obtido quando mantêm relações próximas com seus colegas e podem entender como suas tarefas se conectam com as de seus colegas e contribuem para que a organização atinja seus objetivos. Trabalhando de casa, fica muito mais difícil estabelecer e manter essas relações, levando os funcionários a se sentirem desconectados de sua empresa e, consequentemente, impactando a capacidade de inovação da mesma.


A pesquisa de 2019 apurou que 56% dos executivos consideravam suas empresas inovadoras em termos de produtos e processos. Esse número caiu para 40% neste ano, fato que se deve, na opinião dos entrevistados, pela impossibilidade da proximidade física e na dificuldade para a realização de brainstormings a distância.


Um recente estudo, conduzido pela HP, chegou a conclusões semelhantes, apontando também queda na lealdade dos empregados à empresa, especialmente no caso de pessoal mais jovem. Aproximadamente a metade dos pesquisados pertencentes à Geração Z, aqueles nascidos a partir de meados dos anos 1990, disseram sentir-se desconectados da cultura da empresa.


Manter talentos que se sentem assim é um desafio crítico para as organizações. Para continuar inovando, fator crítico para seu sucesso, a Microsoft recomenda aos seus gerentes de nível médio que empoderem seus subordinados, dando-lhes tarefas com mais responsabilidade e mais autonomia para tomada de decisões. Isso é mais fácil de dizer do que fazer, já que 60% dos profissionais da Microsoft que ocupam cargos desse nível disseram não se sentir preparados para trabalhar dessa forma.


Teremos tempos difíceis à frente: certamente as coisas não voltarão a ser como eram e, também, não permanecerão como estão. Para garantir seu crescimento e perenidade, as empresas só não podem fazer uma coisa: aguardar o desenrolar dos acontecimentos.

domingo, 22 de novembro de 2020

Catar: a dois anos do sonho(Correio Braziliense, 21 11 2020)

A dois anos do sonho

Copa começa daqui a exatos 730 dias. Atacante brasiliense Tiago Bezerra e meia Rodrigo Tabata contam ao Correio como estão as obras no badalado país árabe. Lusail, cidade erguida do zero para a final, já é atração

sábado, 21 de novembro de 2020 


 Correio Braziliense  / Esportes


Marcos Paulo Lima


O brasiliense Tiago Bezerra é um privilegiado. A dois anos da Copa, com jogo de abertura programado para 21 de novembro de 2022, no Al Bayt Stadium, em Al Khor, o atacante do Al-Sailiya, nascido em Sobradinho, pode se dar o luxo de passear pelo Catar sentindo o cheirinho de novo das instalações do país do Golfo Pérsico para a 22ª edição do megaevento da Fifa. Um dos destinos da moda na nação de 11.571km² -- pouco mais da metade da área de Sergipe (21.910km²), o menor estado brasileiro -- é a recém-construída Lusail. A cidade planejada em meio ao deserto para receber a final foi erguida do zero. Abriga o Lusail Stadium, com capacidade para 80 mil torcedores.


A primeira Copa no Oriente Médio terá oito arenas. Cinco estão prontas: Al Bayt Stadium, Education City Stadium, Al Rayyan Stadium, Khalifa International Stadium e Al Janoub Stadium. Os outros três estádios só não estão prontos devido aos efeitos colaterais da pandemia, mas a velocidade das obras prevê as entregas do Lusail Stadium, Ras Abu Aboud Stadium e Al Thumama em 2021. O primeiro estádio brasileiro inaugurado para a Copa de 2014 foi a Arena Castelão, em dezembro de 2012, ou seja, faltando um ano e meio para o início da competição.


Não há comparação entre as capacidades de investimento. Turbinado por gás natural e petróleo, o Catar é um dos países mais ricos do planeta no quesito PIB per capita -- Produto Interno Bruto divido pelo número de habitantes. A projeção do Banco Mundial para o Catar em 2020 é R$ 126 mil, oito vezes mais do que a estimativa da instituição para o Brasil (R$ 15,4 mil).


Apelidada de cidade-fantasma quando começou a sair do papel, a cidade anfitriã da final já tem vida própria. Cerca de 45 mil operários colocaram o município de pé. Erguê-la teria custado R$ 176 bilhões ao governo do emir Tamim bin Hamad. Do montante, R$ 3 bilhões aplicados no Lusail Stadium. O dobro do valor aplicado pelo Governo do Distrito Federal na construção do Mané Garrincha, a arena mais cara da Copa disputada no Brasil.


Tiago Bezerra mora na capital Doha, em um bairro chamado Pearl. É vizinho de Lusail. "Fica a cinco minutos", conta. Encantado, o brasiliense está tentado a trocar de cidade. "A gente (família) quase foi para lá. Tem casas, apartamentos. Ainda não abriram a área da praia. Aqui, é tudo de outro mundo", impressiona-se o jogador.


Sonho de consumoA proximidade dos bairros permitiu a Tiago observar a evolução das obras no Lusail Stadium. "Cheguei aqui no Catar em janeiro de 2019. Vi a construção desde o início. Passo lá todo dia. Foi uma obra rápida. Falta só o acabamento". Afinada com a cultura local, a arena tem um formato personalizado. Conta um pouco da história do país. O desenho faz referência a tigelas e vasos encontrados há séculos em todo o mundo árabe.


Com arenas lindas e modernas para todo lado, Tiago elege a predileta. "Por enquanto, o Al Bayt Stadium é o mais bonito. A arquitetura impressiona". O estádio recebeu o nome em homenagem a um verso poético árabe: "bayt al shaar", referência às tendas usadas pelos povos nômades do Catar e na região do Golfo Árabe.


Quer uma impressão de como o Catar pretende surpreender? O McDonad's construiu uma réplica da tenda do Al Bayt Stadium, ao lado da arena, para receber os famintos frequentadores do estádio sede do jogo de abertura.


"Lusail fica a cinco minutos da minha casa. Quase fomos morar lá. Aqui, é tudo de outro mundo"


Tiago Bezerra, atacante brasiliense do Al-Sailiya, time da primeira divisão da Qatar Stars League, a liga nacional do país


28 dias


Tempo de duração da Copa 2022, de 21 de novembro a 18 de dezembro


55km


Maior distância entre os estádios do próximo Mundial. Estima-se que é possível ver três jogos em um dia


Sete perguntas para...


Rodrigo Tabata, meia brasileiro do Al Sadd e ex-jogador da seleção nacional do Catar


Como imagina o Catar em 21 de novembro de 2022?Muito lindo. Com uma estrutura incrível. A Copa vai ser na melhor época do ano aqui no Catar, com aquele frio gostoso à noite. O clima é esse no momento.


Lusail está 85% pronta. Você tem ido lá?Sim. Tem bastante gente morando, tem restaurantes. Recentemente, uns amigos meus estavam aqui e os levei a Lusail. É pequeno, mas, ao mesmo tempo, gigante. Você anda uma hora e não termina. Até pouco tempo, ali era só deserto e água do Golfo. Aqui, eles não brincam em serviço (risos).


E o Lusail Stadium, palco da final. Qual é a maior ostentação possível?Esse estádio será sensacional. Um multimilionário, por exemplo, pode ancorar no mar e ter acesso privativo direto ao estádio. Mas, isso é privilégio de alguns. A obra é gigante.


Fez o "test-drive" em alguma arena da Copa?Treinamos no Al-Bayt e no Al-Rayann. Os dois são top. A tenda árabe (Al Bayt) é a mais linda (arena). Incrível. A velocidade com que eles constroem é sensacional. Sonham com uma Olimpíada aqui.


O que os astros da Copa vão curtir?Os deslocamentos das seleções. Isso é fantástico. Vai ser rápido. Testamos isso aqui na Champions League da Ásia. A mobilidade impressiona. Ninguém fica muito tempo dentro do ônibus. Aí, no Brasil, o Catar demorou mais de duas horas para chegar ao Morumbi no jogo da Copa América (em 2019, contra a Colômbia).


Os embargos dos países vizinhos ainda atrapalham?O Catar está produzindo alimentos para não depender. Você vai ao supermercado e já nota a diferença, encontra produtos nacionais.


Quais são os planos até a Copa?Quero jogar até 2022 e fixar residência aqui. Minha mulher ama o Catar. Meus filhos estão adaptados. Foram alfabetizados em inglês, falam português e francês, que é uma opção de idioma aqui. Estamos adaptados.


Imponente e futurista


Anfitriã da final da Copa do Catar em 2022, Lusail tem 38km². É menor do que a Região Administrativa do  Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) no Distrito Federal. Projetada pela Qatari Diar, construtora da família real, a cidade atrai com o discurso de mobilidade, sustentabilidade e tecnologia. A projeção é de que o espaço acomode 450 mil pessoas, sendo 250 mil habitantes regulares. A dois anos do Mundial, a população é de 20 mil moradores.


Novinha em folha, Lusail já tem Universidade, escolas para todas as idades, postos de saúde, vários prédios de serviços governamentais (companhias de luz, água e infraestrutura), postos de polícia, marinas, áreas residenciais, resorts em ilhas, distritos comerciais, lojas de luxo, instalações de lazer, uma comunidade de campo de golfe, ilhas artificiais e vários distritos de entretenimento.


As obras continuam a todo vapor, mas Lusail está 85% pronta. Alcançará 100% em 2022. O serviço de transporte está pronto e funcionando. Há opções de metrô, VLT, ônibus, táxi convencional, por aplicativo e ciclovia.


Lusail hospeda uma academia do Paris Saint-Germain, clube bancado pelo Catar, federação do tiro, circuito de GP de Motovelocidade, abrigou o Mundial de Handebol, em 2015, numa das quadras esportivas mais sofisticadas do planeta, em que o Catar conquistou a medalha de prata, e passou a contar com um time de futebol.


O Lusail Sports Club, com sede em Lusail, foi fundado neste ano e disputa a segunda divisão da Qatar Stars League, como é chamada a liga nacional do país. "A projeção é de que eles subam para a primeira divisão em três anos. É um projeto ambicioso da família do emir", conta o atacante brasiliense Tiago Bezerra.


Os inúmeros atrativos em um espaço tão pequeno miram o futuro. O governo deseja desenvolver uma economia baseada no conhecimento, que não dependa tanto do gás natural e do petróleo. A projeção é transformá-la  em uma espécie de centro de pesquisa e desenvolvimento.

O risco de uma geração(Estado, 22 11 2020)

O risco de uma geração


domingo, 22 de novembro de 2020 


O Estado de S. Paulo  / Notas e Informações

Cenário Político-Econômico: Colunistas

A crise desencadeada pela pandemia de covid-19 poderá aprofundar ainda mais a desigualdade econômica e social no País, uma de nossas mais renitentes mazelas. A necessidade de contribuir para a renda familiar, ou mesmo para garantir a própria subsistência, pode levar milhões de jovens de baixa renda a abandonar os estudos em busca de um emprego. No limite, o ano letivo perdido poderá subtrair R$ 1,5 trilhão da renda dos brasileiros nos próximos 50 anos, de acordo com uma projeção feita pelo economista Ricardo Paes de Barros, do Insper, um dos maiores especialistas em desigualdade no País.


Cada ano de estudo perdido limita a oferta de oportunidades de trabalho para esses jovens e, consequentemente, sua remuneração. Esse déficit educacional é um desastre individual e coletivo. O jovem com baixa escolaridade terá de superar barreiras praticamente intransponíveis para construir um futuro melhor para si e sua família. Com excesso de mão de obra menos qualificada, a produtividade do País, há muito tempo um dos entraves para o desenvolvimento, também tende a cair cada vez mais, alimentando um círculo vicioso que mantém o Brasil aferrado ao atraso.


O estrago só não se consumará como a pior projeção feita por Paes de Barros porque uma parte dos alunos conseguiu manter algum tipo de atividade educacional por meio remoto em 2020; e porque aquele número desolador pode servir como um despertar de consciência para as autoridades responsáveis por planejar e executar políticas na área de Educação.


A propósito, o que tem feito o Ministério da Educação (MEC)? Qual será o plano do ministro Milton Ribeiro para coordenar em nível nacional com os secretários estaduais e municipais de Educação uma volta às aulas segura? O Estado tenta obter um posicionamento do MEC sobre esse tema fundamental para o País desde o dia 23 de outubro, sem sucesso. No final de setembro, convém lembrar, o ministro Ribeiro praticamente lavou as mãos ao afirmar que "acesso à internet e volta às aulas não são temas da pasta" que está sob sua responsabilidade. O que haveria de ser, então? Mais não disse.


Só não se pode afirmar que "lavar as mãos" tenha sido a tônica da atuação do governo do presidente Jair Bolsonaro no curso da pandemia porque não foram poucas as vezes em que o próprio presidente sujou as suas para, pessoalmente, sabotar ações corretas adotadas por governadores e prefeitos, amparadas pela comunidade científica.


A ironia desse descalabro é que Bolsonaro sempre se defendeu argumentando que buscava "proteger a economia", cuja debacle, em suas palavras, "mataria muito mais do que o vírus". Pois é o obscurantismo do presidente da República um dos maiores riscos à vida e à atividade econômica nessa hora tão grave para o País.


Os jovens fora da escola não poderão se beneficiar do que os economistas e especialistas em educação chamam de "efeito-diploma". Os alunos que concluem o ensino médio, em geral, têm um incremento de R$ 212 na sua renda mensal, de acordo com uma estimativa do economista Naércio Menezes Filho, do Centro de Políticas Públicas do Insper. A cada ano de estudo até a conclusão do ensino médio, o incremento na renda mensal do estudante é de R$ 70. O impacto benfazejo do chamado "efeito-diploma" é ainda mais substancial no ensino superior, cuja conclusão é capaz de dobrar a renda média do trabalhador.


A inação do governo federal diante da emergência sanitária tem causado muitos danos ao País. As mais de 165 mil vidas perdidas para a covid-19 são a face mais dolorosa da negação da gravidade da doença e do desdém de Bolsonaro pelo bem-estar dos brasileiros. Mas tantas outras vidas, de milhões de jovens, também podem ficar aquém de suas potencialidades porque não lhes foram dadas as condições para seguir estudando.


A desarticulação das esferas de governo para formular e executar ações concretas para mitigar os efeitos da pandemia sobre esses jovens não põe em risco apenas o futuro de cada um deles. Atrela os dramas individuais ao destino da Nação.


Milhões de jovens podem abandonar os estudos por falta de amparo na pandemia

Paris, Pandemia


 

sábado, 21 de novembro de 2020

Biden não hostilizará o Brasil(Paulo Sotero, Estado, 21 11 2020)

 Biden não hostilizará o Brasil


sábado, 21 de novembro de 2020 


 

O Estado de S. Paulo  / Espaço Aberto

Cenário Político-Econômico: Colunistas

Paulo Sotero


O governo de Joseph Biden não hostilizará o Brasil. Mas não terá tempo para o País enquanto arautos do trumpolavismo e passadores de boiada derem cartas em Brasília. Como pouco ou nada se espera em Washington do presidente do Brasil, a ausência dos cumprimentos protocolares ao presidente eleito dos EUA não faz diferença. Já os comentários de Jair Bolsonaro e de membros de seu séquito sobre o processo eleitoral americano pesam e pesarão contra o País.


No momento apropriado, a futura administração em Washington buscará um diálogo construtivo com o Brasil em duas questões prementes de interesse mútuo. A mais urgente é a contenção do vírus que tem aliados em Bolsonaro e Trump e fez dos dois países os maiores necrotérios mundiais de covid-19, com mais de 400 mil mortos entre eles - um número que pode dobrar antes de ser controlado no ano que vem. Os assessores do presidente eleito dos EUA sabem da qualidade da medicina sanitária no Brasil e de sua capacidade na produção de vacinas em escala industrial. Ajudaria, é óbvio, que o País tivesse um ministro da Saúde à altura do desafio posto pela segunda onda do vírus em pleno curso no Hemisfério Norte e que, inevitavelmente, chegará ao Brasil.


O segundo assunto premente de interesse mútuo é a contenção do aquecimento global. Um dos primeiro atos do presidente Biden, em janeiro, será a readesão dos EUA à Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, que Trump abandonou. Lançada na Rio-92, a convenção produziu um acordo histórico em Paris, em dezembro de 2015, sobre a redução voluntária pelos países signatários de suas emissões dos gases poluidores a níveis que mantenham o aquecimento da atmosfera abaixo de dois graus centígrados. As emissões brasileiras estão entre as maiores e derivam, principalmente, do desmatamento e da expansão desordenada da pecuária no arco da Amazônia.


De imediato caberá a atores e instituições da sociedade civil brasileira cultivar laços com a nova administração e compensar as faltas do governo, que é obviamente pior que a Nação. Brasília ajudará se não der palpites sobre a crise potencialmente gravíssima provocada pela resistência de Trump a reconhecer a vitória de Biden e sabotar a transição.


"Estou alarmado" com as ações desse "patife e fora da lei", afirmou à MSNBC o exgeneral Barry McCaffrey, ministro do governo Clinton e um dos militares mais condecorados de seu país, referindo-se a Trump. A fúria de McCaffrey, compartilhada por seus colegas ex-generais, foi provocada pela decisão de Trump de exonerar pelo Twitter o secretário da Defesa Mark Esper e trocar o alto comando do Pentágono por ideólogos inexperientes, da mesma laia dos amadores que compõem o gabinete do ódio incrustado no Palácio do Planalto, com o beneplácito de Bolsonaro. Trocas parecidas podem ocorrer no comando da CIA e do FBI, como no Departamento de Segurança Interna. Mudanças imprudentes, desnecessárias e injustificáveis às vésperas da troca do governo alarmam os generais e os especialistas civis em segurança nacional. O temor é que adversários dos EUA usem as oportunidades que elas obviamente oferecem e façam movimentos que requeiram uma resposta militar.


Tendo negado, durante a campanha, comprometer-se com uma transição ordeira de poder caso perdesse a eleição, Trump embarcou numa irresponsável estratégia para alimentar o caos - sua especialidade -, tumultuando a recontagem automática de votos nos Estados onde perdeu por pouco e aprofundando a divisão política e o ódio racial até as vésperas do início da nova administração. O palco da contenda são as acirradas disputas por duas vagas ao Senado federal no Estado da Geórgia, a serem decididas em segundo turno na primeira semana de janeiro. Elas criam espaço para Trump continuar a fazer estragos, com a ajuda da liderança do Partido Republicano, que conseguiu aumentar sua bancada na Câmara dos Representantes, onde é minoritário, e está na briga para manter a maioria no Senado, que perderá se os democratas elegerem dois senadores na Geórgia.


Esse é o tenso contexto no qual o Brasil não se deve meter, pois nada de relevante tem a dizer ou a ganhar e muito perderá dando opiniões em assuntos que não são de sua conta. Declarações de Bolsonaro prometendo "pólvora" se os EUA impuserem sanções contra o Brasil por conta do desmatamento na Amazônia preocupam - sobretudo por revelarem o despreparo do líder brasileiro. Sanções contra o Brasil inevitavelmente virão, mas de países da Europa importadores de nossos produtos agrícolas, e/ou sob a forma do sepultamento do acordo comercial Mercosul União Europeia, já há tempo nas cordas.


Preocupa também a inclinação do atual comando do Itamaraty, instituição outrora respeitada, a dizer e fazer tolices, como vangloriar-se do novo status de pária internacional do País. Bravatas e declarações estúpidas mostram que a presença do Brasil na cena internacional deixou de ser indispensável.


Mas o presidente eleito dos EUA não terá tempo para o trumpolavismo de Bolsonaro


JORNALISTA, É PESQUISADOR SÊNIOR DO BRAZIL INSTITUTE NO WILSON CENTER, EM WASHINGTON

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Neil Tyson, sobre o Brasil


 

Emitir moeda para cobrir o rombo fiscal?(Celso Ming, Estado, 20 11 2020)


 Emitir moeda para cobrir o rombo fiscal?


sexta-feira, 20 de novembro de 2020 - 

 

O Estado de S. Paulo  / Economia


CELSO MING


O economista Raul Velloso, respeitado especialista em Contas Públicas, passou a defender velho expediente usado pelos chefes de Estado em situações de guerra: a pura e simples emissão de moeda para alimentar o Tesouro.


Essa emissão de moeda viria para substituir novas emissões de títulos de dívida no financiamento de despesas com auxílios emergenciais para enfrentar a pandemia, como sugeriu Velloso em entrevista ao jornal Valor Econômico de 18 de novembro. Também cobriria investimentos públicos para relançar a atividade econômica, hoje prostrada pelo rombo fiscal.


Velloso afirma com todas as letras que essas emissões de moeda não provocariam aumento da inflação. E porque são uma dívida pública que não cobra juros, também não aumentariam o passivo em títulos do Tesouro que adviesse da incorporação dos juros ao principal. Se tantos países já fazem isso, pergunta ele, por que o Brasil deveria continuar seguindo rigidamente a ortodoxia monetária?


Um discurso desses é mamão com açúcar para o governo Bolsonaro, que faz de tudo para refugar a exigência do teto dos gastos e que quer mais recursos para distribuir à população carente e, assim, encorpar seu cacife eleitoral.


Antes de prosseguir, algumas considerações. Quem primeiro recomendou "lançar dinheiro de helicóptero" em situações especiais - como para enfrentar grandes crises - não foi ninguém menos que o guru do monetarismo e da Escola de Chicago, Prêmio Nobel de Economia (1976), Milton Friedman. Foi também o que em 2008 repetiu para justificar suas emissões o então presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Ben Bernanke.


No Brasil, postura semelhante do Banco Central vem sendo defendida por um dos pais do Plano Real, o economista André Lara Resende. Para ele, a velha ordem monetária ruiu e, em seu lugar, deve ser adotada a Teoria Monetária Moderna (MMT, na sigla em inglês). Um dos pressupostos dessa teoria é o de que a inflação não é o resultado da expansão de moeda, mas das expectativas do mercado. Se as expectativas de inflação estão bem ancoradas, não há razões especiais para a disparada dos preços. Como consequência desse ponto de vista, além de sacrificar demais a população, as políticas baseadas na austeridade fiscal são burras e desnecessárias. E a dívida pública poderia perfeitamente ser rolada com base em prazos mais dilatados (substituição de dívida de curto prazo por dívida de longo prazo) para evitar o alastramento da desconfiança. Finalmente, os juros poderiam permanecer muito baixos e, nessas condições, deixariam de ser fator de aumento da dívida pública e, portanto, de fuga de capitais.


Quando afirmou no dia 10 que uma excessiva expansão da dívida poderia conduzir rapidamente à hiperinflação e que, se houver uma segunda onda da pandemia de covid-19, será necessário distribuir nova rodada de ajudas emergenciais, o ministro da Economia, Paulo Guedes, um dos discípulos da Escola de Chicago, parece inclinado, em situações extremas, a um despejo de moeda "por helicóptero".


A questão central é a de que a MMT se baseia em expectativas bem ancoradas, portanto num fator psicossocial que depende da confiança na política econômica e nos rumos da economia. Como o Brasil é terra de enforcados, falar em corda ou até não falar nela não deixa de ser problema.


E temos o que aconteceu nos últimos meses. Bastou a distribuição de auxílio emergencial para que se produzisse um estouro na demanda de alimentos e de materiais de construção. E a inflação, que parecia desmaiada, voltou a se pôr em pé.


Não basta argumentar que isso apenas aconteceu porque houve momentânea desorganização da oferta (desencontro de estoques) e desconsiderar o efeito do excesso de moeda.


Nos países em que, apesar da forte emissão de moeda, a inflação se mantém em torno de zero e 2% ao ano, além de forte confiança, houve e continua a haver grande "empoçamento" de liquidez. Ou seja, os recursos não circulam e não se multiplicam a ponto de produzir grande expansão de demanda - até porque as incertezas em relação ao futuro e à quebra de patrimônio pelos juros em torno de zero induziram o consumidor a não se atirar às compras.


Enfim, a economia brasileira teria de ganhar muito mais saúde e musculatura antes de adotar essas novidades.


COMENTARISTA DE ECONOMIA 

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Brasileiros anônimos que ganharam o Nobel da Paz(Correio Braziliense, 16 11 20)

 

Brasileiros anônimos que ganharam o Nobel da Paz


segunda-feira, 16 de novembro de 2020 


 

Correio Braziliense  / Opinião


João Guilherme Sabino Ometto Engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos - EESC/USP), empresá


Muitas vezes, ao longo de nossas vidas, ouvimos a expressão "A arte imita a vida". Quem tem o bom hábito dos livros ou do cinema, bem como presta atenção ao que está lendo e assistindo, seja realidade documentada ou ficção, com certeza lembra de várias referências às grandes tragédias do mundo. Obras do gênero ficção científica, por exemplo, mostram supostos regimes políticos opressores ou situações de violência pública em razão do esfacelamento do Estado, quando eventos catastróficos atingem a humanidade. De repente, porém, cá estamos nós, os quase oito bilhões de habitantes da Terra, enfrentando a gravíssima pandemia do novo coronavírus, como se fôssemos os personagens de um desses filmes apocalípticos.


A dura realidade presente está expressa no Documento Político Covid-19 e Cobertura Universal de Saúde, que acaba de ser divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em apenas nove meses após os relatos dos primeiros casos, a doença havia causado mais de um milhão de mortes e infectado 30 milhões de pessoas, em 190 países. Ademais, 500 milhões de empregos foram perdidos e pela primeira vez houve regressão global nos indicadores de saúde, renda, educação e condições da vida do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que criou o índice há 30 anos, em 1990. Cabe ressalvar que o relatório foi concluído e divulgado antes da segunda onda de contágio que se verifica na Europa e cujas consequências seguem imprevisíveis.


Em decorrência do agravamento da exclusão socioeconômica, a insegurança alimentar está aumentando. Dentro de um ano, quase 270 milhões de pessoas poderão morrer de fome, conforme alertou a presidente do Comitê Norueguês do Nobel, Berit Reiss-Andersen, ao anunciar o Prêmio da Paz em 2020, concedido ao Programa Mundial de Alimentos (WFP) da ONU. O reconhecimento é muito justo. Somente em 2019, foram atendidos 97 milhões de indivíduos em todo o planeta. Acredito ser importante frisar que dois terços do trabalho realizam-se em regiões afetadas por conflitos, onde as pessoas têm três vezes mais probabilidade de ficar subnutridas do que aquelas que vivem em países sem guerra.


Ao analisar os dados do organismo multilateral vencedor do Nobel da Paz, foi inevitável lembrar de uma questão relevante: com certeza, boa parte dos alimentos levados pelo WFP às milhões de pessoas necessitadas em todo o mundo, em meio às ameaças de cenários bélicos e de regimes opressores, é produzida pelas mulheres e os homens do meio rural de nosso país, incluindo milhares de pequenos e médios produtores, bem como as atividades agropecuárias de maior porte.


Esses brasileiros anônimos que, desde o início, estão na linha de frente na guerra contra a covid-19, enfrentando os riscos da pandemia para que milhões de pessoas possam se alimentar, são ganhadores eméritos do Nobel da Paz, concedido ao programa da ONU. Obviamente, não dividirão o polpudo valor em dinheiro recebido pelo WFP. Entretanto, merecem os aplausos de todos nós e do poder público, que poderia expressar seu reconhecimento, por exemplo, não aumentando os impostos do setor, como preveem projetos da reforma tributária em tramitação, reduzindo as taxas de juros dos créditos agrícolas, ainda altas, e ampliando a subvenção ao seguro rural, um fator muito importante para a segurança dos produtores.


O papel do Estado é importante como indutor do desenvolvimento, crescimento econômico, qualidade da vida, inclusão social e fomento de atividades essenciais, como a agropecuária. Também é decisivo para evitar a deterioração da política e do Estado de direito, no presente e no futuro, impedindo que eventos imponderáveis, como a covid-19, afetem a liberdade e as prerrogativas da cidadania de todos os indivíduos e da sociedade.


Celebremos, pois, a democracia em seu momento mais emblemático, exercemos o direito e o dever do voto nas eleições municipais de novembro. Escolhendo nossos governantes e representantes no Legislativo, somos tão protagonistas da política e do poder público quanto os nossos produtores rurais foram no Nobel da Paz em 2020.

Meryl Streep


 

domingo, 15 de novembro de 2020

À exaustão(Dorrit Harazim, Globo, 15 11 2020)

À exaustão


domingo, 15 de novembro de 2020 

O Globo  / Opinião


DORRIT HARAZIM


Biden derrotou Donald Trump por uma diferença que pode chegar perto de 7 milhões de votos populares. Um mundaréu. Biden também ultrapassou com folga os 270 votos eleitorais necessários para merecer a Casa Branca — o placar foi de 306 a 232. Mas festão de arromba dá ressaca. E a aldeia democrata que sacolejou como não fazia desde 2016 despertou para a realidade. Trump continua entrincheirado no Twitter, mantém quase intacto seu monopólio midiático, e o núcleo duro do Partido Republicano ainda o teme como líder de mais de 72 milhões de eleitores. Outro mundaréu. 


Também não dá para continuar a festança diante do ressurgimento tentacular da Covid no país. Ao longo das últimas semanas, a pandemia adquiriu contornos de crise humanitária nos Estados Unidos, comparável à mortandade no Japão causada pelo tsunami de 2004 ou ao terremoto de 2010 no Haiti. O novo coronavírus é apenas mais silencioso e longevo. E insidioso. 


O trunfo de Biden diante da birra existencial de Trump são os oito anos em que atuou como vice e parceiro diário de Barack Obama na Presidência. Ele não precisa de mapa —aprendeu e frequentou os meandros da Casa Branca como poucos. Precisa sim, e com urgência, de acesso irrestrito à máquina do governo para começar a formular políticas e inteirar-se do tamanho dos problemas que o aguardam. Ou não é para isso que servem as equipes de transição e os 72 dias de preparo entre a vitória nas urnas e a cerimônia de posse? 

Mas esse compartilhamento só funciona quando o ocupante de saída da Casa Branca é minimamente convencional, civilizado e temente ao lugar que ocupará na História. Ou seja, qualquer um menos Donald Trump. 

O atual presidente já deixou de simular interesse pela nação. Segundo relatos de assessores próximos, o comandante-em-chefe não tem qualquer estratégia além de se agarrar às chaves do poder até o meio-dia do dia 20 de janeiro. E poder, para Trump, significa dominar o noticiário, alimentar o suspense em torno de seus rompantes, pequenas e grandes vinganças, demissões bombásticas de última hora, do mistério de como se dará sua despedida. Ele espera assim manter aceso o engajamento dos seguidores para lançar a campanha Trump2024 —mesmo que ela seja fake.

Na verdade, existem apenas dois poderes presidenciais quase absolutos na democracia americana. O primeiro é o controle final do mandatário sobre o arsenal nuclear, envolto em minuciosos controles e salvaguardas até uma bomba ser de fato disparada. Mas continua válido o comentário de Richard Nixon durante um jantar na Casa Branca para membros do Congresso: “Eu poderia sair deste salão agora e, em 25 minutos, 70 milhões de pessoas estariam mortas”. Hoje seriam apenas 5, no máximo 7 minutos, até o disparo final e, para sorte do nosso planetinha, nem Nixon nem Donald Trump acionaram a ferramenta. 

O segundo poder quase absoluto do ocupante da Casa Branca consta do Artigo II, Seção 2 da Constituição americana e tem raízes na monarquia britânica do século VII: a concessão do perdão presidencial. A ideia de que brotou essa prerrogativa foi benigna, elaborada como contrapeso à severidade institucional da Justiça criminal. O artigo em questão contém apenas duas restrições. O perdão só pode ser concedido a quem praticou uma ofensa aos Estados Unidos (portanto, só é cabível para crimes federais) e não pode ser usado para casos de impeachment. 

Mas a Constituição de 1787 deixou em aberto uma questão que somente agora, no crepúsculo do mandato de Trump, adquire relevância —pode um presidente conceder clemência para si mesmo? Como essa hipótese não ocorreu a nenhum dos 44 presidentes antes do atual, a dúvida permaneceu restrita a interpretações de causídicos. Somente em 1974, com o impeachment e a renúncia de Richard Nixon em andamento, o Departamento de Justiça tomou a decisão de declarar que um autoperdão não deveria poder ser concedido, com base na lei fundamental de que ninguém pode ser juiz de seu próprio processo. Só que a leitura do 45º presidente é outra. Muito antes de ser derrotado nas urnas, Trump proclamou algumas vezes seu “direito absoluto de conceder perdão a mim mesmo”. Pode até ser tentador como apoteose final ou autoimolação de sua presidência disruptiva. Mas nem isso o livraria da penca de processos que o atormentam em tribunais estaduais. Segundo a CNN, o presidente se informa sobre o tema desde 2017, de forma obsessiva, inclusive inquirindo assessores sobre a possibilidade de conceder perdão por antecipação, na eventualidade de alguém próximo vir a ser condenado mais adiante. Espera-se, no mínimo, uma enxurrada de perdões para aliados puro-sangue que foram parar na cadeia por sua causa. 

Ou seja,Trump será Trump até a exaustão.

"Segundo assessores próximos, Trump não tem qualquer estratégia além de se agarrar às chaves do poder até o meio-dia do dia 20 de janeiro"

sábado, 14 de novembro de 2020

A Anvisa acertou?(Fernado Reinach, Estado, 14 11 2020)

A Anvisa acertou?


sábado, 14 de novembro de 2020 


 

O Estado de S. Paulo  / Metrópole


FERNANDO REINACH


Nos últimos dias, uma pessoa que havia recebido a vacina contra o SARS-CoV-2 da empresa chinesa Sinovac se suicidou. A Anvisa paralisou o estudo até que a morte fosse investigada. O comitê internacional que fiscaliza a segurança e a eficácia do estudo foi chamado e concluiu que a morte muito provavelmente não estava relacionada ao fato de a pessoa ter sido vacinada. A Anvisa liberou a continuidade do estudo. Isso é exatamente o que prevê o regulamento do estudo.


Infelizmente a guerra que está sendo travada entre o presidente Bolsonaro e o governador Doria criou a impressão de que a Anvisa não estava cumprindo sua função. E pior, tanto a suspensão do estudo, comemorada pelo presidente, quanto sua volta, comemorada como uma vitória política do governador, criaram a impressão de que nos dois eventos a Anvisa estava agindo sob pressão política e não de acordo com as regras. Que a pressão política existiu não resta dúvida, mas o fato é que tudo ocorreu exatamente como está previsto no regulamento do estudo.


Estudos com vacina sempre envolvem riscos para os voluntários. E a maioria participa sem ter completa compreensão dos riscos envolvidos. Por esse motivo eles precisam ser protegidos pelo conselho federal que aprova os aspectos éticos do estudo (Conep) e pela Anvisa, que supervisiona e aprova o resultado. Esses estudos são conduzidos com base em um plano de vacinação e uma série de regras que garantam que interesses financeiros (nesse caso do Instituto Butantã e do governo de São Paulo) ou interesses políticos (tanto do governador, que deseja transformar a vacina em capital eleitoral, quanto do governo federal, que deseja o fracasso da "vacina paulista") não influenciem o resultado do estudo. É por isso que em todo o mundo são criados comitês de cientistas independentes com o poder de controlar e fiscalizar os envolvidos no estudo.


No caso das avaliações de segurança, cabe a esse comitê e à Anvisa impedir que os interesses econômicos e políticos influenciem na condução do estudo, seja escondendo problemas ou maquiando os resultados. Na avaliação da segurança de uma vacina, o objetivo é exatamente detectar efeitos nocivos da vacina que, mesmo raros, possam comprometer sua segurança. No início do estudo é impossível prever quais serão esses efeitos e como eles se manifestarão. Portanto a regra é que, cada vez que uma pessoa vacinada apresente algum sintoma grave, o estudo deve ser paralisado para o caso ser analisado pelo comitê independente.


É assim em todo o mundo. E o pior que pode acontecer é a morte de um vacinado. E isso envolve todas as mortes. A pessoa pode ser atropelada ou se suicidar, ou mesmo ter sido assassinada, e nem por isso a morte pode deixar de ser investigada. E a razão é simples. O atropelado pode ter perdido a consciência ao atravessar a rua por causa da vacina. O suicida pode ter tido uma crise de depressão aguda por causa da vacina e o assassinado pode ter se tornado agressivo por causa da vacina. São hipóteses de baixa probabilidade, mas existem vacinas que foram descartadas porque alguns pacientes apresentaram um problema que inicialmente não parecia estar relacionado à vacina.


Assim a regra é simples: qualquer evento grave leva à paralisação do estudo, quer os financiadores queiram, quer não. E o comitê independente tem de examinar o caso e decidir se vale a pena continuar o estudo. E não adianta o Butantã estrebuchar afirmando que um suicídio não pode ter relação com uma vacina. É pouco provável, mas pode, sim, e é exatamente para garantir que esse tipo de problema raro passe despercebido que existem os estudos de fase 3, as regras, o comitê internacional independente e a Anvisa.


Nós provavelmente nunca saberemos se houve pressão do governo federal para paralisar o estudo, nem se foi a pressão do governo estadual que garantiu a rápida volta. Mas o fato é que as regras foram cumpridas. E, numa guerra política entre governos por suas vacinas, a única proteção que a população possui é exigir e fiscalizar que as regras sejam cumpridas à risca.


O fato é que tudo ocorreu como está previsto no regulamento do estudo



sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Cenário macro benigno pode fazer Brasil emergir mais rapidamente da crise(Ana Botin, FSP, 13 11 20)

 Cenário macro benigno pode fazer Brasil emergir mais rapidamente da crise


sexta-feira, 13 de novembro de 2020 


 

Folha de S. Paulo  / Mercado


Ana Botín


De todas as visitas que fiz ao Brasil até hoje, esta é sem dúvida amais carregada de emoção. Vejo o país imerso em uma situação complexa, sob o fardo de mais de 10% dos casos de Covid-19 do mundo, só atrás de EUA e índia.


O índice de mortalidade, ainda que esteja em linha com os 3% vistos em outros países, representa um número de vítimas a lamentar sob qualquer perspectiva. Nada irá repor essas vidas perdidas.


Ao desembarcar aqui, porém, testemunho mais uma vez a força e a resiliência da população brasileira, que representa uma mensagem de otimismo ao restante do mundo. As iniciativas para mitigar os efeitos da pandemia, com o coronavoucher e as linhas de crédito emergenciais criadas pelo governo e executadas em parceria com o setor financeiro, ajudaram as pessoas e têm permitido a rápida retomada de importantes setores da atividade.


De fora do país é mais difícil entender o efeito positivo que uma taxa de juros estruturalmente baixa pode produzir em uma economia pujante como a brasileira.


Em vez de elevar o custo do dinheiro, como se faz em meio a crises, o BC teve condições de reduzi-la ainda mais. Com acesso ao crédito, empresas preservam empregos, pessoas podem pagar dívidas, consumir e poupar.


Quando os brasileiros compram suas casas - o crédito imobiliário cresceu44% neste ano, entre janeiro e setembro - , várias outras cadeias produtivas se mobilizam, e o impacto social é fantástico.


Esse cenário macro benigno pode permitir que o Brasil emerja mais rapidamente da crise. Vale ressalvar, evidentemente, que, para manter esse ciclo virtuoso em movimento, é fundamental levar adiante uma agenda de medidas que conduzam o país na direção da consolidação fiscal.


Estamos empenhados não só em seguir sendo parte dessa retomada mas em fazê-la acontecer de uma maneira sustentável e inclusiva.


O agronegócio, por exemplo, é uma das áreas em que mais temos avançado. Precisamos apoiar o setor que responde por cerca de 40% das exportações brasileiras. Mas fazemos isso sem abrir mão de revisar anualmente as práticas socioambientais de todos os nossos clientes, de modo a garantir a produção responsável. O mesmo vale para mais de 2.500 grandes empresas de diferentes setores que estão em nossa carteira de crédito.


Esse olhar criterioso também nos levou a participar, desde o início, da criação e do fomento das CBios, que são os títulos gerados na produção de biocombustíveis que as distribuidoras de combustíveis usam para compensar suas emissões. Um mercado que está decolando no Brasil e serve de exemplo para o mundo.


Globalmente, nosso grupo pretende alcançar a cifra de ? 120 bilhões em financiamentos verdes entre 2019 e 2025, e já em 2020 seremos neutros em carbono, compensando todas as emissões de nossas operações. Quem lidera o comitê que trata dessas metas é Sérgio Rial, o presidente do Santander Brasil.


Entendemos que o modo como crescemos é mais importante do que simplesmente avançar. Daí o nosso olhar diferenciado para o microcrédito, que gera riqueza e distribuição de renda para os mais vulneráveis do ponto de vista econômico e social.


Daqui do Brasil, exportamos para outras geografias o nosso Prospera - a maior operação privada de microcrédito do país - e a Superdigital, criada para estimular a inclusão financeira.


Essa expansão nos permitirá apoiar o desenvolvimento de mais de 600 mil empreendedores na América Latina até o fim de 2021.


E os pequenos negócios também serão beneficiados por soluções que estamos trazendo para o Brasil, como a Ebury, empresa de meios de pagamento e transações internacionais que já atua em diversos países.


Com o avanço da Covid-19, aprendemos que, unidos, somos mais fortes. O acordo único que celebramos com Bradesco e ltaú em prol da Amazônia é um grande exemplo da colaboração de que o mundo necessita.


Uma ideia que levarei comigo nesta viagem de volta, assim como a esperança de que, em meio a uma crise sem precedentes, seguiremos trabalhando juntos para construir o futuro que sempre sonhamos.


É fundamental levar adiante uma agenda de medidas que conduzam o país na direção da consolidação fiscal

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Biden pode colocar agro brasileiro em situação desvantajosa(Mauro Zafalon, FSP, 10 11 2020)

 

Mauro Zafalon - Política de Biden pode colocar agro brasileiro em situação desvantajosa


terça-feira, 10 de novembro de 2020 


  

Folha de S. Paulo  / Agrofolha


Mauro Zafalon mauro.zafalon@uol.com. br


A política de negócios adotada por Donald Trnmp prejudicou a agropecuária dos EUA e favoreceu a do Brasil. O novo presidente, Joe Biden, não vai alterar esse jogo de imediato, mas promete fazer algo que deve preocupar muito os agricultores brasileiros.


Segundo ele, a política comercial deve começar em casa, com uma garantia de segurança alimentar. Os acordos virão depois.


O novo presidente promete, no entanto, enormes investimentos em infraestrutura, contemplando ferrovias, rodovias e b anda larga. Esses são exatamente os gargalos do agronegócio do Brasil.


Os brasileiros, embora apresentem uma evolução produtiva ano a ano, não têm muito fôlego para competir com outros grandes produtores mundiais, como Estados Unidos e Argentina, nesse campo de custos logísticos. A distância ficará ainda maior.


O setor não está sentindo os efeitos dessa ineficiência por ora porque a economia vai mal, e isso se reflete no dólar, extremamente favorável às exportações do agronegócio brasileiro.


Os custos de produção, no entanto, vêm subindo, e, quando preços e demanda externos se equilibrarem, o país vai sentir mais essa deficiência competitiva.


Se cumprir a promessa de campanha de proteger o futuro econômico dos Estados Unidos, Biden vai colocar o Brasil em situação ainda mais delicada quando se trata de custos de produção e de renda na agropecuária.


Brasil e Estados Unidos são competidores vorazes em praticamente todos os produtos agrícolas. O comércio bilateral entre os dois nesse setor é muito pequeno.


A atuação americana no comércio exterior, porém, afeta muito o Brasil. Trump queimou pontes e reduziu canais importantes de exportação em seu governo.


À exceção do norte da África, uma região de menor importância no comércio mundial agrícola, os Estados Unidos perderam espaço em todos os demais continentes durante a administração Trump. Em boa parte dessas regiões, houve um avanço da participação dos brasileiros.


Um dos primeiros atos de Trump foi sair do acordo Transpacífico (TPP), o que lhe garantiria um mercado de 11 países com intensa demanda por produtos agropecuários com taxas zeradas ou reduzidas. O Brasil, devido a essa ausência dos EUA, avançou nesse mercado, principalmente nos países asiáticos.


O país se aproveitou também da guerra comercial do s EUA com a China e poderá ainda ter vantagens a curto prazo. Os chineses vão pedir uma revisão do acordo assinado em janeiro, mas Biden seguramente será cauteloso.


Apesar de não ser favorável às medidas de Trump, ceder neste momento pode significar sinal de fraqueza, diante da China, e irritar ainda mais os produtores adeptos dessa guerra, em geral admiradores de Trump.


Seguramente a nova política agrícola do governo Biden terá como foco uma convergência entre agricultura e clima. Para os brasileiros, essa opção tem dois lados.


Primeiro, o país vai ter de dar rumos à política ambiental para não ficar isolado. Há uma dificuldade por parte do setor em reconhecer erros e apresentar soluções.


Em segundo lugar, Biden promete liderar a execução de uma economia mundial limpa. Nesse campo, o Brasil tem muito a oferecer, principalmente na produção e exportação de produtos ligados a esse setor, como o etanol.


Trump, à moda brasileira, também fez "a boiada passar" em seu governo na questão ambiental. Privilegiou refinadoras de petróleo, em detrimento do etanol, e flexibilizou controles de agências reguladoras. O novo governo está mais para o etanol do que para o petróleo.


Biden perde, por ora, um aliado importante para levar adiante a sua política agrícola. O democrata Collin Petterson, que esteve à frente do Comitê de Agricultura da Câmara por vários mandatos, não foi reeleito. Pertencente a uma área rural, é profundo conhecedor do setor.


Esse comitê é responsável pela liberação de vultosas quantias de dólares para subsídio agrícola, seguro e programas de compra de alimentos. Os novos pretendentes ao cargo são da área urbana.


O segundo turno da eleição dos dois senadores da Geórgia, um estado agrícola, também será importante para Biden. Ele poderá dar o Senado aos democratas, facilitando as aprovações do governo. Essa definição só ocorrerá em janeiro.

sábado, 7 de novembro de 2020

Nascente, Amazonas

 




Castelo Armorial(Belmonte, Pernambuco)


 

A dinâmica da retomada(José Márcio Camargo, Estado, 7 11 2020)


JOSÉ MÁRCIO CAMARGO - A dinâmica da retomada

COLUNISTAS

sábado, 7 de novembro de 2020 

  

O Estado de S. Paulo  / Economia

Cenário Político-Econômico: Colunistas

JOSÉ MÁRCIO CAMARGO


Após a forte queda no segundo trimestre de 2020, o nível de atividade da economia brasileira entrou em trajetória de alta, ainda que com comportamento desigual entre setores. Em especial, a atividade do setor de serviços continua defasada em relação aos outros setores. Indústria, comércio e construção civil já estão acima do período pré-pandemia.


Ainda que este comportamento seja esperado, na medida em que o setor de serviços (restaurantes, hotelaria, turismo, etc.) depende de convívio social, o que foi praticamente proibido com a adoção do isolamento social entre março e maio, a volta deste setor é fundamental para a retomada do nível de emprego e, portanto, para a sustentabilidade do crescimento da atividade quando o auxílio emergencial e outros programas de incentivo fiscal se esgotarem no início de 2021.


E os dados do setor de serviços começam a dar sinais de reação. Entre agosto e setembro foram gerados, pelos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mais de 100 mil empregos formais no setor, e o índice PMI, que indica a expectativa das empresas quanto ao comportamento futuro da atividade, ultrapassou a barreira dos 50 pontos, que indica crescimento, atingindo 52,3 pontos, em outubro.


O Caged é uma pesquisa que tem por base informações das empresas quanto ao número de admissões e demissões, além dos salários e outras características destes trabalhadores. São dados administrativos, que não dependem da aplicação presencial de questionários. Entretanto, com o grande número de falências de pequenas e médias empresas em razão da pandemia, o número de empresas que respondem ao questionário caiu significativamente neste ano, o que pode comprometer os resultados.


A outra pesquisa sobre o mercado de trabalho do País, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), é realizada com base numa amostra de domicílios, com aplicação presencial de questionário por pesquisadores do IBGE. Por causa da pandemia, os questionários estão sendo aplicados por telefone, o que levanta questões quanto à confiabilidade das informações. Em outras palavras, ambas as pesquisas podem ter problemas de confiabilidade impossíveis de serem verificados neste momento.


Entretanto, nossa avaliação é de que, o fato de o Caged não depender da presença do entrevistador para obter os resultados, além de estarem mais de acordo com outros dados disponíveis neste momento, como o PMI de serviços e evidências informais como a diminuição do isolamento social, a volta das pessoas à convivência social, a movimentação de pessoas nas ruas voltando à normalidade, os dados do Caged parecem mais de acordo com a realidade.


E como justificar a redução do número de empresas? Nossa hipótese é de que, por causa da redução da demanda decorrente do isolamento social em abril/maio, um grande número de empresas faliu. Desapareceu. Essas empresas pararam de enviar as informações porque não mais existem. Apenas conseguiram sobreviver ao isolamento social as empresas mais produtivas, mais competitivas e com mais reservas disponíveis.


Se essa hipótese é verdadeira, a volta da atividade vai se dar com um setor produtivo dominado por empresas mais competitivas e com mais recursos disponíveis para investir, além de terem implementado inovações tecnológicas importantes ao longo da pandemia. Como muitas empresas desapareceram, à medida que a demanda volta, teremos menos empresas e empresas mais produtivas para ocupar o espaço deixado pelas que faliram. Como são empresas maiores e mais formalizadas, devemos esperar que a demanda por trabalhadores formais deverá aumentar com mais dinamismo que em outras recuperações.


A expectativa é de que a economia vai sair desta recessão com um nível mais elevado de produtividade do que entrou. É, sem dúvida, um cenário otimista, mas está perfeitamente de acordo com a evolução dos dados, como os que vêm sendo apresentados pelo PMI e o Caged.


Expectativa é de que a economia saia da recessão com um nível mais alto de produtividade do que entrou


PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTACHEFE DA GENIAL INVESTIMENTOS