quarta-feira, 28 de abril de 2021

O genocídio armênio(Estado, 28,4 21)

 O genocídio armênio


quarta-feira, 28 de abril de 2021


 

O Estado de S. Paulo  / Notas e Informações

"Todos os anos, neste dia, nós lembramos as vidas de todos aqueles que morreram no genocídio armênio durante a era otomana e reafirmamos o compromisso de evitar que tal atrocidade jamais ocorra novamente", disse o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, no dia 24 passado.


A declaração é histórica. Foi a primeira vez que um presidente norte-americano chamou pelo nome a brutal política de extermínio dos armênios empreendida pelo então Império Otomano desde antes da 1.a Guerra Mundial. A palavra "genocídio" ainda seria empregada mais uma vez por Biden no discurso em memória das vítimas, quando ele enfatizou que "o povo americano honra todos os armênios que pereceram no genocídio que começou 106 anos atrás".


A bem da verdade, antes de Joe Biden, muitos presidentes americanos criticaram com firmeza o extermínio dos armênios, jamais reconhecido pelos turcos, porém, sem classificá-lo como genocídio; não porque descabido fosse, mas para evitar ferir suscetibilidades da Turquia, país que Washington considera um frágil aliado na delicada geopolítica na região do Oriente Médio.


Por razões diametralmente opostas, o genocídio é uma questão que toca a identidade nacional de turcos e armênios.


A reação de Ancara após a fala de Biden mostra por que presidentes americanos antes dele tanto evitaram falar em genocídio armênio e quão corajosa foi a inflexão do democrata, que, diga-se, cumpriu uma promessa de campanha com o reconhecimento público da tragédia. Em pronunciamento transmitido pela TV, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, afirmou que a declaração de Biden "afunda" as relações entre seus países.


Erdogan, que classificou como "insultuoso" o discurso de Biden, pediu que o presidente americano "corrija a tempo este passo errado" nas relações entre Turquia e Estados Unidos, que, em sua visão, atingiram "um novo ponto negativo". Não haverá recuo por parte de Washington, evidentemente. Primeiro, como já dito, porque Biden cumpriu uma promessa de campanha. Segundo, por questão de coerência. O primeiro passo para "evitar que tal atrocidade jamais ocorra novamente" é tratar as coisas como são, sem subversões da realidade. O que a política pode distorcer, o registro da História aponta como o primeiro caso de genocídio do século 20, décadas antes da tentativa do extermínio dos judeus pelo regime nazista, não por acaso também negado ainda hoje por aqueles que não só se põem a espancar a História, mas também a memória das vítimas da barbárie.


De fato, era inconcebível que o genocídio armênio não fosse tratado como tal, não obstante todas as evidências da deliberada política de matança e deportação em massa implementada pelo Império Otomano, principalmente, a partir de 1915. Então premidos entre os impérios otomano e russo, no Cáucaso, o movimento de identidade nacional dos armênios sofreu toda a sorte de violência, muito antes da eclosão da 1.a Guerra, que, em seu término, levou ao fim do Império Otomano e à fundação da Turquia.


Lamentavelmente, o governo brasileiro ainda não reconhece oficialmente o genocídio armênio. Foi para cá que acorreram muitos armênios da diáspora. Aqui vivem milhares de seus descendentes.


Em 2015, o Senado aprovou requerimento dos senadores Aloysio Nunes Ferreira e José Serra, ambos do PSDB de São Paulo, e emitiu uma moção de solidariedade aos armênios por ocasião do centenário do genocídio. O emprego correto da palavra motivou reação da Turquia, que convocou para consultas o então embaixador em Brasília, Hüseyin Dirioz.


Os armênios estimam em 1,5 milhão os mortos entre 1915 e 1917. Tramita no Senado um projeto do falecido senador Major Olímpio (PSL-SP) para que se institua o dia 24 de abril como o "Dia de Homenagem às Vítimas e de Reconhecimento do Genocídio do Povo Armênio". A rápida tramitação deste projeto de lei seria uma justa homenagem à memória dos armênios que pereceram no massacre.


"Reconhecer o genocídio armênio é fundamental para evitar a repetição de atrocidades"




segunda-feira, 26 de abril de 2021

BC vai exigir que bancos monitorem risco climático(Valor, 26 4 21)

 BC vai exigir que bancos monitorem risco climático


O Banco Central (BC) passará a exigir que os bancos incorporem fatores sociais, ambientais e climáticos às suas políticas de gerenciamento de riscos. A medida sinaliza a percepção do regulador de que essas questões podem ter impacto na estabilidade do sistema financeiro em meio à pressão crescente de investidores e da sociedade.
Esses aspectos serão considerados lado a lado com riscos de crédito, liquidez e mercado no cálculo que as instituições financeiras fazem sobre a exposição que aceitam ter para realizar suas operações. Na prática, passarão a ser contemplados na declaração de apetite a risco que os bancos entregam ao regulador e nos testes de estresse a que estão sujeitos. Hoje, fatores socioambientais já são alvo de acompanhamento, mas não de forma integrada com os demais.

A medida faz parte de minuta colocada em consulta pública pelo BC neste mês para substituir a resolução 4.327, aprovada em 2014. A proposta também abrange uma reforma das regras de responsabilidade socioambiental dos bancos — consideradas pioneiras na época, mas vistas como insuficientes atualmente.

A intenção do regulador é que o novo texto seja mais específico e reflita conceitos que ganharam força nos últimos anos. A minuta descreve explicitamente assédio, discriminação racial e de gênero, trabalho infantil, desmatamento ilegal e acidentes ambientais como alguns dos riscos que devem ser observados pelos bancos ao fazer operações com clientes.

O BC pretende tornar o clima um fator específico a ser monitorado diante da possibilidade de perdas para as instituições financeiras na transição para uma economia de baixo carbono e de mudanças nas condições ambientais decorrentes do aquecimento global.

Alterações climáticas e a evolução do debate internacional levaram o regulador a rever a norma, diz Kathleen Krause, chefe adjunta do Departamento de Regulação Prudencial e Cambial do BC. “As instituições podem ter perdas, por exemplo, se financiarem indústrias que deixam de ser competitivas numa economia de baixo carbono, ou se tiverem como garantia um imóvel em área sujeita a intempéries relacionadas à mudança climática”, afirma.

A consulta pública 85 ficará aberta por dois meses e é uma das iniciativas de sustentabilidade da agenda do BC. Outra consulta, sobre critérios socioambientais para o crédito rural, foi encerrada na sexta-feira. Uma terceira está prevista para ser lançada nesta semana, com a incorporação de recomendações de uma força-tarefa internacional (TCFD) para um maior detalhamento, pelos bancos, sobre a sustentabilidade dos projetos que financiam. “Investidores têm dedicado parte significativa de seus portfólios para projetos ESG [sigla em inglês para padrões ambientais, sociais e de governança]”, afirmou o diretor de regulação do BC, Otávio Damaso, em evento da Acrefi na semana passada.

"O setor financeiro tem que olhar esse movimento como oportunidade.” O BC não deve proibir os bancos de fazer nenhuma operação.

A ideia é definir parâmetros e fazer com que as instituições deem mais transparência às suas práticas. “O BC pode agir, mas é a própria sociedade que vai cada vez mais questionar”, afirma David Valente, chefe de divisão do Departamento de Regulação.

O desafio será estipular métricas e limites para balizar a pressão que os bancos poderão fazer sobre seus clientes. Para a advogada Lina Pimentel, sócia do escritório Mattos Filho, a tendência é que os bancos façam exigências nos contratos que, se descumpridas, levem ao vencimento antecipado das operações de crédito, como já se faz hoje.

“É uma norma programática. Não barra as operações, mas [o crédito] vai sair mais caro para quem tiver uma conduta menos desejável.” 

Bancos procurados pelo Valor não quiseram comentar a proposta porque ainda estão avaliando o teor dela. Para um executivo ligado ao setor, o movimento mostra que o BC está preocupado com a saúde das instituições num mundo em transição. No fim do dia, afirma, é bom para elas, que já têm procurado melhorar suas práticas. Mas essa fonte defende que o regulador adote critérios claros para que o controle seja efetivo.

A regra deve gerar custos ainda que defina exigências proporcionais ao porte dos bancos, avalia Pedro Eroles, também sócio do Mattos Filho. “As instituições vão precisar ter estruturas específicas para gerenciar esses riscos”, afirma.

domingo, 25 de abril de 2021

Privatizações: um argumento esquecido(Affonso Celso Pastore, Estado, 25 4 21)

Privatizações: um argumento esquecido


domingo, 25 de abril de 2021 


 

O Estado de S. Paulo  / Economia

AFFONSO CELSO PASTORE -


Por que as privatizações perderam força apesar do sucesso obtido durante o governo FHC? Por que o ministro da Economia de um governo autointitulado liberal abandonou o discurso de que iria privatizar todas as empresas estatais? Apesar dos enormes ganhos de eficiência, fartamente comprovados com a privatização das empresas de telecomunicação, há por parte do governo muito pouco interesse em privatizações. A frustração com o caminho tomado levou-me a resumir alguns dos argumentos que expus na introdução do livro Infraestrutura, Eficiência e Ética, de 2016, do qual fui o coordenador. Para mim, a explicação é muito simples. As empresas estatais são usadas (e abusadas) pelos governos, à esquerda e à direita, como fonte de poder político.


Uma pequena incursão pela história esclarece o argumento. Nas décadas dos anos 1960 e 1970, na grande maioria dos países acreditava-se que através de empresas estatais os governos deveriam ter um papel preponderante na produção. Na introdução do artigo no qual analisa o problema, Schleifer (State versusPrivate Ownership", NBER, 1998) afirma que "consistente com a falta de aversão à propriedade do Estado, no pósguerra os países ao redor do mundo assu- miram um papel enorme na produção, sendo proprietários de tudo, desde a terra e as minas até as fábricas e a indústria de comunicações, bancos, companhias de seguros, hospitais e escolas". Em uma resenha sobre as evidências empíricas nas privatizações, Megginson e Netter ("From State to Market: A Survey of Empirical Studies on Privatization", 2001) relatam que "na Europa Ocidental, os governos nacionais debatiam em qual profundidade deveriam se envolver na regulação da economia e quais seriam os setores industriais que deveriam ser reservados apenas à propriedade do Estado". Embora existissem razões políticas e ideológicas para a "estatização", o motivo predominante era a crença de que as empresas estatais evitariam as "falhas de mercado", que decorrem de externalidades, de monopólios e de custos de informação, entre outros.


As privatizações levadas a cabo por Thatcher, no Reino Unido, representaram a mais marcante mudança nessa orientação. A motivação principal foi a constatação de que, para fugir das "falhas do mercado", as economias ficavam expostas às "falhas do governo", com resultados muito piores. Schleifer mos- trou que essa consequência era perfeitamente evitável porque, "se o governo sabe exatamente o que deseja, pode explicitar seus objetivos em um contrato ou através de uma regulação bem-feita, obrigando a empresa privada a produzir de acordo com as condições a ela impostas". Por exemplo, é a regulação que impede que o concessionário de uma estrada explore o seu poder de monopólio.


O argumento mais forte, contudo, é o relativo à diferença de incentivos dados aos gestores de empresas privadas e públicas, e para expô-lo vou usar da distinção entre o "principal" e o "agente". Em uma empresa privada, o "principal" é o acionista e o "agente" é a sua diretoria, cuja remuneração cresce com o aumento dos lucros. Neste caso, há um completo alinhamento de interesses que estimula a eficiência produtiva. Já em uma empresa estatal o "principal" é o governo e o "agente" é um gestor do qual se espera que atenda aos objetivos políticos dos detentores do poder, e os resultados não são bons. Um exemplo extremo é o do escândalo de corrupção na Petrobrás, no qual o "principal" buscava recursos para "retribuir" o apoio dado pelos partidos aliados (além de objetivos que prefiro omitir), indicando um "agente" apto a cumprir a tarefa. Outro é o da recente demissão dos presidentes do Banco do Brasil e da Petrobrás, que foram penalizados por buscar a redução de custos e o aumento dos lucros, quando o objetivo do "principal" era o de satisfazer os desejos dos grupos políticos que o apoiam.


Além da produção através de empresas estatais ser uma forma ineficiente de evitar as "falhas de mercado", fica exposta às "falhas do governo", uma das quais vem das exigências do "principal" quanto aos objetivos a serem perseguidos pelo "agente". Como foi exposto por Schleifer e Vishny ("Corruption", NBER Working Papers #4372, 1993), "empresas estatais são ineficientes não só porque seus gestores têm incentivos fracos para reduzir os custos, e sim porque a ineficiência é o resultado da política deliberada do governo de transferir benefícios aos que o suportam".


Como fica o dólar?(Celso Ming, Estado, 25 4 21)

Como fica o dólar?

COLUNISTAS

domingo, 25 de abril de 2021


 

O Estado de S. Paulo  / Economia

CELSO MING


As cotações do câmbio deram os primeiros sinais de que começam a levar em conta as excelentes perspectivas das contas externas. Ensaiaram uma baixa.


Este ano será a primeira vez desde 2007 que o resultado em Transações Correntes deverá fechar no azul, conforme projeções do Banco Central. Esta é a conta que registra as entradas e saídas de moeda estrangeira com mercadorias, serviços e transferências. Só fica de fora o fluxo de capitais (investimentos e empréstimos). Ou seja, pelo comportamento das contas externas, a entrada de dólares neste ano tende a ficar mais forte do que a saída.


São duas as principais razões que explicam esse resultado, uma positiva e outra negativa. A explicação positiva é a boa fase das exportações de commodities (soja, milho, carne, petróleo e minérios), que tem a favor, além do aumento da produção, a alta dos seus preços em dólares. A explicação negativa é a ainda baixa atividade econômica, que vem segurando importações e despesas com serviços (turismo, transportes, seguros, etc.). Ou seja, tem a ver com a queda da demanda interna.


No entanto, até agora, o comportamento do câmbio não refletia essa melhora do balanço de pagamentos. Teimava em ficar mais perto dos R$ 5,80 do que dos R$ 5,00, principalmente pela falta de confiança no governo. O risco era o de que as contas públicas se desmantelassem, a dívida saltasse para 100% do PIB, a política de juros perdesse capacidade de torque (por dominância fiscal) e o País ficasse ingovernável.


A novidade é que houve acordo político em torno da aprovação do Orçamento da União, que não tem lá grande qualidade, mas que também não é o desastre tão temido. Foi o suficiente para uma distensão no câmbio (veja o gráfico). O relativo alívio na aprovação do Orçamento agiu também sobre o comportamento do índice de risco Brasil, medido pelo CDS5, que é o quanto os investidores internacionais vêm pedindo de remuneração extra para ficar com títulos do Tesouro do Brasil de 5 anos. (Veja o gráfico.) Dois fatores podem agora trazer ainda mais dólares para o Brasil. O primeiro deles é o aumento da percepção de exuberância das contas externas, especialmente agora que a economia mundial ensaia grande recuperação. E o segundo, a ideia de que as cotações podem cair ainda mais e, por conta disso, exportadores e investidores, que vêm mantendo recursos lá fora, se sintam encorajados a trazê-los mais rapidamente para cá com o objetivo de aproveitar cotações ainda elevadas.


O mercado financeiro auscultado pela Pesquisa Focus, do Banco Central, vinha trabalhando com o dólar ao fim do ano em torno dos R$ 5,30 a R$ 5,40. A partir de agora, poderá baixar alguma coisa nessas estimativas. Se a tendência de baixa do dólar se confirmar, dá para esperar duas consequências para a economia. A primeira é o impacto deflacionário sobre os importados. Derivados de petróleo e alimentos podem ter suas cotações finais barateadas. O mesmo deverá acontecer com insumos, matérias-primas e equipamentos trazidos do exterior. Poderá, também, aliviar o IGP-M cujo avanço tanto vem preocupando os que pagam aluguéis. A outra consequência poderá recair sobre a política monetária. Se a inflação recuar de maneira consistente, o Banco Central não precisará puxar tanto pelos juros.


O problema é que essa recuperação da confiança, que está na base da valorização do real (baixa do dólar), não é fava contada. A covid-19 está desenvolvendo novas cepas e não há segurança de que a imunização da população, que avança lentamente, será capaz de conter novas ondas e, com elas, nova deterioração da atividade econômica e da situação do emprego.


Além disso, há as incertezas inerentes ao jogo político. O governo Bolsonaro depende de apoios fugazes e continua sem rumo. E, quando falta rumo, ele próprio não sabe para onde vai.


FONTE: BROADCAST

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Dinheiro físico ganha espaço na economia em meio à pandemia(Valor, 23 4 21)

 



O universo financeiro passou por uma verdadeira transformação digital nos últimos anos, com o surgimento de novas tecnologias, como o Pix e o open banking, além da concorrência de fintechs.
Mas, uma forma de pagamento bastante tradicional ganhou espaço em 2020: o dinheiro em papel. Impulsionada pelo pagamento do auxílio emergencial, em meio à pandemia, a quantidade de notas em circulação aumentou fortemente e levou consigo empresas que trabalham com numerário, como operadoras de caixas eletrônicos, transportadoras de valores e mesmo algumas fintechs. 

Hoje, as cédulas e moedas em circulação na economia brasileira somam R$ 340,879 bilhões. Ao fim de fevereiro de 2020, antes da eclosão da pandemia por aqui, esse volume era de R$ 259,340 bilhões, ou seja, em pouco mais de um ano houve um aumento de 31,4%. A demanda por dinheiro em papel foi tanta que o Banco Central foi obrigado a antecipar o lançamento da nota de R$ 200, mas a produção ainda é baixa — há apenas 63,3 mil cédulas do tipo em circulação, o menor número de todas as notas e bem atrás das cédulas de R$ 1, com 148,7 mil unidades.

A expectativa daqui para frente é de que o dinheiro ainda represente uma parcela importante das transações. Antes da pandemia, o Brasil tinha quase 45 milhões de desbancarizados. Mesmo com os indícios de que esse número tenha sofrido uma redução substancial por conta do pagamento do auxílio emergencial por meio do aplicativo Caixa Tem e da popularização de bancos digitais, é grande ainda a parcela da população com nenhum ou pouco acesso a serviços bancários, e que está no mercado informal de trabalho.

Os dados oficiais do BC sobre o uso do dinheiro são de 2018. Naquele ano, uma ampla pesquisa mostrou que 29% recebiam salário em dinheiro vivo e 96% usavam notas para pagar contas ou fazer compras. O dinheiro era a forma de pagamento utilizada com maior frequência para 60% dos entrevistados. No ano seguinte, uma pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva mostrou que 71% dos entrevistados usavam dinheiro vivo como principal meio de pagamento do cotidiano.

“Por mais que o brasileiro tenha se bancarizado, ele ainda gosta muito do numerário, a grande maioria sacou o auxílio emergencial”, afirma Alessandro Abrahão, diretor-geral da Prosegur Cash.

Ele conta que metade de todo o volume de auxílio emergencial pago no ano passado passou pela transportadora. O faturamento da unidade cresceu 12% em 2020, para R$ 2,155 bilhões. “O auxílio emergencial deu um impulso de 4% na nossa receita”, diz.

Marcelo Caio D'Arco, CEO da Brinks no Brasil, ressalta que, apesar de todo viés de digitalização, o montante de dinheiro circulando hoje é muito maior do que antes da pandemia, o que também aconteceu em outros países. “O Brasil com suas dimensões continentais e desigualdades não consegue atender 100% do público com soluções exclusivamente digitais. Alguns municípios mal têm energia elétrica, internet”, conta.

O Grupo Protege chegou a prever uma queda de 40% no faturamento em 2020, em função da pandemia, mas a retração acabou sendo bem menor, de 2,5%, sendo que na unidade de transporte de valores houve alta de 3,3%. “O auxílio emergencial criou um potencial a mais que não era esperado nas nossas projeções, mas é momentâneo”, afirma Marcelo Baptista Oliveira, presidente.

Ele destaca, contudo, que o dinheiro físico continuará tendo papel muito importante por mais 10, 20 anos, apesar da digitalização do setor financeiro. “A gente está de olho, tentando entender o mercado, o que está acontecendo com Pix, pagamentos pelo WhatsApp.

As empresas do segmento ainda não estão preparadas para dizer o que mercado vai virar. O Brasil e o mundo não estão preparados para o fim do dinheiro”, diz Oliveira.

Até mesmo as fintechs, que já nasceram num ambiente totalmente digital, começam a trabalhar com dinheiro de papel. A Celcoin, que fornece uma plataforma aberta de serviços financeiros para fintechs e bancos digitais, disponibilizou novas APIs para realização de depósitos em caixas eletrônicos. “Queremos capilaridade sem a necessidade da abertura de postos físicos”, afirma o CEO, Marcelo França.

Já a Sled, criada em novembro, está desenvolvendo uma solução que permite transformar pontos de venda (supermercados, por exemplo) em caixas eletrônicos para os consumidores. Em 2016, Anderson Locatelli, CEO e fundador da empresa, havia criado a Troco Simples, que visava revolucionar o troco em moeda. Ao compreender que o troco é apenas uma parte de um mercado repleto de outras dificuldades, ele resolveu fundar a nova fintech.

Leandro Vilain, diretor de inovação, produtos e serviços da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), diz que ações estruturais para reduzir a circulação do dinheiro em espécie foram feitas nos últimos anos, como não precisar mais sacar dinheiro para pagar boleto vencido de um banco onde a pessoa não tem conta e Pix, sistema de pagamento instantâneo que é gratuito para pessoas físicas. Contudo, diz, uma redução mais drástica do numerário tende a acontecer num horizonte de longo prazo. O próprio Pix terá a possibilidade de saques no varejo.

“Não sou inocente em afirmar que as transações com dinheiro vão zerar. Alguns produtos que envolvem numerário terão espaço por algum tempo, mas miramos sua redução no longo prazo”, diz, ao lembrar que os gastos do setor bancário com logística do numerário chegam a R$ 10 bilhões por ano. Vilain também não acredita que os caixas eletrônicos possam acabar, à medida que crescem os serviços digitais.

Ele crê que possam surgir novas formas de aproveitamento.

Apesar do impulso dado pelo auxílio emergencial no ano passado, a nova rodada, que começou a ser paga este mês, tem um público bem menor, com valores também reduzidos, o que significa que o impacto na circulação de dinheiro este ano será menos significativo. Assim, as empresas que trabalham com dinheiro em papel seguem investindo em fontes para diversificar a receita.

A TecBan, que opera a maior rede independente de caixas eletrônicos do Brasil, investiu R$ 4 bilhões em pesquisa e desenvolvimento nos últimos dez anos e deve aplicar R$ 500 milhões em 2021.

Na semana passada, concluiu a emissão de R$ 320 milhões em debêntures para refinanciar dívidas e auxiliar nesses investimentos.

Em meados de 2019 a TecBan criou o HubDigital, que facilita a entrada de novas instituições na rede Banco24Horas, reduzindo os custos das fintechs e a necessidade de investimentos em desenvolvimento e infraestrutura tecnológica. Hoje são mais de 20 fintechs parceiras e R$ 2 bilhões sacados em 2020. Além disso, em junho anunciou um acordo com a plataforma Ozone, que foi utilizada na implantação do open banking no Reino Unido, para acelerar o desenvolvimento do ecossistema dessa nova tecnologia no Brasil.

A companhia também tem outras iniciativas de diversificação, como o saque no comércio e as publicidades exibidas nos caixas eletrônicos. Com isso, essas outras linhas de receita já representam 20% do seu faturamento. “Ao fim de 2020 estreamos em um novo segmento. Constituímos a TecBan Serviços Integrados, que atuará no mercado promovendo soluções especializadas em logística, armazenagem, operação, manutenção e revitalização de equipamentos”, diz a companhia. A receita bruta cresceu 8,6% no ano passado, com desempenho mais forte do que o esperado da transportadora de valores TBForte, e o lucro saltou 220,3%, a R$ 183,2 milhões.

Já a Brinks tem quase 4 mil “cofres inteligentes” instalados em comércios de todo o país, possui um acordo com a PicPay para que os usuários da fintech possam sacar em lojas cadastradas e criou o serviço Pignus, com vans blindadas para o transporte em pequenas quantidades de itens como joias, celulares e artigos de luxo.

A Prosegur tem duas redes de correspondentes bancários (LogMais e ProPago), com mais de 160 lojas, além de oferecer uma plataforma de conciliação de vendas e gestão para pequenos lojistas. O Grupo Protege já tem uma operação mais diversifica, pois além do transporte de valores possui uma forte atuação em segurança privada e logística. Sua unidade Proair oferece terceirização de serviços para os setores operacionais e de segurança em 42 aeroportos.

Os fortes 100 primeiros dias do governo Biden(Celso Ming, Estado, 23 4 21)

CELSO MING - Os fortes 100 primeiros dias do governo Biden


sexta-feira, 23 de abril de 2021 


 

O Estado de S. Paulo  / Economia



O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ainda não completou seus 100 primeiros dias de governo (tomou posse dia 20 de janeiro) e, no entanto, já é enorme surpresa. Nenhum analista esperava tanto dinamismo em tantas frentes. Vamos conferir: VACINAS - A meta original nos Estados Unidos de aplicar 100 milhões de doses em 100 dias foi alcançada em 58 dias. Por isso, foi revista. Biden anunciou que já foram aplicados 200 milhões de doses. Nada menos que 80% dos maiores de 65 anos receberam ao menos uma dose. Qualquer pessoa de 16 anos ou mais tem agora acesso à vacina. Dentro de mais algumas semanas, Biden estará em condições de avançar na chamada geopolítica da vacina, destinada a ocupar os espaços que a China e a Rússia vêm ensaiando ocupar.


AVANÇO DO PIB - A imunização da população é requisito para o disparo da atividade econômica, o que está alcançado. Mas Biden avançou mais. Nas primeiras semanas de governo, propôs pacote de ajuda emergencial de Us$ 1,9 trilhão que banca nova rodada de pagamentos para a população carente. E agora, anunciou superprograma de investimentos de US$ 2 trilhões para financiamento de projetos de infraestrutura e de geração de energia limpa. É plano que relança os Estados Unidos como economia líder e deve criar milhões de empregos. É a melhor resposta à política do governo Trump que pretendia garantir os Estados Unidos em primeiro lugar com base em protecionismos, represálias e desmanche de acordos multilaterais. A ideia agora é reforçar investimentos em tecnologia e iniciativas de ponta. O desafio da China passa a ser enfrentado não com antagonismos, mas com fortalecimento da economia e das instituições. Novas projeções do FMI indicam que o PIB dos Estados Unidos saltará 6,4% neste ano.


METAS AMBIENTAIS - A convocação da primeira Cúpula do Clima, realizada ontem e hoje com os principais chefes de Estado e de governo, é, por si só, iniciativa de impacto. Não só reverte a política negacionista do presidente Trump, mas, também, avança nas metas ambientais. Os Estados Unidos se comprometem a reduzir pela metade as emissões de CO até o fim desta déca- 2 da e chegar a emissões zero até 2050. Biden ainda anuncia que pretende ajudar os demais países a cumprir as metas do Acordo de Paris.


REFORMA TRIBUTÁRIA - Há duas semanas, o governo Biden anunciou proposta que altera disposições do sistema tributário que, uma vez aceitas, terão impacto global. A primeira é o aumento do Imposto de Renda das empresas nos Estados Unidos, de 21% para 28%. A segunda, a negociação em âmbito global de um imposto mínimo sobre o lucro das empresas, com o objetivo de acabar com a guerra fiscal entre países destinada a atrair empresas.


POLÍTICA DE IMIGRAÇÃO - Em vez de insistir na construção de muros e na deportação de "não cidadãos" (que substitui a expressão "estrangeiros"), Biden estuda agora formas não truculentas de lidar com o problema migratório.


FIM DA GUERRA - No dia 14 de abril, Biden anunciou a retirada das tropas dos Estados Unidos do Afeganistão até 11 de setembro, data que marca o 20o aniversário do ataque às torres gêmeas. É o fim da guerra mais longa em que se enredaram os Estados Unidos.


ACORDO COM O IRÃ - Trump desmantelou o acordo nuclear com o Irã assinado pelo ex-presidente Obama, situação que abriu espaços para que se fortalecessem entendimentos financeiros e comerciais entre Irã e China. Biden já manifestou interesse para a retomada das negociações. Para isso, terá de enfrentar a oposição de Israel.


São decisões que ainda não garantem que a administração Biden leve a bom termo essas e outras iniciativas, porque os 100 primeiros dias se caracterizam como temporada de tréguas no jogo com a oposição. A partir de agora, os republicanos passarão a ver a administração Biden como sério obstáculo a suas pretensões eleitorais em 2022 e em 2024 e deverão acirrar sua atuação política contra o presidente. No entanto, esse inegável bom começo pode ajudar a reconduzir a vida política no país para o fortalecimento das instituições democráticas e não mais para seu desmonte, como aconteceu ao longo do período Trump.




terça-feira, 20 de abril de 2021

Política climática contra países em desenvolvimento(Bjorn Lomborg, Globo, 20 4 21)

BJORN LOMBORG - Política climática contra países em desenvolvimento


terça-feira, 20 de abril de 2021 


 

O Globo  / Opinião

BJORN LOMBORG


À medida que aumentam os custos da política climática, os países ricos pressionam os mais pobres a pagar essa conta por meio de tarifas de carbono. O Reino Unido tem esse objetivo como prioridade de sua presidência do G7, e a União Europeia avança com seus planos de uma taxa de carbono própria. Já os países em desenvolvimento estão irritados com a ideia.


Apesar da retórica verde dos países ricos, eles ainda obtêm 79% de sua energia de combustíveis fósseis. Pôr um fim nisso será difícil e incrivelmente ineficaz.


As promessas do Acordo de Paris significam, na prática, reduzir as emissões mundiais em 7,6% ao ano nesta década. A ONU observa alegremente que isso quase foi alcançado em 2020, com as paralisações devido à Covid-19.


Neste ano, no entanto, precisamos de uma redução duas vezes maior. Ou seja, equivalente a duas paralisações como a de 2020. Em 2022, ela deverá ser três vezes maior, e assim por diante, chegando ao equivalente a 11 paralisações mundiais todo ano a partir de 2030. Os modelos econômicos mostram que isso custará dezenas de trilhões de dólares por ano.


Além disso, os cortes não terão muito impacto sobre o clima. Mesmo que todas as nações da OCDE cortassem por completo suas emissões de CO2, o modelo climático padrão da ONU mostra uma redução nas temperaturas de apenas 0,4°C em 2100.


O motivo? Seis bilhões de pessoas desfavorecidas que também querem ter acesso a energia abundante e barata para sair da fome e da doença. Mas as políticas climáticas prejudicam o mundo em desenvolvimento. Se o objetivo for uma redução de até 2°C na temperatura, um estudo recente revisado por pares indica que haverá 80 milhões a mais de pobres até 2030.


À medida que as políticas climáticas na Europa e nos EUA aumentarem os custos de energia, mais empresas migrarão para regiões menos sobrecarregadas, como a América Latina, a China e a índia. Estabelecer uma tarifa sobre as importações, conforme as emissões subjacentes, reduziria esse movimento.


Porém essas tarifas também tornariam mais difícil para os países em desenvolvimento competir, visto que a maioria dos ricos emite carbono de forma mais moderada. Em nível global, essas tarifas seriam ineficientes e tomariam as políticas climáticas ainda mais caras. Mais importante, no entanto, é que elas serviriam como um protecionismo de retaguarda para os países ricos.


Para que os países ricos cortem 20% de suas emissões, o custo será de US$ 310 bilhões por ano. Usando tarifas de carbono, os países ricos podem terminar com US$ 90 bilhões a mais, atraindo as empresas de volta. Em vez disso, eles impõem mais de meio trilhão em custos extras, todo ano, aos pobres do mundo.


A UE e outras partes acreditam que ameaças tarifárias forçarão países em desenvolvimento a adotar suas próprias políticas climáticas onerosas. Não vão. No caso da China, um estudo recente mostra que, mesmo que as tarifas de carbono dos EUA custem US$ 24 bilhões ao ano, um imposto doméstico para 0 carbono seria quase dez vezes mais caro.


Forçar os países em desenvolvimento a escolher entre perder um bilhão ou dez bilhões não levará a políticas climáticas efetivas. Levará a um profundo ressentimento em relação a países ricos que transferem seus custos climáticos aos pobres do mundo. Brasil, África do Sul, índia e China denunciaram recentemente essas tarifas como "discriminatórias", e as nações africanas acusam-nas de protecionistas.


Aplicar tarifas de carbono pode ser popular entre eleitores de países ricos, mas provavelmente levará a uma guerra tarifária, fazendo países em desenvolvimento criar um regime de livre comércio separado.


A maneira mais eficaz de lidar com o problema gerado pelas mudanças climáticas é aumentar drasticamente o investimento em pesquisa e desenvolvimento de energia renovável. Se fosse possível tornar a energia verde mais barata que a dos combustíveis fósseis, todos fariam essa troca tranquilamente.


O Brasil e seus parceiros precisam voltar a influenciar a política climática e insistir em inovações inteligentes e sustentáveis. Esses países devem deixar claro para um Ocidente arrogante que privar os pobres do mundo dos dois motores do desenvolvimento (energia abundante e livre comércio) é inaceitável.


Bjorn Lomborg é presidente do Consenso de Copenhague




sábado, 17 de abril de 2021

Infectado e agora protegido(Fernando Reinach, Estado, 17 4 21)

FERNANDO REINACH - Infectado e agora protegido


sábado, 17 de abril de 2021 


 

O Estado de S. Paulo  / Metrópole

Em janeiro de 2021 quase 30% tada pelo vírus Sars-CoV-2 da população da cidade de São Paulo já havia sido infec( www.monitoramentocovid19.org ). Na coleta que se inicia semana que vem teremos este número atualizado. Não é difícil de imaginar que ele pode estar se aproximando dos 45%. Isto é importante pois, agora, um estudo feito na Inglaterra demonstrou que pessoas já infectadas pelo vírus estão protegidas de uma nova infecção.


Essas pessoas têm um risco 84% menor de serem infectadas novamente quando comparadas com pessoas que não foram infectadas. Esse nível de proteção é equivalente ao obtido com o uso das vacinas.


Em março de 2020, quando planejamos o estudo, ainda não existiam vacinas e acreditávamos que monitorando o número de infectados ao longo do tempo teríamos uma ideia do número de pessoas já resistentes ao vírus. Isto porque na maioria das infecções virais as pessoas desenvolvem algum nível de resistência a uma nova infecção.


O problema é que essa hipótese ainda não havia sido demonstrada para o Sars-CoV-2. Durante este último ano muitas dúvidas foram levantadas a respeito dessa hipótese: testes de baixa qualidade indicavam que a quantidade de anticorpos baixava rapidamente, começaram a surgir casos esporádicos de reinfecção e, mais recentemente, surgiu a possibilidade de as novas variedades do vírus serem capazes de escapar totalmente dessa proteção. Grande parte desses argumentos foi por água abaixo com as conclusões do estudo agora publicado.


Foram recrutados 26.661 voluntários entre trabalhadores da saúde na Inglaterra, sendo que 86% deles lidavam diretamente com pacientes de covid-19. Desse grupo, 17.383 ainda não haviam sido infectados pelo SarsCoV-2 com base em testes que detectavam anticorpos contra o vírus; e 8.278 haviam contraído o vírus e se curado.


O recrutamento acabou no início da segunda onda na Inglaterra, em 31 de dezembro de 2020, provocada pela nova variante. Os voluntários foram monitorados até o início de fevereiro deste ano. Os cientistas mediram quão mais frequente era a infecção por Sars-CoV-2 nas pessoas que ainda não haviam sido infectadas, quando comparadas com as pessoas que já ha- viam sido infectadas.


Foram observadas 7,6 reinfecções para cada 100 mil pessoas entre os que possuíam anticorpos (os já infectados e curados) e 57,3 infecções por 100 mil pessoas entre os que ainda não haviam sido infectados; um número 7,6 vezes maior. A partir desses dados foi possível determinar que uma infecção prévia diminui o risco de contrair a doença em 84%. Essa proteção dura seguramente mais de sete meses.


Esses resultados demonstram que ser infectado pelo Sars-CoV-2 protege as pessoas de uma nova infecção, da mesma forma que as melhores vacinas. É claro que as pessoas que foram infectadas correram o risco de morrer ou ter sequelas, o que não existe com as pessoas que foram vacinadas. Também ainda é possível que essa proteção pode vir a ser menor frente a outras variedades, mas tudo indica que parte dessa proteção é duradoura.


Esse resultado demonstra que provavelmente 30% da população de São Paulo já está protegida, ao menos parcialmente, de uma nova infecção. Como a fração da população infectada na cidade está crescendo rapidamente é muito provável que nos próximos meses mais pessoas estarão protegidas por uma infecção anterior do que pelas vacinas.


A comprovação de que pessoas infectadas se tornam resistentes comprova nossa hipótese inicial, de que medindo o número de infectados, e somando esse número aos vacinados, talvez seja possível estimar quando atingiremos o nível de imunidade coletiva necessária para controlar a pandemia em São Paulo.


Somando já infectados aos já vacinados se pode estimar quando SP atingirá imunidade




quinta-feira, 15 de abril de 2021

Vem aí a moeda digital(Celso Ming, Estado, 15 4 21)

 CELSO MING - Vem aí a moeda digital


quinta-feira, 15 de abril de 2021


 

O Estado de S. Paulo  / Economia

Segunda-feira, em evento promovido pelo Banco de Espanha, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, informou que em breve dará notícias sobre a criação de moeda digital no Brasil.


Há tempo que os brasileiros já vêm tendo contato com algum tipo de moeda ou quase moeda digital. O exemplo mais conhecido e mais antigo é o dos pontos de milhagem (pontos de fidelidade). Outro caso é o das criptomoedas, cujo melhor exemplo é o bitcoin.


Em 2019, o Facebook anunciou a criação de uma moeda digital global, inicialmente chamada 'libra', que, no final de 2020, foi rebatizada como 'diem'. Essa moeda seria partilhada por outras 27 big techs como Visa, Mastercard, Spotify e Uber. Mas as duas primeiras não chegam a desempenhar as funções de moeda de fato. Podem servir para pagar determinados produtos e serviços, mas não servem nem como medida de valor nem como reserva de valor, ou porque têm cotação restrita (caso dos pontos de milhagem) ou porque seu preço está sujeito a enormes volatilidades, como acontece com o bitcoin. Quanto ao projeto do Facebook, nada ainda a dizer. Sua circulação segue em avaliação.


Algumas dessas moedas digitais vêm tendo larga aceitação porque sua criação e, principalmente, sua posse e estocagem são feitas com sólidas garantias.


No caso das criptomoedas, as transferências desses ativos de pessoa para pessoa contam com uma base de dados de registro permanente à prova de ação de violações, mais conhecido como sistema blockchain.


Em janeiro de 2017, o estoque de criptomoedas foi avaliado em US$ 18 bilhões. Dois anos depois, passou a US$ 287 bilhões, como aponta estudo da OCDE, de fevereiro deste ano.


Por enquanto, correspondem a uma fração insignificante dos meios de pagamento em circulação no mundo, mas sua aceitação foi suficiente para avisar os bancos centrais de que essas moedas podem se expandir exponencialmente. Assim, trazem o risco de que os bancos centrais percam capacidade de criação e de administração de uma moeda nacional.


Mais do que isso, em caso de crise sistêmica e choque de desconfiança, as autoridades não estariam em condições de intervir e de evitar desastres.


Há alguns anos, especialistas de todo o planeta vêm estudando a criação de moedas digitais a serem administradas por bancos centrais, já conhecida pela sigla em inglês CBDC (Central Bank Digital Currency). Estão fadadas a substituir tanto o meio circulante (papel-moeda e moedas metálicas) quanto a chamada moeda contábil. Até agora, nenhum banco centra as emitiu. Mas estão em curso projetos-piloto, na China, na Suécia, no Uruguai, Bahamas e Caribe Oriental.


Não há informações sobre as características da CBDC que o Banco Central do Brasil está preparando, mas já se sabe sobre algumas consequências que advirão de sua emissão em larga escala, não só no Brasil mas em toda parte.


A mais importante delas é a de que o saldo pertencente a um correntista deverá ser um endereço eletrônico controlado por um banco central. Nessas condições, pagamentos e transferências deverão dispensar a intermediação de instituições financeiras e baratear substancialmente essas operações. Hoje, as transferências internacionais são caras, em média de 7% por remessa, demoradas demais e pouco eficientes. Os bancos que já vêm perdendo espaço na ocupação do mercado financeiro, deverão perder ainda mais.


Pode-se imaginar, também, a forte redução dos custos de manipulação de moedas digitais, principalmente quando comparados com os de lidar com papel-moeda convencional, que exige armazenamento e transporte com alto grau de segurança, manipulação complicada e necessidade de substituição das notas avariadas por novas.


Outra consequência, as autoridades de qualquer país estarão em condições de controlar todos os fluxos de moeda e, portanto, também as tentativas de lavagem de dinheiro, de financiamento do narcotráfico ou de comércio clandestino de armamentos. Nessas condições, as chamadas transações anônimas podem estar com os dias contados.


Terceira consequência, aumentará a importância do uso das redes sociais nas transações financeiras. O projeto da moeda digital privada, o 'diem', do Facebook, daria acesso imediato a quase3 bilhões de pessoas, já demonstrara essa importância.


Para total confiabilidade na moeda digital, duas exigências são impreteríveis: uma sólida infraestrutura que permita um sistema de pagamentos globais confiável e uma rede muito mais eficiente de internet do que a que se tem hoje.


COMENTARISTA DE ECONOMIA




quarta-feira, 14 de abril de 2021

150 anos da 'Revolução Marginalista(Hélio Beltrão, FSP, 14 4 21)

150 anos da 'Revolução Marginalista'


quarta-feira, 14 de abril de 2021 


 

Folha de S. Paulo  / Mercado

Helio Beltrão


Contribuição de Menger fundou a Escola Austríaca e é o pilar da economia contemporânea


Este ano de 2021 representa o sesquicentenário da chamada 'revolução marginalista' na ciência econômica, que suplantou a Escola Clássica e deu origem à escola neoclássica e à Escola Austríaca de Economia.


A efeméride se refere à articulação independente e quase simultânea -por Carl Menger, William Stanley Jevons e Léon Walras- dos princípios da utilidade marginal decrescente e da teoria subjetiva do valor, pilares centrais da atual mainstream (a ciência econômica mais ensinada nas universidades ao redor do mundo).


Durante milênios, pensadores como Platão, Copérnico e Adam Smith fracassaram em explicar o paradoxo do valor: por que uma garrafa d'água vale menos no mercado do que um quilate de diamante, que é menos importante e útil que a água? Os pensadores estavam aprisionados à convicção de que o valor de um bem deveria guardar relação umbilical com sua utilidade.


Menger demonstrou que a satisfação propiciada por uma unidade de um bem é avaliada pelo indivíduo, subjetivamente, segundo a utilidade daquela unidade concreta (a unidade 'marginal') adquirida.


Não está em jogo passar a vida toda sem água ou sem diamante, caso em que a água valeria todo o dinheiro do mundo. Na prática do dia a dia, o indivíduo normalmente já tem acesso a água. Portanto, a utilidade de uma garrafa adicional é pequena, ao passo que a utilidade de um diamante pode lhe parecer alta, em particular se não possuir nenhum.


A adoção do subjetivismo e do individualismo metodológicos descritos acima inverteu a seta causal defendida pela Escola Clássica. Na visão do clássico David Ricardo, a causalidade no valor dos bens se dava no mesmo sentido que a produção. Recursos naturais (ex: minério, carbono) são usados para produzir bens intermediários (ex: aço, alumínio), que, por sua vez, são transformados em um bem final (ex: smartphone) que atende às necessidades do consumidor.


Para Ricardo, o valor dos recursos naturais determinava o dos bens intermediários, que, por sua vez, determinava o valor do bem final que o consumidor comprava. Derivou daí a teoria ricardiana de que o valor é atrelado ao custo de produção, que Karl Marx adotou para sua teoria do valor-trabalho.


Ambas as teorias foram refutadas pela revolução marginalista. Em 1871, em seu 'Grundsatze' ('Princípios'), Menger demonstrou que a seta causal era a oposta: a partida do processo é a determinação (inter)subjetiva do valor do bem final pelos consumidores.


Por outras palavras, o valor não tem a ver com o custo, com o trabalho envolvido, ou com as propriedades inerentes do bem, mas é determinado por sua utilidade marginal para o consumidor. A partir daí, os preços dos bens intermediários e dos recursos naturais são derivados (ou 'imputados'), sucessivamente ao longo da cadeia, de trás para a frente, a partir da avaliação do bem final pelo consumidor.


No nascimento, em 1871, a Escola Austríaca e a escola neoclássica pareciam dividir a mesma forma de ver o mundo. Com o tempo, ficou aparente que o ramo neoclássico considera a economia uma ciência exata e a Escola Austríaca julga o ser humano, imperfeito e temperamental, como ponto primeiro e central de todo o processo econômico.


São visões irreconciliáveis, refletidas em diferentes métodos para conduzir a ciência. A maior parte das contribuições da Escola Austríaca foi incorporada ao mainstream. Mas a diferença de visões persiste e não foi totalmente resolvida.


Apesar de a Escola Austríaca ser minoritária comparada aos neoclássicos, é a escola econômica mais antiga e a que mais cresce no mundo desde a falência da Curva de Philips, nos anos 1970, processo acelerado a partir da crise de 2008.


Depois de 150 anos da 'Revolução Marginalista', Menger vive, e seu método para as ciências sociais ainda procura uma refutação.



Cenário Político-Econômico: Colunistas


sábado, 10 de abril de 2021

Morre Alfredo Bosi, o maior crítico literário do Brasil(Carta Capital, 8 4 21)

EDITORIAL - Perda irreparável

quinta-feira, 8 de abril de 2021 


 

Revista Carta Capital  / Editorial

Mino Carta


Morre Alfredo Bosi, o maior crítico literário do Brasil





Quanta falta vai fazer Alfredo Bosi para o Brasil e para mim, especificamente. Foi o grande crítico literário do País até sua morte, por Covid, dia 7 de abril de 2021, em São Paulo, aos 84 anos. De verdade, eu já sabia que ele se despedira da vida muito antes, quando do falecimento da sua mulher, Ecléa, quatro anos atrás. Professora do Instituto de Psicologia da USP, era a sua companheira inseparável, desde quando ambos passaram dois anos em Florença, graças a uma bolsa de estudos concedida pelo governo italiano no começo dos anos 60. Lembro-me dele para sempre na calçada de uma rua do bairro paulistano do Itaim, à porta de um restaurante, onde almoçaríamos juntos para falar do meu penúltimo livro, O Brasil, publicado em 2013 pela Editora Record.





Veio ao meu encontro com um sorriso que nele era inconfundível, miúdo e elegante. Ousadamente eu submetera a minha obra ao seu crivo agudíssimo e, ao cabo, ele decidiu escrever uma carta para desenvolver a sua análise com a pronta cortesia, que nele era típica. Não resisto à tentação de citar o que disse em um momento da missiva: “O narrador nunca deixa de pontuar o cafonismo kitsh colado ao grã-finismo paulista, figurado pelo ponto de vista de um anarcossocialista aristocrático e renascentista chamado Mino Carta. (...) Qual é o desígnio do texto? Levar ao ridículo a nossa burguesia arrivista e puni-la metodicamente, mas sem nenhuma esperança de corrigi-la”.





Nasceu ali, entre uma garfada e outra de um peixe assado debaixo do sal, uma amizade muito sólida, iluminada pelos versos de Giacomo Leopardi e pelo pensamento de Antonio Gramsci, autores que conhecíamos literalmente de cor. Lembro de um jantar na minha casa, em que começamos a recitar em coro um poema de Leopardi, intitulado O Infinito.­ Infelizmente, o nosso tempo foi breve, mas tive a ventura de conhecer Ecléa, que o acompanhava a vários encontros noturnos à beira de garrafas ilustres. Noitadas memoráveis marcadas pelas afinidades eletivas. Alfredo era um especialista em literatura italiana, que lecionou por um bom tempo na USP, mas foi ainda um estudioso atilado da literatura brasileira, que também lecionou no Departamento de Letras Clássicas e ­Vernáculas da FFLCH desde 1970. A sua vocação de professor mereceu-lhe inúmeras honrarias no Brasil e mundo afora.





Dois filhos nasceram do casamento feliz, Viviana e José Alfredo. Ao me apresentar a filha, ele me disse, comovido: “É a cara da Ecléa”. Depois da morte da esposa vivia recluso, mas ainda assim consegui encontrá-lo algumas vezes para o meu enlevo, pois com ele sempre havia o que aprender em torno de argumentos que nos empolgavam a ambos. Personagem più unico che raro, conforme soletra uma típica expressão italiana. 



sexta-feira, 9 de abril de 2021

As Forças Armadas da cleptocracia e a preservação da democracia(Simon Schwartzman, 9 4 21)

 

A doença As Forças Armadas da cleptocracia e a preservação da democracia


sexta-feira, 9 de abril de 2021 


 

O Estado de S. Paulo  / Espaço Aberto

Simon Schwartzman


Um tema importante, mas pouco estudado nas ciências sociais, é o das causas e efeitos da cleptocracia, termo de origem grega que significa, literalmente, governo de ladrões. Em todos os regimes políticos, democráticos ou autoritários, os governantes e seus apoiadores se beneficiam de seus cargos. Mas o que marca a cleptocracia é a pilhagem sistemática dos recursos públicos em benefício dos governantes e seus familiares, atropelando as instituições ou manipulando-as a seu favor. Os cleptocratas têm muito pouco apoio na sociedade, no entanto, conseguem se manter por longo tempo no poder. Como isso é possível?


Cerca de 20 anos atrás, Daron Acemoglu, economista de origem turca que ficou famoso por combinar a análise econômica com a história e as ciências políticas, tratou de responder a essa pergunta, que é mais atual do que nunca, sobretudo no Brasil (*). Ele tomou como exemplo os casos extremos do Congo, com Joseph Mobutu, e da República Dominicana, com Rafael Trujillo, que governaram por décadas e arruinaram seus países, mas o modelo que desenvolveu é de aplicação muito mais ampla.


O que permite que a cleptocracia se estabeleça e se mantenha, diz Acemoglu, é a debilidade das instituições de um país. "Quando as instituições são fortes", diz ele, "os cidadãos punem os políticos retirando-os do poder; quando as instituições são fracas, os políticos punem os cidadãos que não os apoiam. Quando as instituições são fortes, os políticos competem pelo apoio e endosso de grupos de interesse; quando as instituições são fracas, os políticos criam e controlam os grupos de interesse. Quando as instituições são fortes, os cidadãos exigem direitos; quando as instituições são fracas, os cidadãos imploram por favores".


Na cleptocracia todos perdem, exceto os cleptocratas, mas os diferentes setores da sociedade não conseguem se organizar para tirá-los do poder porque eles usam a conhecida tática de dividir para reinar. Pensemos em dois partidos que poderiam unir-se para derrotar os cleptocratas na próxima eleição. Antes que se juntem, o governo chama um deles, oferece vantagens e benefícios e ameaça punir quem ficar contra. Entre o medo e a ganância, o apoio é dado e o governo se mantém. No dia a dia, a técnica funciona trocando constantemente ministros e altos funcionários, provocando insegurança e fazendo as autoridades serem leais aos governantes, e não às responsabilidades e aos fins das instituições em que trabalham.


Existem algumas condições para que esse jogo de dividir para reinar tenha sucesso. A primeira é quando os setores mais organizados da sociedade só conseguem pensar no curto prazo, porque não acreditam na estabilidade das instituições políticas e econômicas. Entre o ganho imediato de um privilégio concedido ou bom negócio feito hoje com o governo e um ganho futuro de uma eventual vitória eleitoral e a economia prosperando, apostam no ganho imediato. O segundo é quando os governantes conseguem concentrar recursos significativos em suas mãos, seja porque recebem ajuda internacional, ou porque se beneficiam dos lucros da exportação de alguns produtos de grande valor, ou porque podem canalizar para si o dinheiro de impostos, ou emitir dinheiro novo. O terceiro é quando a economia é pouco produtiva, o que faz que os benefícios vindos dos favores do governo sejam muito mais valorizados do que os da atividade econômica e profissional independente. O último é quando os diferentes grupos de interes- se na sociedade são igualmente débeis em sua capacidade de se organizar e mobilizar recursos, o que faz que nenhum deles seja capaz, sozinho, de desafiar e ganhar numa disputa com os tecnocratas.


Existem outros dois fatores que contribuem para a permanência das cleptocracias. Um é quando o poder político está concentrado numa pessoa, mais do que num cargo ou numa instituição. Com isso, em eventual conflito entre os interesses do governante e as regras institucionais, prevalecem os primeiros. O outro é quando a sociedade é muito desigual, permitindo que um pequeno grupo mantenha seus privilégios, cooptando parte dos setores mais pobres distribuindo migalhas.


Para os que conseguem acompanhar, Acemoglu e seus colaboradores apresentam um modelo matemático que mostra de forma precisa como a cleptocracia funciona e se mantém. Aqui basta dizer que uma consequência grave da cleptocracia é o ataque permanente às instituições existentes, não só do Executivo, mas também do Judiciário e do Legislativo, que acabam por perder legitimidade e autonomia. O resultado é a desorganização da economia, o empobrecimento da sociedade e o aumento da insegurança, fatores que, por sua vez, facilitam a permanência dos cleptocratas no poder. Mobutu, Trujillo, Stroessner e tantos outros mostram que quando a cleptocracia domina é muito difícil se livrar dela. Mas ela pode ser entendida também como uma doença que vai crescendo aos poucos e precisa ser debelada antes que seja tarde demais.


(*) Acemoglu, Daron, Thierry Verdier e James A Robinson Kleptocracy and divide-and-rule: A model of personal rule. Journal of the European Economic Association, 2 (2-3), pp 162-92, 2004.


SOCIÓLOGO, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS


Ela vai crescendo aos poucos e precisa ser debelada antes que seja tarde demais



quinta-feira, 8 de abril de 2021

Sistemas de Eclusas Canadá


 


O gigantesco sistema de eclusas do Canal Welland, no Canadá 🇨🇦! O canal conecta o Lago Ontário e o Lago Erie, e possui 42 km de extensão. Ele forma uma seção importante do canal marítimo do sistema hidroviário do rio São Lourenço e dos Grandes Lagos, permitindo que os navios subam e descam a Escarpa do Niágara e contornem as Cataratas do Niágara. O nome atualmente se refere ao quarto canal, três canais anteriores e muito menores atendendo a mesma rota também são conhecidos como Welland, mas desativados para grandes navios.
A construção do canal atual começou em 1913, mas os trabalhos foram suspensos de 1916 a 1919 devido à falta de trabalhadores durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e foi concluído e inaugurado em 6 de agosto de 1932. Existem oito eclusas, sete na Escarpa do Niágara e a oitava, uma eclusa de segurança, em Port Colborne para se ajustar à variação da profundidade da água no Lago Erie. A profundidade é de 7,6 m, com eclusas de 233,5 m de comprimento por 24,4 m de largura.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Alerta vermelho nas favelas(Estado, 7 4 2021)

 Alerta vermelho nas favelas


quarta-feira, 7 de abril de 2021 - 04:02


 

O Estado de S. Paulo  / Notas e Informações

Em 2021 as favelas foram colhidas por uma tempestade perfeita: escalada do contágio; recrudescimento das medidas restritivas; redução das oportunidades de trabalho e renda; inflação da cesta básica; e fim do auxílio emergencial. Some-se a isso a queda brusca nas doações. No pior momento da pandemia, as populações das favelas, já de per si mais vulneráveis às infecções e às retrações econômicas, estão amargando a fome.


"Os dados são hoje os mais preocupantes desde o início da pandemia", alertou o presidente do Instituto Locomotiva e Fundador da Data Favela, Renato Meirelles, "seja no número de pessoas sem poupança, seja no número de pessoas com falta de dinheiro para comprar comida, seja na redução do número de refeições".


Levantamento do Locomotiva em parceria com a Central Única das Favelas (Cufa) mostrou que nas últimas semanas 68% dos moradores das favelas não tiveram dinheiro para comprar comida. Mais de 70% das famílias estão sobrevivendo com menos da metade da renda de antes da pandemia e 93% dos moradores não têm nenhum dinheiro guardado.


Além disso, sofrem riscos sanitários maiores: 33% estão procurando seguir as medidas de prevenção, mas nem sempre conseguem, e 30% não conseguem, a imensa maioria porque precisa ganhar o pão de cada dia nas ruas. Dos entrevistados, 75% tiveram de fechar o próprio negócio ou deixar de fazer bicos por causa da crise, e desses, mais da metade ficou sem trabalhar cinco meses ou mais. Estima-se que o número de contágios nas favelas seja o dobro em relação a regiões mais nobres.


Das famílias faveladas, 82% dependem de doação para se alimentar. Mas, assim como o prolongamento da pandemia levou a população a uma certa resignação e ao relaxamento do isolamento social, passado o pânico inicial, as doações também caíram dramaticamente.


Dados da Associação Brasileira dos Captadores de Recursos mostram que o volume acumulado de doações relacionadas à covid saltou de R$ 0,45 bilhão em abril, R$ 6,56 bilhões em fevereiro para R$ 6,3 bilhões em agosto. Desde então a curva se achatou. O número de doadores, que em maio chegou a 189 mil, despencou, e em dezembro foi de 5 mil.


A iniciativa Mãe da Favela, por exemplo, atendeu em 2020 5 mil favelas distribuindo 1,3 milhão de cestas básicas. Na segunda onda de covid, a queda nas doações foi de 90%. Lideranças comunitárias de Paraisópolis, em São Paulo, que chegaram a distribuir 10 mil "quentinhas" por dia, hoje distribuem entre 500 e 800. O coletivo carioca A Rocinha Resiste, que em 2020 distribuía regularmente cestas básicas para 1,5 mil famílias, conseguiu fazer uma distribuição extra de frango no Natal, e, desde então, mais nada.


Enquanto a população testemunha aflita o horror dos profissionais de saúde tendo de escolher quem será ou não entubado, nas favelas muitas entidades filantrópicas têm de escolher a qual família doar comida, e muitas famílias têm de escolher entre o almoço e o jantar - quando têm essa escolha.


Desservidas desde sempre pelo Poder Público, as favelas estão habituadas a criar redes de solidariedade para ter acesso à internet, saneamento, saúde e educação. Segundo a Cufa, 96% das pessoas que receberam auxílio emergencial compraram comida para amigos e parentes. Como disse Meirelles, "é comum nas pesquisas ouvir a frase: nas favelas se o seu vizinho tem comida, ninguém passa fome, no sentido de que elas dividem o pouco que têm". Mas agora, nem esse pouco elas têm. A média de refeições diárias das comunidades, que em agosto estava em 2,4, não chegou em fevereiro a 2 (1,9). "Tem dias que dá até briga na fila da marmita", disse ao Estado a líder comunitária Antonia Cleide Alves.


A retomada do auxílio emergencial, retardada pela incúria do Poder Público, deve trazer um alívio mínimo. Mas assim como o Brasil enfrenta uma segunda onda ainda maior de covid, precisará de uma segunda onda maior de solidariedade. E tal como as novas cepas do vírus, as novas variantes da cidadania precisarão ser muito mais fortes e contagiosas.


Com a demora ao auxílio emergencial e queda nas doações, as favelas pedem socorro



terça-feira, 6 de abril de 2021

Branco dribla a Covid(Alvaro Costa e Silva, FSP, 6 4 21)

Branco dribla a Covid


terça-feira, 6 de abril de 2021 


 

Folha de S. Paulo  / Opinião

Álvaro Costa e Silva


rio de janeiro Disseram que ele estava acabado. Disseram que ele estava velho e gordo. Disseram que ele já não era o mesmo. Mas Branco deu de novo a volta por cima. Depois de ficar internado com Covid por 18 dias, o craque saiu do hospital e passou ao lado da família a Páscoa e seu aniversário de 57 anos, comemorado no domingo (4).


Na Copa do México, Branco sofreu o pênalti que Zico perdeu, e acabamos desclassificados diante da França. Na da Itália, bebeu a "água batizada" oferecida pelo massagista argentino na partida em que fomos derrotados pelo time de Maradona. Ninguém acreditou quando ele disse que se sentiu tonto. Para a torcida, era desculpa de perdedor. O Mundial dos Estados Unidos era sua última chance para se sagrar campeão.


Em 1994, Branco retornou ao clube onde vivera suas maiores glórias, o Fluminense, após sete anos na Europa - e eu fazia a cobertura das Laranjeiras para o Jornal do Brasil. Fim de treino, ele me levou num canto e disse: "O Oldemário sabe se eu vou ou não à Copa. Você pode perguntar?". Explica-se: o repórter Oldemário Touguinhó era unha e carne com Carlos Alberto Parreira. Uma amizade tão íntima que a relação de trabalho muitas vezes se invertia: era o técnico da seleção brasileira quem telefonava ao jornal para dar informações.


O lendário jornalista desconversou: "Fala pro seu camarada que ele está pensando que eu posso tudo. Não é assim não". Dias depois me passou a curta mensagem que repassei ao Branco com as mesmas palavras: "Vai. Mas na reserva do Leo", referindo-me a Leonardo, lateral esquerdo revelado no Flamengo.


O resto é história das Copas do Mundo. Coma cotovelada e a expulsão de Leonardo no jogo contra os EUA, a seleção ganhou novo titular para pegar os holandeses nas quartas-de-final. O "velhinho" cavou uma falta e mandou um canhotaço para fazer 3 a 2. Branco foi enfim tetracampeão. E agora penta.

Até metade dos intubados por covid tem insuficiência renal e precisa de dialise(Estado, 6 4 21)

Até metade dos intubados por covid tem insuficiência renal e precisa de dialise

Doença causada pelo novo coronavírus leva a lesões nos rins e dano pode ser irreversível, uma vez que há reação exacerbada do sistema imunológico, o que pode afetar o funcionamento de órgãos vitais e levar à morte; HCor aumentou o número de equipamentos em uso

terça-feira, 6 de abril de 2021 


 


Paula Felix


Possível desdobramento em pessoas com covid-19 que evoluíram para quadros graves e foram intubadas, as lesões nos rins têm feito com que até metade desses pacientes apresente insuficiência renal e precise de diálise, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). No HCor, o parque de equipamentos para o procedimento foi ampliado na pandemia para atender à demanda da Unidade de Terapia Intensiva (UTI).


"Quem vai precisar fazer diálise faz intubado. Sabemos que 5% dos pacientes têm formas graves, que precisam intubar. Quando o quadro é muito grave, o paciente pode ter lesões renais e precisar de hemodiálise porque o rim para de funcionar", diz Osvaldo Merege, presidente da SBN. Segundo ele, essa situação atinge até metade dos pacientes graves. "Em porcentagem, dos 5% que estão intubados, 2,5% estão precisando. Temos casos de hospitais fazendo diálise em 30%, 40% e até em metade dos intubados."


O dano ao órgão pode ser causado por um evento grave que acomete algumas pessoas com a covid-19, a tempestade de citocinas, reação exacerbada do sistema imunológico que pode afetar o funcionamento de órgãos vitais e levar à morte. Sepse e a ação do vírus no órgão também podem estar ligadas a casos.


No fim de março do ano passado, o pediatra intensivista Nelson Horigoshi, de 65 anos, teve covid-19 após ir a um encontro de família. "Uma pessoa estava infectada. Seis pessoas pegaram e eu fui o único internado. E fiquei em estado grave. Fiquei intubado por dez dias e precisei fazer algumas sessões de hemodiálise. Quando meu rim começou a responder, consegui me livrar. Ao todo, foram 20 dias na UTI e 20 no quarto."


Líder médica da Nefrologia do HCor, Leda Lotaif diz que o hospital aumentou o parque de equipamentos já no ano passado por ter notado que havia casos de insuficiência renal relatados por outros países. Eram oito equipamentos, passou para dez, chegou a 15 e deve receber mais quatro nos próximos dias. Com a variante P.1, há uma percepção de que os casos passaram a ocorrer com mais frequência. "Não temos sequenciado esses pacientes, mas com a P.1, aparentemente, é uma doença mais grave, que evolui rapidamente e dá mais insuficiência renal. Tivemos um aumento de pacientes com necessidade de diálise e tem mais pacientes jovens, na casa dos 30 a 50 anos. Definitivamente é uma cepa mais grave."


No hospital, segundo Leda, entre 35% e 40% dos pacientes em UTI necessitam fazer o procedimento. "Temos pacientes que já receberam alta e os que ficaram com alguma sequela no rim e vão ter de fazer acompanhamento com nefrologista. Os rins são órgãos vitais e as pessoas não têm tanta noção até o momento em que alguém na família passa a ter insuficiência renal. Eles mantêm o equilíbrio hídrico, são importantes para a saúde óssea e produzem hormônios que estimulam a medula óssea a produzir os gló- bulos vermelhos. As pessoas devem se poupar de ter uma doença dessas."


Imposto. A Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT) diz que as unidades que realizam diálise foram prejudicadas pela reforma tributária feita pela gestão estadual, que tirou a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para medicamentos e insumos. "A maioria das clínicas é privada, mas atende pacientes do SUS. Quando tem aumento do tributo, é repassado para clínica de diálise", afirma o médico nefrologista Marcos Alexandre Vieira, presidente da ABCDT.


Segundo ele, o setor já vem sofrendo com aumentos durante a pandemia. "São medicamentos de alta tecnologia, existem soluções para filtrar o sangue e o maquinário. Só pelo aumento do dólar, está tendo aumento do preço dos produtos e ainda terá o tributo de 18%." Vieira diz que a entidade tenta se reunir com o governo para reverter a situação.


Em nota, a Secretaria de Estado da Fazenda informou que pacientes atendidos pelo SUS não serão afetados pela medida. "As entidades que representam o setor de saúde particular foram recebidas em reuniões e ouvidas pelo governo nos últimos meses. A elas foi explicado de maneira clara e objetiva que a prioridade do governo, neste momento de pandemia, é garantir o atendimento gratuito à população mais carente. Importante lembrar que o ajuste é temporário, válido por 24 meses."


Relato "A parte cardiológica foi a que reverteu mais rápido. O pulmão demorou três meses para normalizar, mas tenho um pouco de fadiga até hoje. Tenho insônia e o rim demorou a melhorar. Este mês foi o primeiro que tive o exame do rim com resultado normal.


É uma doença terrível." Nelson Horigoshi PEDIATRA INTENSIVISTA


PARA ENTENDER


O efeito entre os doentes crônicos De acordo com o presidente da Sociedade de Nefrologia, Osvaldo Merege, alguns pacientes se recuperam, mas há casos de pessoas que acabam evoluindo para doença renal crônica. No entanto, ainda não há registro de sobrecarga no serviço por causa da chegada das pessoas que superaram a covid-19 e ficaram com sequelas nos rins. "Não tem impacto para os crônicos, porque são máquinas usadas para os casos agudos. No paciente renal crônico, a diálise é programada. Mas o número de casos agudos aumentou muito nessa nova variante e com casos graves até entre os mais jovens."


Merege diz que, atualmente, há 144,5 mil pacientes renais crônicos em diálise no Brasil e a covid-19 é perigosa para este grupo. "Na população em geral, a mortalidade por covid é de 2,3%. Na população que faz diálise, 30% dos que pegam covid acabam morrendo. Por isso, seria importante priorizar a vacina para esses pacientes."


FONTES: LEDA LOTAIF, LÍDER MÉDICA DA NEFROLOGIA DO HCOR; ORGANIZAÇÃO


PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS)


Banco Central - Perfil 3: Reforma Tributária


sábado, 3 de abril de 2021

A Coronavac no Chile(Fernando Reinach, Estado, 3 4 2021)

FERNANDO REINACH - A Coronavac no Chile


sábado, 3 de abril de 2021 


 

O Estado de S. Paulo  / Metrópole

FERNANDO REINACH


Considerando que milhões de pessoas já foram vacinadas com a Coronavac, é preocupante que os resultados do ensaio clínico feito no Brasil ainda não tenham sido publicados. Agora pesquisadores do Chile e da Sinovac publicaram os resultados interinos coletados no estudo de fase 3 realizado no Chile.


O estudo descreve a segurança da vacina e a resposta imune dos vacinados. Ele é pequeno, ainda não foi revisado por pares, mas indica o que devemos esperar dos resultados obtidos no Brasil. Ele contém dados sobre a resposta imune dos vacinados, algo que o Butantan ainda não divulgou.


O estudo envolve 434 pessoas, mas os estudos de imunogenicidade foram feitos em só 190 voluntários. Desses, 173 tinham de 18 a 59 anos e 17 tinham 60 anos ou mais. Entre os mais jovens, 132 receberam a Coronavac e 41, um placebo. Entre os mais velhos, 14 receberam a vacina e 3, um placebo.


O resultado que chama a atenção é que a Coronavac não gera anticorpos contra a proteína N, apesar de essa proteína estar presente na vacina. Esses anticorpos são produzidos em abundância quando as pessoas são infectadas pelo Sars-CoV-2.


Anticorpos contra a proteína N são os anticorpos medidos nos ensaios sorológicos para saber se uma pessoa já foi infectada. Não se sabe o papel des- ses anticorpos na proteção contra o vírus. De prático, isso significa que os testes sorológicos de rotina não são capazes de identificar pessoas que tomaram a Coronavac.


O segundo resultado se refere aos anticorpos gerados contra o RDB (o Receptor Binding Domain), que é a ponta da espícula do coronavírus, a parte que ele usa para se ligar às células humanas. Os cientistas acreditam que esses são os anticorpos mais importantes, pois um subgrupo desses anticor- pos é capaz de bloquear a entrada do vírus na célula humana. As vacinas da Moderna e Pfizer são desenhadas para gerar esse tipo de anticorpo.


A boa notícia é que a Coronavac induz a produção desses anticorpos tanto em pessoas mais jovens (18-59) quanto nas mais idosas (60 ou mais).


Os jovens produzem esses anticorpos após a 1ª dose, mas os mais velhos somente a partir da 2ª dose. A quantidade desses anticorpos é alta (eles podem ser detectados mesmo após diluir o soro mil vezes), mas bem menor que a gerada nas vacinas de mRNA.


Finalmente, os cientistas mediram a presença de anticorpos neutralizantes, aqueles que são capazes de bloquear a entrada do vírus na célula humana. A Coronavac também é capaz de gerar esses anticorpos tanto em jovens como em pessoas mais velhas, mas a quantidade gerada é muito baixa pois eles deixam de ser detectados se o soro for diluído mais do que 16 vezes.


Os cientistas tentaram medir a resposta das células T em pessoas vacinadas, mas os resultados, apesar de positivos, não parecem ser suficientes para concluir que a Coronavac produz uma resposta celular potente.


A conclusão é de que os vacinados no Chile com a Coronavac possuem os anticorpos necessários para combater o Sars-CoV-2, mas em baixa quantidade, o que está de acordo com a baixa eficácia da vacina (50%). Essa baixa quantidade de anticorpos também deixa em aberto a possibilidade de a Coronavac ser menos eficaz, ou mesmo ineficaz, contra as novas variantes.


De qualquer modo, a Coronavac é segura e, apesar dessas características, deve ser tomada por todos assim que possível. No futuro, ela provavelmente ser á substituída por vacinas que oferecem maior proteção.


Vacinados no Chile possuem os anticorpos para combater o vírus, mas em baixa quantidade


MAIS INFORMAÇÕES: INTERIM REPORT: SAFETY AND IMMUNOGENICITY OF AN INACTIVATED VACCINE AGAINS SARSCOV-2 IN HEALTHY CHILEAN ADULTS IN A PHASE 3 CLINICAL TRIAL MEDRXIV- doi;org/10.1101/2021.03.31.21.254494