domingo, 29 de agosto de 2021

O impacto das inovações no planejamento de longo prazo(Décio Oddone, Broadcast, 25 8 21)

 BroadcastEnergia

20:15 25/08/2021


Décio Oddone: O impacto das inovações no planejamento de longo prazo


Na semana passada ocorreu a edição de 2021 da Offshore Technology Conference - OTC, a maior feira da indústria do petróleo, realizada em Houston, nos EUA. Após ser cancelado em 2020, por causa da pandemia, o evento foi híbrido, com parte dos participantes entrando de forma virtual.


A realização de um encontro desse porte indica que, apesar das complicações trazidas pelas variantes do coronavírus, com o progresso da vacinação, a normalidade começa a aparecer no horizonte.


Como sempre, os avanços tecnológicos ocuparam boa parte da agenda. Impressionam o desenvolvimento alcançado na produção de petróleo offshore e a redução nos custos. A Petrobras recebeu o prêmio, que seria entregue em 2020, pelas inovações aplicadas ao campo de Búzios. Foi a quarta vez que a empresa foi escolhida para receber o maior reconhecimento da indústria. Já tinha ocorrido em 1992 por Marlim, em 2001 por Roncador e em 2015 pelo conjunto dos projetos no pré-sal da Bacia de Santos.


Os desenvolvimentos tecnológicos permitiram a produção de petróleo no mar e a tornaram cada vez mais competitiva. Há dez anos se calculava que o custo de produção no pré-sal estaria acima de US$ 50 por barril. Com o avanço dos trabalhos, esse valor foi caindo. Na mesma OTC, em 2017, se falava em custos na casa dos US$ 30. Hoje há projetos em que os valores podem ser menores.


Mas a tecnologia e as inovações não reduziram somente os custos da produção offshore. Vêm produzindo uma revolução na indústria como um todo. O gás natural liquefeito (GNL) transformou os mercados de gás. O crescimento da produção no shale (petróleo não convencional) nos Estados Unidos é um exemplo típico da aplicação de tecnologias, algumas delas em uso há anos, de forma inovadora.


Durante décadas os ciclos de preço de petróleo foram longos, favorecendo o planejamento das empresas e a aprovação de projetos de elevado prazo de maturação, como os de produção de petróleo em águas profundas em províncias como o pré-sal das Bacias de Campos e Santos e de exploração em regiões de fronteira, como a margem equatorial brasileira. A partir do surgimento do fenômeno do shale, os ciclos de preço têm ficado mais curtos. A covid-19 e a aceleração da transição energética tendem a reforçar essa tendência, dificultando o planejamento de empresas e governos.


O uso de tecnologias e inovações, das mais complexas às mais simples, dos desenvolvimentos de materiais às práticas de gestão e administração, é a principal razão para a diminuição dos custos de produção. Não só de petróleo e gás natural. É conhecida a redução dos gastos com instalações de painéis fotovoltaicos e aerogeradores, que permitiram um avanço extraordinário na penetração da energia solar e eólica nos últimos anos. Por isso, as inovações e os ganhos de eficiência também acabam afetando o planejamento de companhias e países.


No final dos anos 1980, a perfuração de um poço vertical em águas profundas levava mais de dois meses. O desenvolvimento dos campos demandava poços direcionais, que nunca tinham sido feitos. As estimativas iniciais de duração não se concretizaram. As operações tomaram menos tempo que o programado.


Algo similar, em escala muito maior, vem ocorrendo no pré-sal. A duração e a produtividade dos poços têm sido uma surpresa positiva. Hoje são perfurados e completados em uma fração do tempo originalmente estimado. A produção tem sido muito superior à esperada inicialmente. Como resultado, uma plataforma que poderia operar com 10 ou 15 poços está recebendo três ou quatro. Isso foi excelente para as empresas de petróleo, que investem menos e têm melhor rentabilidade, e para os governos, que arrecadam mais. Mas foi uma má notícia para a cadeia de fornecedores. É necessário um número menor de equipamentos e serviços, como árvores de natal, válvulas, umbilicais, sondas de perfuração e barcos de lançamento de linhas.


Se a Petrobras tivesse contratado mais de 20 sondas para perfurar no pré-sal, como pensou no início da década passada, possivelmente teria equipamentos ociosos agora. Fornecedores que executaram um planejamento estático, sem antecipar potenciais impactos de avanços tecnológicos e ganhos de produtividade, se frustraram.


A transição para uma economia de mais baixo carbono, para ser bem sucedida e melhorar o acesso à eletricidade e a qualidade de vida das populações, precisa se dar com maior oferta de energia. O impacto já produzido pelas inovações e pelo aumento da produtividade na indústria do petróleo e gás natural e nas fontes renováveis é um exemplo do que está por vir. As principais contribuições para a redução da presença de CO² na atmosfera devem vir de inovações disruptivas, novas tecnologias e ganhos de escala e eficiência. Países e empresas devem levar isso em conta ao executar seu planejamento de longo prazo.


*Décio Fabrício Oddone da Costa é engenheiro e CEO da Enauta S.A. Escreve mensalmente para o Broadcast Energia.


Broadcast Energia

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Quem alimentará a China?(Alysson Paolinelli, Correio Braziliense, 24 8 21)

 ALYSSON PAOLINELLI - Quem alimentará a China?

terça-feira, 24 de agosto de 2021 - 00:00


 

Correio Braziliense  / Opinião

ALYSSON PAOLINELLI ANTONIO LICIO


A pergunta foi levantada pelo economista americano Lester Brown em seu livro, de 1995, Who Will Feed China, e permeou grandes discussões mundiais desde então, prevendo-se fome para esse povo, incapaz,


que seria de se autoabastecer de alimentos. No momento, alguns analistas mais radicais chegam às raias do extremismo lançando preparativos contra uma possível invasão chinesa ao Brasil para garantir seus níveis alimentares que estariam à beira do colapso pela exaustão de seus recursos naturais: terra, água e climas favoráveis. Nada melhor do que o tempo para avaliação de previsões futurísticas. Passados 25 anos, cabe aprofundar sobre o que efetivamente ocorreu com a agricultura chinesa nesse período, sua capacidade futura de autoabastecimento e possíveis desequilíbrios estruturais nos mercados mundiais de alimentos.


De fato, os chineses sofreram crises recorrentes de produção/consumo alimentar devido a secas e enchentes que devastaram sua produção agrícola, sendo a mais notável, entre 1959 e 1961, quando seu líder Mao Tse Tung implementou reformas políticas que desestruturaram a produção e teriam levado à morte 30 milhões de chineses. Todavia, a partir de 1978, Deng Xiaoping, segundo homem na hierarquia política e substituto de Mao, levou a efeito outras reformas. Desta vez, ao contrário de seu antecessor, Xiaoping liberalizou as relações econômicas no sentido da economia de mercado capitalista.


Seus efeitos notáveis se fazem sentir até hoje, mas, de início, se deram exatamente sobre o setor mais prioritário: a produção de alimentos. A China planta atualmente 185 milhões de hectares (ha) de lavouras (Índia, 210 milhões; Estados Unidos, 100 milhões; e Brasil, 80 milhões). Antes das reformas de 1978, os chineses plantavam 145 milhões. Agregou, portanto, 40 milhões e logrou notáveis sucessos em produtividades, tanto no milho quanto no arroz, suas maiores fontes energéticas, principalmente via irrigação (65 milhões de hectares irrigados contra 7 milhões no Brasil). Resultado: sua produção de milho saltou de 50 milhões de toneladas, em 1976, para 260 milhões em 2019 (superada somente pelos Estados Unidos, 360 milhões de toneladas); no arroz, de 130 milhões de toneladas para 220 milhões de toneladas. Portanto, a primeira parte da pergunta original foi respondida: quem alimentou a China até os anos recentes foi a própria China, por meio de reformas estruturais econômicas que propiciaram notável resposta produtiva.


E o porvir ? Lamentavelmente, tudo indica que, a partir de 2015, a China parece ter esgotado sua fronteira agrícola, de acordo com o Economic Research Service/USDA, assim como de expandir sua irrigação. Mas sua renda e Produto Interno Bruto (PIB) continuam a crescer, trazendo consigo maiores demandas por alimentos mais sofisticados, como carnes, leites e ovos (proteínas animais), frutas e hortaliças. Ocorre que não se produz mais proteínas animais sem um grãozinho mágico chamado 'soja', que o metabolismo animal dos bovinos, suínos, aves processam e transformam nas proteínas animais tão demandadas.


Mas a China falha. Não consegue produzir soja senão nos baixos volumes de 15 milhões de toneladas em 8, 5 milhões de hectares, assim como em todos os demais países, exceto Brasil, Argentina e Estados Unidos, que, juntos, produzem 82% de toda a soja mundial (Brasil na frente com 145 milhões de toneladas). Coube a China: 1) importar carnes prontas do exterior; 2) importar soja e transformá-la internamente em proteínas animais, o que tem prevalecido inclusive na catástrofe recente de peste suína africana, que dizimou boa parte de seu rebanho. De fato, dos 167 milhões de toneladas de soja importadas no mundo, a China responde por 60% e o mundo ainda importa 68 milhões de toneladas de farelo de soja.


Essa fome por proteínas animais tem levado ao que a teoria econômica previra: elevação de preços de todos os tipos de carnes, assim como dos insumos para suas produções: soja e milho. As carnes bovinas tiveram um patamar de preços médios de US$ 5. 000/ton até 2010, quando iniciou a escalada para os atuais US$ 10. 000/ton; as carnes de aves tiveram menores elevações, de US$ 1. 500/ton para pouco mais de US$ 2. 000/ton no mesmo período; o milho teve preços históricos durante décadas ao redor de US$ 100/ton, pulando para US$ 200/ton em 2010 e chegando ao patamar de US$ 250/ton nos últimos meses; a soja teve comportamento semelhante, com US$ 250/ton até 2007, daí para R$ 400/ton até recentemente e explodindo para os níveis atuais ao redor de US$ 600/ton.


Em se tratando de grãos commodities, há que se separar efeitos especulativos das variações de preços reais, quando apostadores de bolsas investem em grãos prevendo ganhos fáceis de curto prazo (efeito cassino). Por outro lado, estudos econométricos feitos por nós em 2013 no âmbito do Fórum do Futuro, com base no ano de 2010 e projeções para 2020, considerando somente variáveis 'reais"' - renda, consumo, elasticidades-renda e demanda - estimaram para 2020 uma demanda adicional de milho de 250 milhões de toneladas sobre um consumo em 2010 de 850 milhões de toneladas, ou seja, para algo em torno de 1, 100 bilhão de toneladas.


Para que os preços se mantivessem no mesmo nível médio de 2010, seria necessário um aumento de produção mundial de 250 milhões de toneladas, e aconteceu: o crescimento foi de 275 milhões de toneladas, o que segurou os preços até fins de 2020, quando estouraram ao nível atual de US$ 260/ton. Como não houve neste curto prazo de 2021 nenhuma alteração de demanda nem frustração de oferta que pudesse justificar tamanho incremento, resta apostar no efeito especulativo, como ocorreu, várias vezes, nos últimos anos, e retorno aos preços de 2010. Raciocínio similar se aplica à soja, com a diferença de que somente três grandes países produzem e dois deles - EUA e Argentina - esgotaram sua fronteira agrícola, ou seja, a resposta a esperar da oferta não se concretizará.


Podemos acalmar os mais exaltados, afirmando que os níveis de consumo calórico da China atingiram padrões nutricionalmente aceitos por meio de sua produção, mas terão que apelar quase integralmente à importação de proteínas para manter suas dietas completas, o que farão facilmente trocando bens não agrícolas por alimentos proteicos do Brasil, como tantos outros o fazem.

domingo, 1 de agosto de 2021

Os 15% que resistem a tomar vacina contra covid(Fernando Reinach, Estado, 31 7 21)

 Como lidar com os 15% que resistem a tomar vacina contra covid?

JULY 31, 2021

Muitos países já vacinaram com duas doses mais de 60% de sua população, o que corresponde, em muitos casos, a 85% dos adultos. Esses países estão iniciando a vacinação de adolescentes e logo mais vão vacinar crianças. Assim é de se esperar que nos próximos meses teremos vários países com aproximadamente 85% da população totalmente vacinada. Os 15% restantes são pessoas que resistem à vacinação. O problema é desenhar e implementar estratégias para vacinar esses 15%. As primeiras propostas já estão sendo postas em prática.


Com novas variantes como a Gama, que se espalha facilmente, a expectativa de controlar totalmente o espalhamento do vírus com 70 a 80% da população imunizada foi por água abaixo. Isso seria possível se as novas variantes se comportassem como a original. Infelizmente as novas têm um R0 bem maior e hoje se acredita que a imunidade coletiva só pode ser atingida com 90 a 95% da população imunizada. E isso, com vacinas com eficácia acima de 90%.



Com as menos eficazes, talvez ela nunca seja atingida. Essa compreensão da realidade tem levado governos a readequar o conjunto de vacinas a utilizar no futuro e a estudarem a possibilidade de aumentar a imunidade geral com doses de reforço. E ainda a iniciarem a vacinação de jovens e crianças. Tudo na esperança de atingir a imunidade coletiva ou chegar próximo dela.


O problema é que na maioria dos países existe uma fração da população que resiste a tomar a vacina. No Reino Unido, nos EUA e em Israel, no grupo de pessoas idosas que correm mais risco de serem internadas e morrer de covid, a porcentagem dos idosos vacinados após meses de insistência continua por volta de 95%. Isso apesar de mais de 90% das internações e mortes nesses países serem de pessoas ainda não vacinadas. Como lidar com essas pessoas?


A primeira medida são as campanhas de esclarecimento sobre a necessidade de se vacinar. Isso lida com os simplesmente desinformados. Essas propagandas incluem depoimentos de pessoas não vacinadas gravados imediatamente antes da intubação (o arrependimento é visível). Essa medida tem sido associada a um aumento na facilidade para que as pessoas se vacinem. Nos EUA, a vacina pode ser obtida nas farmácias: você entra sem marcar hora e sai vacinado em 10 minutos, nenhuma pergunta é feita. Além disso há o problema dos imigrantes ilegais, criminosos e outras pessoas que não querem ser identificadas. Para garantir que eles sejam vacinados foi proibida a presença de agentes governamentais nas imediações dos postos de vacinação. Essas medidas ajudam os relutantes – e muitas vezes são associadas a prêmios em dinheiro para quem se vacinar. Infelizmente essas medidas têm pouca influência nas pessoas que são radicalmente contra vacinas.


Para conseguir vacinar os radicalmente contra, muitos governos estão tomando medidas que tornam a vida dessas pessoas mais difícil. Isso inclui a exigência de atestados de vacina para entrar no trabalho, em restaurantes, ou em ambientes onde existam aglomerações. Como essas medidas são consideradas uma ingerência exagerada do Estado na vida individual, em muitos lugares a pessoa tem uma opção: ou apresenta certificado de vacinação ou um resultado de PCR negativo feito nos dois dias anteriores. O incômodo de repetir o teste a cada dois dias tem levado muitas pessoas a se vacinarem. Nessa linha mais agressiva, estão regras que exigem a vacinação de certos grupos caso desejem continuar no emprego.


O fato é que é impossível para um governo imobilizar um cidadão à força e vaciná-lo. A necessidade de vacinar os últimos 15% da população tem trazido à tona a questão da liberdade individual frente ao bem comum. No Brasil ainda estamos longe desse ponto. A grande maioria da população não vacinada ainda deseja ser vacinada o mais rápido possível, mas é fato que o número de pessoas que não se apresenta para a segunda dose é crescente. À medida que mais doses sejam disponibilizadas nos próximos meses, seria importante o País começar a pensar em como lidar com os últimos 15%. O sucesso de todo o programa pode depender dessas pessoas.


É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS.