sexta-feira, 23 de abril de 2021

Dinheiro físico ganha espaço na economia em meio à pandemia(Valor, 23 4 21)

 



O universo financeiro passou por uma verdadeira transformação digital nos últimos anos, com o surgimento de novas tecnologias, como o Pix e o open banking, além da concorrência de fintechs.
Mas, uma forma de pagamento bastante tradicional ganhou espaço em 2020: o dinheiro em papel. Impulsionada pelo pagamento do auxílio emergencial, em meio à pandemia, a quantidade de notas em circulação aumentou fortemente e levou consigo empresas que trabalham com numerário, como operadoras de caixas eletrônicos, transportadoras de valores e mesmo algumas fintechs. 

Hoje, as cédulas e moedas em circulação na economia brasileira somam R$ 340,879 bilhões. Ao fim de fevereiro de 2020, antes da eclosão da pandemia por aqui, esse volume era de R$ 259,340 bilhões, ou seja, em pouco mais de um ano houve um aumento de 31,4%. A demanda por dinheiro em papel foi tanta que o Banco Central foi obrigado a antecipar o lançamento da nota de R$ 200, mas a produção ainda é baixa — há apenas 63,3 mil cédulas do tipo em circulação, o menor número de todas as notas e bem atrás das cédulas de R$ 1, com 148,7 mil unidades.

A expectativa daqui para frente é de que o dinheiro ainda represente uma parcela importante das transações. Antes da pandemia, o Brasil tinha quase 45 milhões de desbancarizados. Mesmo com os indícios de que esse número tenha sofrido uma redução substancial por conta do pagamento do auxílio emergencial por meio do aplicativo Caixa Tem e da popularização de bancos digitais, é grande ainda a parcela da população com nenhum ou pouco acesso a serviços bancários, e que está no mercado informal de trabalho.

Os dados oficiais do BC sobre o uso do dinheiro são de 2018. Naquele ano, uma ampla pesquisa mostrou que 29% recebiam salário em dinheiro vivo e 96% usavam notas para pagar contas ou fazer compras. O dinheiro era a forma de pagamento utilizada com maior frequência para 60% dos entrevistados. No ano seguinte, uma pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva mostrou que 71% dos entrevistados usavam dinheiro vivo como principal meio de pagamento do cotidiano.

“Por mais que o brasileiro tenha se bancarizado, ele ainda gosta muito do numerário, a grande maioria sacou o auxílio emergencial”, afirma Alessandro Abrahão, diretor-geral da Prosegur Cash.

Ele conta que metade de todo o volume de auxílio emergencial pago no ano passado passou pela transportadora. O faturamento da unidade cresceu 12% em 2020, para R$ 2,155 bilhões. “O auxílio emergencial deu um impulso de 4% na nossa receita”, diz.

Marcelo Caio D'Arco, CEO da Brinks no Brasil, ressalta que, apesar de todo viés de digitalização, o montante de dinheiro circulando hoje é muito maior do que antes da pandemia, o que também aconteceu em outros países. “O Brasil com suas dimensões continentais e desigualdades não consegue atender 100% do público com soluções exclusivamente digitais. Alguns municípios mal têm energia elétrica, internet”, conta.

O Grupo Protege chegou a prever uma queda de 40% no faturamento em 2020, em função da pandemia, mas a retração acabou sendo bem menor, de 2,5%, sendo que na unidade de transporte de valores houve alta de 3,3%. “O auxílio emergencial criou um potencial a mais que não era esperado nas nossas projeções, mas é momentâneo”, afirma Marcelo Baptista Oliveira, presidente.

Ele destaca, contudo, que o dinheiro físico continuará tendo papel muito importante por mais 10, 20 anos, apesar da digitalização do setor financeiro. “A gente está de olho, tentando entender o mercado, o que está acontecendo com Pix, pagamentos pelo WhatsApp.

As empresas do segmento ainda não estão preparadas para dizer o que mercado vai virar. O Brasil e o mundo não estão preparados para o fim do dinheiro”, diz Oliveira.

Até mesmo as fintechs, que já nasceram num ambiente totalmente digital, começam a trabalhar com dinheiro de papel. A Celcoin, que fornece uma plataforma aberta de serviços financeiros para fintechs e bancos digitais, disponibilizou novas APIs para realização de depósitos em caixas eletrônicos. “Queremos capilaridade sem a necessidade da abertura de postos físicos”, afirma o CEO, Marcelo França.

Já a Sled, criada em novembro, está desenvolvendo uma solução que permite transformar pontos de venda (supermercados, por exemplo) em caixas eletrônicos para os consumidores. Em 2016, Anderson Locatelli, CEO e fundador da empresa, havia criado a Troco Simples, que visava revolucionar o troco em moeda. Ao compreender que o troco é apenas uma parte de um mercado repleto de outras dificuldades, ele resolveu fundar a nova fintech.

Leandro Vilain, diretor de inovação, produtos e serviços da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), diz que ações estruturais para reduzir a circulação do dinheiro em espécie foram feitas nos últimos anos, como não precisar mais sacar dinheiro para pagar boleto vencido de um banco onde a pessoa não tem conta e Pix, sistema de pagamento instantâneo que é gratuito para pessoas físicas. Contudo, diz, uma redução mais drástica do numerário tende a acontecer num horizonte de longo prazo. O próprio Pix terá a possibilidade de saques no varejo.

“Não sou inocente em afirmar que as transações com dinheiro vão zerar. Alguns produtos que envolvem numerário terão espaço por algum tempo, mas miramos sua redução no longo prazo”, diz, ao lembrar que os gastos do setor bancário com logística do numerário chegam a R$ 10 bilhões por ano. Vilain também não acredita que os caixas eletrônicos possam acabar, à medida que crescem os serviços digitais.

Ele crê que possam surgir novas formas de aproveitamento.

Apesar do impulso dado pelo auxílio emergencial no ano passado, a nova rodada, que começou a ser paga este mês, tem um público bem menor, com valores também reduzidos, o que significa que o impacto na circulação de dinheiro este ano será menos significativo. Assim, as empresas que trabalham com dinheiro em papel seguem investindo em fontes para diversificar a receita.

A TecBan, que opera a maior rede independente de caixas eletrônicos do Brasil, investiu R$ 4 bilhões em pesquisa e desenvolvimento nos últimos dez anos e deve aplicar R$ 500 milhões em 2021.

Na semana passada, concluiu a emissão de R$ 320 milhões em debêntures para refinanciar dívidas e auxiliar nesses investimentos.

Em meados de 2019 a TecBan criou o HubDigital, que facilita a entrada de novas instituições na rede Banco24Horas, reduzindo os custos das fintechs e a necessidade de investimentos em desenvolvimento e infraestrutura tecnológica. Hoje são mais de 20 fintechs parceiras e R$ 2 bilhões sacados em 2020. Além disso, em junho anunciou um acordo com a plataforma Ozone, que foi utilizada na implantação do open banking no Reino Unido, para acelerar o desenvolvimento do ecossistema dessa nova tecnologia no Brasil.

A companhia também tem outras iniciativas de diversificação, como o saque no comércio e as publicidades exibidas nos caixas eletrônicos. Com isso, essas outras linhas de receita já representam 20% do seu faturamento. “Ao fim de 2020 estreamos em um novo segmento. Constituímos a TecBan Serviços Integrados, que atuará no mercado promovendo soluções especializadas em logística, armazenagem, operação, manutenção e revitalização de equipamentos”, diz a companhia. A receita bruta cresceu 8,6% no ano passado, com desempenho mais forte do que o esperado da transportadora de valores TBForte, e o lucro saltou 220,3%, a R$ 183,2 milhões.

Já a Brinks tem quase 4 mil “cofres inteligentes” instalados em comércios de todo o país, possui um acordo com a PicPay para que os usuários da fintech possam sacar em lojas cadastradas e criou o serviço Pignus, com vans blindadas para o transporte em pequenas quantidades de itens como joias, celulares e artigos de luxo.

A Prosegur tem duas redes de correspondentes bancários (LogMais e ProPago), com mais de 160 lojas, além de oferecer uma plataforma de conciliação de vendas e gestão para pequenos lojistas. O Grupo Protege já tem uma operação mais diversifica, pois além do transporte de valores possui uma forte atuação em segurança privada e logística. Sua unidade Proair oferece terceirização de serviços para os setores operacionais e de segurança em 42 aeroportos.

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