sexta-feira, 31 de julho de 2020

Arte em metal


Sophia Loren

Aos 81 anos, a grande Sophia Loren protagoniza a nova campanha do perfume "Dolce Rosa Excelsa", da também italiana D&G. A atriz faz o papel de uma tradicional mamma italiana. Ela arregaça as mangas, bota a mão na massa e lida com seus filhos durante a reforma de uma casa em antiga vila siciliana. O resultado é um curta esplêndido. As imagens nos levam em uma viagem pelo interior da Itália.

Lideranças feridas(Diego Viana, Valor, 31 7 2020)

Lideranças feridas

Os líderes dos EUA e da China saem enfraquecidos após respostas à pandemia, embaralhando o cenário de “nova Guerra Fria”
sexta-feira, 31 de julho de 2020 

  
Valor Econômico  / Eu & Fim de Semana

Por Diego Viana, para o Valor, de São Paulo

Em duas décadas, o século XXI vive a sua terceira grande crise: em 2001, o ataque terrorista às Torres Gêmeas em Nova York precipitou o redesenho da relação entre os Estados Unidos e o Oriente Médio. Em 2008, a bolha dos subprimes atingiu em cheio o sistema financeiro mundial, sobretudo nos EUA e na Europa. Os dois eventos tiveram grandes impactos geopolíticos, corroendo a ordem mundial dominada pelo Ocidente e favorecendo, por tabela, a ascensão da China. 

A pandemia de 2020 acelera um processo já em curso, que envolve a desmontagem das instituições que organizaram o mundo desde 1945, o enfraquecimento progressivo do Ocidente e a provável transição para um “século asiático”. Mas esse não é um processo imediato: em vez de uma nova ordem global, o planeta caminha para uma “anarquia pós-pandêmica”, segundo o ex-primeiro- ministro australiano Kevin Rudd, hoje presidente do “think tank” Asia Society Policy Institute, em Nova York.

Rudd se contrapõe a uma série de análises que preveem a expansão da influência chinesa, enquanto os EUA, sob Donald Trump, recuam de seu papel como esteio da ordem global. Há razões para crer que 2020 marca um momento de avanço chinês, em detrimento dos americanos. Pesquisas de opinião no mundo em desenvolvimento expressam um sentimento de decepção com a liderança americana. Na Europa, que em 2019 havia declarado que a China era um “rival sistêmico”, uma pesquisa do “think tank” European Council on Foreign Relations revela que 60% da população tem uma imagem pior dosEUA hoje do que antes da pandemia. 

O tabuleiro diplomático já estava bagunçado quando foi atingido pelo coronavírus e logo se tornou um novo cenário de disputa entre as duas grandes potências, cujas relações já estavam degradadas. O sistema global centrado nos EUA, com as instituições herdadas de 1945, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Otan, estavam sob ataque. A China vinha buscando expandir sua influência nos órgãos de decisão multilateral e criava instituições paralelas, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (Aiib) e o Banco dos Brics. 

Pressionadas também pelo isolacionismo dos EUA sob Trump, as instituições multilaterais vinham sofrendo de perda de prestígio e dificuldade de agir. As críticas à Organização Mundial da Saúde (OMS) têm como pano de fundo a escolha do etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus como diretor-geral, em 2017. Na ocasião, Adhanom tinha o apoio dos chineses, contra o britânico David Nabarro, apoiado pelos americanos. A eleição foi um forte sinal de que o equilíbrio de poder está, de fato, se deslocando para o Pacífico. 

“A crise do coronavírus acelerou uma perda de poder real e percebida dos Estados Unidos que já vinha acontecendo”, diz o ex-primeiro-ministro australiano Kevin Rudd. “Mas o poder da China também sofreu um impacto. Em primeiro lugar, pelo estrago econômico. A queda do PIB tem ondas de choque na capacidade de gastar sem limites, principalmente nas forças armadas e na iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada”, afirma, referindo-se ao gigantesco projeto de investimentos chineses em infraestrutura em várias partes do mundo, também conhecido como Nova Rota da Seda. 

“Os chineses também perdem um pouco de prestígio internacional, tanto entre os países ricos quanto entre os pobres”, argumenta o analista. Desde o ano passado, quando Hong Kong irrompeu em protestos, a expansão do “soft power” chinês vem enfrentando dificuldades. Neste ano, a repressão à minoria muçulmana uigur e as refregas na fronteira com a Índia, que provocaram a morte de 20 militares indianos em junho, acenderam o alerta em Pequim. 

No cenário de Rudd, ambos os principais poderes estão prejudicados, e as instituições de governança global se tornam arenas de disputas entre “duas lideranças feridas”. “O resultado vai ser uma queda paulatina na anarquia internacional em todos os assuntos, do comércio à segurança, passando pela saúde. A natureza caótica das respostas nacionais à pandemia é um sinal do que está por vir”, afirma. 

Antes mesmo do novo coronavírus, já havia quem tratasse a ascensão econômica e diplomática da China como o início de uma “nova Guerra Fria”. Analistas como o americano Robert Kaplan e o próprio Rudd chegaram a empregar a expressão desde a primeira década deste século. Com Xi Jinping, Donald Trump e a pandemia, a ideia de uma “segunda Guerra Fria” retornou com força: o mundo das próximas décadas se anuncia bipolarizado e conflituoso. A exclusão da chinesa Huawei da concorrência pela tecnologia 5G na Inglaterra seria, assim, um sintoma dessa nova etapa histórica.

A analogia da Guerra Fria é aproveitada também pelas lideranças dos países. Há duas semanas, Trump ordenou o fechamento do consulado chinês em Houston, no Texas, acusando os diplomatas de espionagem industrial. Na semana seguinte, os chineses responderam com uma ordem para fechar o consulado americano na cidade de Chengdu. A acusação foi de “interferência em assuntos domésticos”. Outro ponto de tensão é Hong Kong, ilha que goza de um certo grau de autonomia administrativa e que era colônia britânica até 1997. Em resposta à nova lei de segurança imposta pelo governo continental, que permite um controle mais rigoroso de protestos, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson anunciou que o Reino Unido ofereceria a cidadania a quase 3 milhões de residentes da ilha. Os chineses responderam que consideravam a oferta uma agressão. 

Mas há um ponto frágil na comparação com a Guerra Fria, aponta Maurício Santoro, professor de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj): a rivalidade dos americanos com a então União Soviética, no século passado, não se estendia ao campo econômico, já que os soviéticos exportavam basicamente produtos primários e armamentos. Hoje, por um lado, a China está buscando competir com os EUA nos setores industriais mais avançados. Por outro, a interdependência entre os dois rivais, e também entre ambos e o resto do mundo, é quase completa: a economia é globalizada, e as cadeias de valor atravessam continentes. 

A interdependência põe os países que compram e vendem das grandes potências em situação delicada, já que tanto os americanos quanto os chineses procuram atraí-los para suas esferas. “Nos países do Sudeste Asiático, como Cingapura, os governos e o setor privado têm plena consciência de que é preciso se equilibrar entre a China e os Estados Unidos, evitando ao máximo o alinhamento completo com um dos dois”, diz Santoro, lembrando que a Guerra Fria foi um período sangrento em muitos países da região, a começar pelo Vietnã. 

Ao mesmo tempo, a interdependência econômica, no momento em que a governança global se torna mais caótica, levanta a suspeita de que possa estar começando um processo de desglobalização, devido à quebra de cadeias de fornecimento nos primeiros meses do ano, quando partes da China estavam em pleno “lockdown”. O ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire, declarou em fevereiro que a Europa precisa reduzir sua dependência “excessiva e irresponsável” da China. Estudo do Bank of America indicou que 80% das empresas multinacionais tinham planos de diversificar suas cadeias de fornecimento, diminuindo a presença na China. 

Em seu pacote de estímulo econômico contra os efeitos da pandemia, o governo japonês reservou cerca de US$ 2,2 bilhões para subsidiar empresas japonesas dispostas a reorganizar suas cadeias produtivas, não necessariamente instalando fábricas no próprio Japão. A primeira companhia a demonstrar interesse, sintomaticamente, foi uma fabricante de máscaras de proteção: a Iris Ohyama anunciou em abril que produziria o equipamento no próprio país. 

Graças à sua mão de obra mais barata, o Vietnã colheu benefícios das iniciativas de reorganização das cadeias, que vêm sendo chamadas de “China mais um” ou “China mais dois”. Fornecedores das gigantes americanas Apple e Google transferiram parte da produção para o país. Tailândia, Malásia e Índia também aproveitaram a ocasião para oferecer vantagens a multinacionais que quisessem se instalar em seus territórios. “Esse movimento ainda é pequeno e concentrado em produtos de menor valor agregado. É difícil encontrar um país com mercado tão vasto e mão de obra tão qualificada como a China, sem sindicatos combativos ou regras rigorosas”, diz Santoro. 

Apesar da resposta demorada das autoridades chinesas e seus esforços iniciais para abafar as notícias sobre o surgimento de um novo vírus mortal, o impacto sobre sua influência e poder geopolítico será pequeno, estima o filósofo americano Francis Fukuyama, em artigo publicado na revista “Foreign Policy”. Discordando de Rudd, Fukuyama aponta que outros países também subestimaram a força do novo coronavírus, com consequências ainda mais devastadoras do que em Wuhan, tanto na saúde quanto na economia. Os chineses, pelo menos, mudaram rapidamente de política, conseguindo manter a contagem de mortos pela covid-19 relativamente baixa. 

Fukuyama aponta que os chineses batem frequentemente na tecla da comparação de sua própria resposta com a dos EUA, onde o presidente Trump tentou evitar o fechamento de cidades, provocou conflitos com adversários políticos, deu palpites mal-informados sobre a área de saúde e interferiu em vendas internacionais de equipamentos médicos. 

Como resultado, enquanto Nova York vivia um surto grave de covid-19, o presidente perdeu popularidade, e seu país viu o prestígio internacional abalado. Hoje, com novos surtos em áreas onde o partido Republicano, de Trump, costuma ser forte, a situação do presidente se agrava. Pesquisa atrás de pesquisa aponta grande vantagem de seu adversário, o democrata Joe Biden, nas eleições de novembro. 

Os chineses também se beneficiam do fato de que o eixo político do mundo acompanha o eixo econômico, que se desloca para a Ásia, aconteça o que acontecer com o prestígio do “Império do Meio”. O projeto do “pivô para o Pacífico” na política externa americana, anunciado por Barack Obama em 2011, expressa a constatação desse deslocamento, em contraste com o projeto da década de 1990, sob Bill Clinton e George Bush, que consistia em aumentar o espaço dos chineses nos organismos globais centrados no Ocidente. A

pesar da retórica de Trump e da retirada americana da Parceria Transpacífica (TPP), o “pivô para o Pacífico” permanece como estratégia de Estado nos EUA, lembra Santoro. “Nas eleições deste ano, o republicano Trump e o democrata Biden vão disputar quem consegue ser mais agressivo com a China”, diz. “Provavelmente a única política realmente bipartidária de Trump seja sua confrontação com os chineses, apoiada até mesmo por editoriais da imprensa liberal.” 

A sensação de rivalidade com a China se amplia nos EUA em grande parte porque a indústria chinesa já está atingindo graus de sofisticação que têm impacto militar. O esforço para barrar o avanço da Huawei na instalação da infraestrutura de tecnologia 5G em diversos países, inclusive o Brasil, se insere nessa preocupação, já que é uma tecnologia aplicada inclusive no comando de armamentos não tripulados. Por enquanto, a Huawei tem oferecido os melhores preços pela tecnologia. 

Na disputa global de prestígio, ou “soft power ”, a imagem dos americanos está abalada, mas a dos chineses também não sai imaculada da pandemia. A China atraiu críticas profundas no começo do ano por sua tentativa inicial de contar as notícias sobre a nova doença surgida em Wuhan. O presidente Xi Jinping demorou a aparecer em público para anunciar medidas de combate à epidemia. 

Na tentativa de resgatar sua imagem, o país aproveitou a ocasião para dar início à “diplomacia da máscara”, que consiste em aproveitar seu gigantesco parque industrial para exportar equipamentos médicos e de proteção. Em abril, enquanto o noticiário internacional informava desvios de equipamentos médicos para os EUA, Xi Jinping anunciou que, caso uma vacina para a covid-19 fosse descoberta na China, sua patente seria aberta. 

“É evidente que a China está tentando aproveitar a oportunidade de usar suas cadeias produtivas, sobretudo na área médica, para extrair o máximo de uma situação ruim. Os chineses precisam reverter a imagem negativa muito forte do início da pandemia”, diz Santoro. Mais por efeito da reação errática de Trump do que pela diplomacia da máscara chinesa, as pesquisas divulgadas até agora sugerem que a imagem dos americanos saiu mais prejudicada do que a chinesa na opinião pública dos outros países. Na Alemanha, uma sondagem da Fundação Körber revelou que a proporção de alemães que consideram a relação com a China mais importante do que a relação com os EUA é praticamente igual à que pensa o contrário: 37% contra 36%. 

Rudd considera que um dos fatores decisivos para a “anarquia pós-pandêmica” é a máquina interna do governo chinês. O australiano busca interpretar nas entrelinhas as declarações de figuras públicas chinesas, particularmente membros do Partido Comunista. Seu diagnóstico é que Xi Jinping se tornou alvo de “críticas sutilmente veladas” em “uma série de comentários semioficiais que misteriosamente conseguiram chegar à esfera pública ao longo de abril e maio”. 

Para Rudd, os vazamentos são um sinal de rachaduras no aparato estatal do gigante asiático. Considerando a ampliação de poder que Xi tem perseguido nos últimos anos, um forte arranhão em sua imagem na opinião pública e no Partido Comunista podem conduzir a uma crise de liderança no país. Não está claro, porém, se a imagem de Xi será permanentemente arranhada. “Tu - do vai depender do que acontece daqui por diante”, segundo Santoro. “Como a economia vai se comportar até o fim do ano? Reabrir Beijing não foi fácil, com novos focos de infecção. A produção industrial teve boa recuperação, mas a população chinesa não voltou rapidamente ao consumo.”

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Home Office


A Lei do WhatsApp pode funcionar(Pedro Doria, Estado, 24 7 2020)

PEDRO DORIA : A Lei do WhatsApp pode funcionar

sexta-feira, 24 de julho de 2020 

  
O Estado de S. Paulo  / Economia



Uma das consequências da Lei das Fake News que foi aprovada no Senado e segue tramitando na Câmara é que a sociedade civil rachou. Boa parte das pessoas que estudam redes sociais, desde o início, viu ali a abertura para um risco de censura pelas plataformas - Facebook, Twitter, Google. Mas houve um grupo bastante específico, aquele dos que estudam não as redes, mas os apps de mensagens, que defendeu o projeto. E eles têm um bom argumento.

De certa forma, quando o assunto é desinformação, damos atenção excessiva às redes sociais. Elas são importantes mas, no Brasil, central mesmo é o WhatsApp. Boa parte do trabalho do gabinete do ódio, da máquina de ataques, explora as fragilidades desse aplicativo. Tratase, evidentemente, do app utilizado para a comunicação básica do dia a dia por dez entre dez donos de smartphones entre nós. E o artigo 10 da lei aprovada, que fala desses serviços de mensageria, po- de ter chances de funcionar.

É inteligente o suficiente para não exigir das plataformas - que incluem apps como o Messenger e o Telegram - mudanças de código que expulsem suas empresas do mercado brasileiro. O artigo não exige que a criptografia do Zap seja quebrada. E, ainda assim, é capaz de identificar quem disseminou informações que manipulam a percepção de realidade de cada cidadão.

Estes são, todos, pontos muito importantes, pois acertam em cheio os argumentos sobre ser impossível controlar os apps. Oficialmente, o que executivos do WhatsApp dizem, no Brasil e lá fora, é que eles não são serviços de broadcast. Servem a conversas entre poucos. E têm números - mais de 90% das trocas de mensagens ocorrem entre duas pessoas.

O problema é que há um certo cinismo nesse discurso. Ninguém pode criar um serviço de assinatura de informações. Assine aqui e enviaremos notícias, piadas, imagens, seja lá o que for.

Mas o WhatsApp inclui, entre as possibilidades, grupos de conversas e listas de transmissão. Uma pessoa envia uma mensagem para uma lista de transmissão com 256 contatos e cada um desses contatos reenvia para uma lista do mesmo tamanho, já dá 65 mil pessoas que receberam em segundos um meme. Na segunda rodada, já passa do milhão.

Quem lê gabinete do ódio por vezes pensa em um ou dois assessores na antessala do presidente Jair Bolsonaro. É muito mais do que isso. Na primeira hora após o assassinato da vereadora Marielle Franco, antes que a maioria das pessoas nem sequer soubesse do crime, já circulavam no Zap falsificações a seu respeito. Qualquer um que tenha frequentado um grupo bolsonarista sabe que há dezenas de áudios, de memes, de vídeos novos todos os dias. Sobre os assuntos do dia, sobre os inimigos do dia. A máquina não para.

Encriptação não é um problema por uma razão simples. Os arquivos maiores que circulam muito, vídeos, áudios ou mesmo algumas imagens, não são encriptados como as mensagens de texto. São armazenados nos servidores do WhatsApp. Quem encaminha não envia do seu celular para outro aquele arquivo pesado. Para economizar banda e processamento, esses arquivos, o WhatsApp já mantém nos servidores. E é nisso que o texto do artigo entra.

Como já são armazenados de qualquer forma, a lei pede que as empresas de mensageria mantenham o registro de quem enviou consigo. Vale para quando uma mesma mensagem foi mandada por mais de cinco usuários num intervalo de 15 dias. Se aquele arquivo chegou a menos de mil pessoas, descarta. Caso tenha chegado a mais gente, se um juiz pedir para saber a origem da mensagem em processo que envolve conteúdo ilícito, aí a empresa identifica.

Esse é, possivelmente, o artigo mais importante da lei inteira. E pode funcionar.

A afasia dos médicos(Valor, 26 6 2019)




Esta é a época mais próspera da história. Com o poderoso avanço do processo civilizador no último século, a humanidade está melhor do que nunca. Pode parecer mentira, mas por toda parte as pessoas estão mais ricas e mais livres, têm mais educação, estão menos violentas e desfrutam de menor desigualdade social. Quem tem dúvida deve começar por consultas às fontes citadas em “A ordem do progresso”, texto que ocupou este espaço do Valor em 31/7/2018.
O problema é que “não existe almoço grátis”, como pontifica o velho e sábio provérbio. O preço de tão prodigioso salto tem sido calculado, mas falta muito para que essa conta possa ser fechada. Estão cada vez mais acuradas as avaliações sobre dois de seus mais graves componentes: o
aquecimento global e a erosão da biodiversidade. Porém, isso ainda está muito longe de ocorrer com outra importantíssima parte da “dolorosa”: os retornos para a saúde humana dos gigantescos avanços das modernas cadeias agroalimentares, químicas, farmacêuticas e cosméticas.
Nocivos impactos das tendências de consumo legitimadas nos últimos setenta anos — período que os historiadores chamam de “A Grande Aceleração” — foram obscurecidos pelas sofisticadas proezas da medicina. Quando flagrados, demoram demais a ser admitidos. Veja-se a novela “glifosato”, o maior vilão dos agroquímicos, que agora está com os dias contados, graças à excelência do Poder Judiciário dos EUA, como expôs esta coluna do Valor em 29/8/2018.
Só que a tão denunciada dimensão cancerígena dos agrotóxicos é mero detalhe de encrenca muitíssimo maior, que deixa os médicos atônitos: os perigos dos ‘desreguladores endócrinos’, principalmente para a gestação, primeira infância e velhice. Razão pela qual merece especial atenção a reportagem “Estamos cercados”, reproduzida há dez dias pela edição brasileira do espanhol El País (17/6/19), corroborando três outras colunas no Valor, publicadas no ano passado: 27/6, 9/11 e 28/11.
Talvez os médicos ainda não tenham tido tempo de assimilar os resultados das pesquisas que já indicam quão calamitosos podem ser muitos dos atuais hábitos alimentares e de cuidados pessoais (higiênicos e estéticos). Pois é recente a compreensão dos papéis desempenhados pela microbiota intestinal (antigamente chamada de “flora”). Só começou em 2007, com o estratégico “Projeto Microbioma Humano”, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA: https://hmpdacc.org/. Pior: a conexão intestino-cérebro sequer fazia parte, até há pouco, dos currículos das escolas médicas e de nutrição.
defasagem dificulta o entendimento de ao menos duas cruciais hipóteses sugeridas por tais estudos. A primeira afirma que não houve tempo hábil para que os intestinos humanos se adaptassem a uma alimentação excessivamente carregada de açúcar, arroz, batata, carne, laticínios, milho, soja e trigo. Por isso, estes oito grandes vetores do agronegócio global estariam turbinando as piores bactérias intestinais, em detrimento das amigáveis, que deveriam, ao contrário, merecer toda a atenção e carinho.
A outra hipótese é ainda mais intrincada, pois se refere aos comportamentos de ilustríssimas desconhecidas: as lectinas. São proteínas muito presentes em cereais, leguminosas, batata-inglesa e alimentos oriundos de animais empanturrados por rações cheias de grãos. As lectinas têm forte propensão a atravessar a parede intestinal, causando fissuras, condição conhecida como ‘síndrome do intestino permeável’. Uma vez no sangue, elas confundem o sistema imune, dando origem a várias doenças autoimunes, artrites, cardiopatias, diabetes e demências, além de causarem perecimento precoce.
Os vários mecanismos desenvolvidos pela espécie humana para se defender de tão feroz artilharia, amenizando seus piores efeitos, seriam insuficientes para lhe garantir a imprescindível tolerância imunológica. Daí a necessidade de dar prioridade a alimentos com baixos teores em lectinas, o que só tornaria mais evidente a necessidade de se romper com os cânones de proTamanha dução e consumo promovidos pela dominante agroindustrial dos negócios alimentares.
Então, só pode ser motivo de muito aplauso a publicação em português de um livro que — por mais polêmico que seja — tem o mérito de didaticamente apresentar ao grande público a intrigante dupla de hipóteses decorrente das atuais investigações sobre o microbioma humano: “O Paradoxo dos Vegetais”, de Steven R. Gundry (Paralela, 2019), tradução do best seller “The Plant Paradox” (HarperCollins, 2017).
Seu autor — uma das mais consagradas autoridades mundiais em cirurgia cardíaca — nos últimos vinte anos passou a se dedicar integralmente à nutrologia. Reviravolta muito bem explicada e justificada em seu novo trabalho, lançado em março: “The Longevity Paradox” (HarperLuxe, 2019). Mesmo que as prescrições desses dois livros sejam pouco persuasivas, isso jamais deveria impedir séria reflexão coletiva sobre suas bases analíticas, fundamentadas em preciosa bibliografia científica. A começar pelos médicos!
É evidente a necessidade de romper com os cânones da produção e consumo promovidos pela agroindústria alimentar

@medicina @longevidade

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Bancos apresentam a Mourão plano para Amazônia(Valor, 23 7 2020)

Bancos apresentam a Mourão plano para Amazônia
quinta-feira, 23 de julho de 2020 

  
Valor Econômico  / Finanças

Talita Moreira e Matheus Schuch

Os três maiores bancos privados do país anunciaram um plano de ações voltadas ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Itaú Unibanco, Bradesco e Santander firmaram o compromisso de adotar dez medidas consideradas prioritárias para a região, incluindo investimentos, depois de terem alertado, no mês passado, para as fragilidades ambientais do país. 

As instituições financeiras vão formar um conselho de especialistas em questões sociais e ambientais envolvendo a Amazônia, que ajudará na elaboração de métricas e na implementação das medidas. Entre elas, estão o estímulo a cadeias sustentáveis da região, como as de açaí e castanha; viabilização de investimentos em infraestrutura básica para desenvolvimento social e ambiental, como internet, moradia, saneamento e transporte hidroviário; fomento de mercado de ativos e instrumentos financeiros de lastro verde; atração de investimentos e promoção de parcerias para o desenvolvimento da bioeconomia; e apoio para atores e lideranças locais que trabalhem em projetos de desenvolvimento socioeconômico na região. 

O plano foi apresentado ontem para o vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho Nacional da Amazônia. Segundo comunicado dos bancos, as medidas serão a partir de agora detalhadas para que sejam implementadas ainda neste ano. As propostas foram elaboradas em três frentes prioritárias: conservação ambiental e desenvolvimento da bioeconomia; investimento em infraestrutura; e garantia dos direitos da população local. No comunicado, os bancos também destacaram a necessidade de uma “intensificação das medidas de proteção da floresta Amazônica”. De acordo com eles, a atuação do setor será coordenada com o governo, “potencializando, assim, o impacto das ações para o desenvolvimento social e econômico da região”. 

Após receber os representantes dos bancos, Mourão afirmou que provocou as instituições a oferecerem linhas especiais de crédito para projetos de economia sustentável na região. “Na conversa que nós tivemos, não estabelecemos nenhuma base concreta em termos de ajuda. Nós deixamos nosso comprometimento com redução das ilegalidades, avanço na regularização fundiária e colocamos na mesa que seria importante eles pensarem em formas de financiamento para projetos de bioeconomia, com juros melhores”, disse o vice-presidente. 

Mourão viaja nesta quinta a São Paulo para uma reunião com o comitê-executivo do Santander, para discutir o assunto.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Minirreforma pode liberar loteamento político em agências(Estado, 22 7 2020)

Minirreforma pode liberar loteamento político em agências

Entidades criticam proposta após Casa Civil aprovar indicação de filha de ministro para cargo na ANS, mesmo sem experiência
quarta-feira, 22 de julho de 2020 

  
O Estado de S. Paulo  / Política

Anne Warth / brasília

A minirreforma administrativa proposta pelo governo fere a autonomia das agências reguladoras e permite o loteamento político de cargos técnicos que hoje só podem ser preenchidos por funcionários públicos, apontam associações de servidores. A preocupação aumentou após a Casa Civil ter dado aval para que a filha do ministro Braga Netto ocupasse a vaga de gerente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), com salário de R$ 13 mil, mesmo sem ter formação ou experiência no setor de planos de saúde.

O Estadão/Broadcast teve acesso à minuta da reforma, que cria cargos e gratificações para militares, modifica o modelo de postos comissionados e unifica a nomenclatura das funções do Executivo e das agências reguladoras, conhecida por siglas po- pulares entre o funcionalismo público em Brasília. O texto está em análise na Casa Civil.

O temor dos servidores diz respeito a um trecho que permite a indicação de qualquer pessoa para cargos comissionados técnicos (CCT), hoje restritos aos funcionários públicos. Atualmente, poucas funções nos órgãos reguladores permitem a nomeação de pessoas sem vínculo com a administração pública. Segundo o Fórum Nacional das Agências Reguladoras, que reúne associações de servidores de nove órgãos, se a medida passar, 30% dos cargos poderão ser ocupados por pessoas de fora das carreiras, "o que abre espaço para o indesejável loteamento político".

Na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por exemplo, os diretores podem formar uma equipe de assessores mista, com servidores e pessoas de fora do funcionalismo público. Superintendentes também podem vir do setor privado. Essas funções, de livre nomeação, são as que pagam as gratificações mais elevadas. Na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a estrutura é semelhante, mas há também gerentes regionais lotados fora de Brasília, que só podem ser escolhidos entre funcionários concursados.

Pela minuta da medida provisória em análise na Casa Civil, todos esses cargos seriam extintos, inclusive os do Executivo, mais conhecidos pela sigla Direção e Assessoramento Superior (DAS). No lugar das atuais funções das agências reguladoras e do Executivo, o texto prevê a criação de Cargos Comissionados Executivos (CCE), de 1 a 17, com remuneração de até R$ 17.432,15.

A MP também amplia a possibilidade de que pessoas de fora dos quadros do setor público possam ingressar nas agências. Nesse caso, apenas os cargos técnicos de 1 a 4, com valores de R$ 330,79 a R$ 1.199,76, ficariam restritos aos servidores.

O cargo escolhido para Isabela Braga Netto, filha do ministro da Casa Civil, ainda que seja de livre nomeação, é função eminentemente técnica, já que trata da relação entre a agência, planos de saúde e prestadores de serviços, como hospitais. Hoje, esse posto é ocupado por Gustavo de Barros Macieira, servidor de carreira da agência e especialista em Direito do Estado e em Regulação pela Fundação Getulio Vargas (FGV). A filha do ministro é formada em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas.

Integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo Estadão/Broadcast avaliaram, sob reserva, que esse caso se enquadra como nepotismo (contratação de parentes).

A indicação de gerentes e superintendentes sem experiência nas agências é uma prática incomum, embora sejam cargos de livre nomeação, porque eles são responsabilizados pelas decisões tomadas. O apadrinhamento político costuma ser feito em cargos de assessoramento de diretores e conselheiros, nos quais o grau de exposição é menor.

Para o presidente da União Nacional dos Servidores de Carreira das Agências Reguladoras Federais (UnaReg), Elson José da Silva, a indicação da filha de Braga Netto é "absurda" e afeta o objeto final da ANS, que é a fiscalização e regulação do setor. "Isso será pior ainda. A gerência é um cargo de livre nomeação, mas, se passar da forma como estão propondo na minuta, cargos menores, de caráter mais técnico ainda, poderão ser ocupados por qualquer pessoa", disse Silva.

A proposta do governo, de acordo com o Fórum de Associações de Agências Reguladoras, "tem o condão de minar e enfraquecer sua autonomia administrativa, condição outorgada por lei e um dos pilares essenciais para uma regulação eficaz, nos padrões defendidos internacionalmente pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)".

'Canetaço'. O texto também abre brecha para que o presidente Jair Bolsonaro modifique, por decreto, os cargos das agências reguladoras. Pela minuta, ele poderia acabar com 15 funções comissionadas da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e criar outras 15 na Agência Nacional de Mineração (ANM), desde que não haja aumento de gasto público. Hoje, para fazer uma mudança dessa natureza seria preciso aprovar um projeto de lei no Congresso.

O Fórum de Associações de Agências Reguladoras avaliou que a proposta de alterar quantitativos "fere frontalmente a autonomia administrativa" outorgada a essas entidades. Para as associações, isso representa "ingerência indevida do Executivo, desestabilizando o tripé Estado, entes regulados e usuários, que as agências têm por missão equilibrar".

O presidente da UnaReg afirmou que a reforma representa um risco para a autonomia financeira e administrativa das 11 agências reguladoras, que reúnem cerca de 10 mil servidores de carreira. "Essa proposta reduz a autonomia das agências reguladoras, especialmente o trecho que autoriza o presidente a migrar funções ao seu belprazer", declarou Silva.

Em nota, o ministério comandado por Braga Netto afirmou que "a referida proposta não se encontra em análise na Casa Civil". Questionada sobre a indicação da filha do general, a ANS disse existir em andamento um processo para ocupação de cargo de livre nomeação. "Após realização de consulta à Casa Civil, o processo retornou à ANS para análise da diretoria de Desenvolvimento Setorial."

Técnico

"Se passar da forma como estão propondo, cargos de caráter mais técnico poderão ser ocupados por qualquer pessoa." Elson José da Silva PRESIDENTE DA UNAREG

Fac-Símile

Favela do Jacaré (21 7 2020)


UE e Brasil contra a pandemia(Ignacio Ybáñez , Valor, 21 7 2020)


UE e Brasil contra a pandemia

quarta-feira, 22 de julho de 2020 

  
Valor Econômico  / Opinião

Por Ignacio Ybáñez

Enquanto o vírus existir em algum lugar do mundo, será uma ameaça a todos.

A União Europeia lançou seu pacote “Time Europa” para apoiar os países parceiros na luta contra a covid-19. O objetivo é combinar recursos da UE, seus Estados-membros e instituições financeiras europeias. O vírus não conhece fronteiras; enquanto existir em algum lugar do mundo, continua a ser uma ameaça à saúde pública em todos os lugares, e portanto, combater a pandemia juntos é do interesse de todos. Solidariedade, coesão e convergência são os princípios básicos da resposta da União Europeia, tanto internamente como em cooperação com os seus parceiros. 

A União Europeia é uma firme defensora da cooperação internacional, do multilateralismo e do papel fundamental da OMS na luta contra a covid-19, e é a principal doadora mundial de ajuda internacional a emergências. Nestes tempos difíceis, a troca de experiências, a cooperação científica, a solidariedade e proteção dos direitos dos mais vulneráveis constituem ações capazes de nos ajudar a sair dessa crise sem precedentes e de nos orientar para uma recuperação inclusiva para todos. 

E é por isso que, apesar de nossas próprias dificuldades, a União Europeia decidiu disponibilizar imediatamente os programas de cooperação técnica e financeira com a América Latina e o Caribe, com um total de €918 milhões (R$ 5,6 bilhões), como parte da resposta global em apoio aos esforços dos países parceiros no combate à covid-19. 

Em sua parceria estratégica com o Brasil, a União Europeia está empenhada em continuar cooperando na busca de soluções que atenuem os custos humanos e socioeconômicos desta crise. Reconhecida a emergência, o primeiro passo foi verificar os recursos disponíveis nos projetos de cooperação que poderiam ser mais rapidamente mobilizados, seja para desenvolver campanhas educativas ou para adquirir insumos necessários durante o isolamento social. €11,7 milhões (R$ 71,5 milhões) em subvenções e €62,5 milhões de euros (R$ 382 milhões) em empréstimos estão sendo disponibilizados pela UE e seus Estados Membros para as parcerias que se engajaram no enfrentamento à covid-19 no Brasil. Ademais, montantes substanciais encontram-se em negociação para ajudar na recuperação econômica. 

Todas as representações dos países membros da UE no Brasil estão envolvidas em ações para enfrentar a pandemia. Aqui vão alguns exemplos. Juntamente com empresas alemãs no Brasil, a Alemanha introduziu unidades móveis de teste para pacientes da covid- 19, para que os testes possam ser realizados mesmo em locais mais remotos. Em cooperação com o Banco Mundial e bancos de desenvolvimento regionais, a Alemanha está ajudando a assegurar que, mesmo durante a pandemia, famílias vulneráveis tenham acesso a renda e trabalho. 

Desde o início da crise sanitária, as representações diplomáticas e consulares da Bélgica no Brasil desenvolveram projetos nas regiões mais afetadas, em colaboração com ONGs belgas e seus parceiros locais, para ajudar as populações vulneráveis mais afetadas, com o suprimento de produtos de necessidade básica. As representações belgas também se esforçam para promover a cooperação científica entre a Bélgica e o Brasil no contexto da crise sanitária, através do fortalecimento de vínculos existentes, como acontece com a Fundação Oswaldo Cruz, bem como o apoio, coordenado por Wallonie- Bruxelles International, a projetos de produção no Brasil de respiradores em “open-source” focados no modelo “Breath4Life” desenvolvido pela UCLouvain. 

Além de fornecer assistência aos residentes mais vulneráveis do Distrito Federal, a embaixada da França forneceu uma ajuda de cerca de R$ 18 milhões para ações de apoio às populações nos Estados do Amapá e Amazonas. Essa ação possibilitou a compra de equipamentos médicos para hospitais de Manaus e Macapá, o transporte de pacientes em estado grave de áreas isoladas até unidades de saúde e a distribuição de medicamentos e ajuda alimentícia para as populações mais vulneráveis. Consciente sobre o sério impacto que a covid- 19 está causando em comunidades indígenas, a Irlanda está apoiando os esforços para fortalecer a capacidade de assistência à saúde nas comunidades indígenas no Estado do Amazonas. 

A Eslovênia elogia o compromisso do Brasil de receber e apoiar os refugiados e migrantes venezuelanos, o qual foi mantido durante a crise da covid-19, e está apoiando o Brasil neste compromisso por meio de uma contribuição ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Espanha e as suas empresas no Brasil estão trabalhando juntamente com as autoridades e a sociedade civil brasileira em muitas ações concretas que proporcionam ajuda alimentar, abertura de hospitais, organização de sessões clínicas e fornecimento de materiais sanitários para atender a doentes em Brasilia, Goiás, Salvador e no Rio de Janeiro. Em São Paulo, o colégio Miguel de Cervantes abriu suas portas para os filhos dos servidores do Hospital Albert Einstein. A Espanha também apoia um programa de ajuda para refugiados indígenas venezuelanos em Roraima. 

A Itália foi um dos primeiros países a advogar a constituição de uma aliança internacional para avançar na pesquisa e distribuição equitativa de uma vacina para responder à crise da saúde, anunciando mais de €400 milhões em contribuições para sustentar os esforços globais. A Embaixada da Itália no Brasil juntou alguns projetos para a distribuição de cestas básicas para as famílias do Distrito Federal que estão em situação de vulnerabilidade. Portugal participou no esforço multilateral de resposta global de várias Agências das Nações Unidas, nomeadamente da OMS e está apoiando ações do ACNUR na Venezuela, que poderá assumir importância no caso do Brasil, atendendo ações de proteção e acolhimento de migrantes e de refugiados venezuelanos. 

A Suécia contou com suas empresas no Brasil para se engajar em ações de enfrentamento à covid- 19. Ao lado do Senai, a Scania realizou a manutenção de respiradores mecânicos sem uso ou com defeitos e utilizou impressoras 3D para produzir protetores faciais. A Volvo disponibilizou 250 veículos para transportar médicos e enfermeiros para hospitais, levar doações para lugares de difícil acesso em São Paulo. Pesquisadores do Karolinska Institutet, de Estocolmo, também integram um time de cientistas da UFSC, UFMG, UFRJ, Instituto Butantã e Oxford University trabalhando no desenvolvimento de uma vacina. 

A União Europeia apoia os esforços para ter uma vacina acessível a todos os países. Sair o mais rapidamente possível da devastadora crise econômica mundial provocada pela pandemia requer solidariedade, porque o grau de interligação das economias do planeta é muito elevado. Como disse Josep Borrell em seu blog: “Estamos todos no mesmo barco e chocamos contra um iceberg. Neste momento, o que é necessário é evitarmos, entre todos, que o barco afunde”.

"A UE apoia os esforços para ter uma vacina acessível a todos. Sair o mais rapidamente possível da devastadora crise econômica mundial provocada pela pandemia requer solidariedade, porque o grau de interligação das economias do planeta é muito elevado"

Ignacio Ybáñez é embaixador da União Europeia no Brasil


Fac-Símile

terça-feira, 21 de julho de 2020

Tô na quarentena, tchê!


Sem regras, só exceções(Cecilia Machado, FSP, 21 7 2020)


terça-feira, 21 de julho de 2020

  
Folha de S. Paulo  / Mercado

Cecilia Machado

Perenizar a desoneração da folha cristaliza distorções tributárias

Cecilia Machado

Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV

No dia 15, parecer da Câmara dos Deputados estabeleceu entendimento de que a prorrogação do atual modelo de desoneração da folha de pagamentos é constitucional Pelo argumento do governo, a prorrogação de uma isenção tributária, que teria data-limite para seu fim, corresponde à criação de uma nova desoneração em termos práticos, sendo, assim, vedada pela reforma da Previdência, aprovada em 2019. Já pelo argumento do parecer, prorrogações de benefícios existentes não se enquadram na vedação.

Legalidades à parte, é inquestionável que a prorrogação da desoneração da folha tem impactos fiscais concretos, e, em tempos em que o governo conta centavos para expandir a rede de proteção social, qualquer "novo" destino de recursos públicos merece justisficativa econômica inequívoca, discussão que é muito mais relevante que seu mérito constitucional.

Em particular, causa preocupação o entendimento de que o legislador pode perenizar regras temporárias estabelecidas antes da reforma da Previdência. Essa leitura cria precedente perigoso. Se qualquer alternativa ao modelo atual é de implementação ma is custosa que o status quo, caímos na armadilha de cristalizar políticas públicas que vêm se mostrando pouco eficazes, como indica ser o caso.

A desoneração da folha de pagamentos foi política instituída em 2011, abarcando inicialmente apenas três setores da economia, mas sendo rapidamente expandida para 56 setores, alcançando R$ 25 bilhões em renúncias fiscais em 2015.

Como seu impacto fiscal foi crescente ao longo do tempo, essas desonerações passaram por sucessivas reformulações, com aumento das alíquotas na arrecadação alternativa ao imposto sobre a folha e no número de setores cobertos pela desoneração. Hoje, apenas 17 setores são contemplados, ao custo fiscal de R$10 bilhões.

Assim, a atual desoneração não se aplica deforma geral e equânime, e cabe questionamento sobre os motivos pelos quais apenas alguns setores, e os trabalhadores neles inseridos, são merecedores de tratamento especial.

Enquanto o lobby dos setores argumenta que a desoneração atinge 6 milhões de empregos diretos e que 1 milhão de pessoas podem per der seus empregos, a crise econômica já reduziu a população ocupada em mais de 7 milhões.

O mais recente relatório disponibilizado pela Receita Federal indica que em 2017 apenas 35 mil empresas foram beneficiárias da isenção de impostos na folha, dentre cerca demais de 3 milhões de empresas que declararam ter vínculos emprega tícios também em 2017.

Claro, são empresas intensivas em mão de obra. Mas ainda assim abraçam só 20% dos vínculos de emprego no setor formal Continuam/ora os outros 80% dos trabalhadores da economia com carteira assinada.

Também cabe notar que a desoneração da folha foi acompanhada por uma oneração de processo. Sua implementação tomou necessária a criação de um novo tributo, a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta, que sobrecarrega nosso já extenso sistema tributário, adicionando mais complexidade e regressividade a ele.

É claro que, se comparado às inúmeras outras desonerações existentes, como a Zona Franca de Manaus e o Simples, com seus R$ 24 bilhões e R$ 87 bilhões de exceções tributárias -ambas com impactos econômicos bastante duvidosos-, o montante parece pequeno. Mas perenizar a desoneração atual, tal qual vem sendo implementada, não vem sem custos: cristaliza distorções tributárias e altera a alocação produtiva de empresas e trabalhadores na nossa economia.

Se as opções agora postas à mesa do Congresso são apenas duas -manter ou eliminar a atual política de desoneração da folha de pagamentos- , não parece correto continuar a perpetuar exceções.

Retomada do setor cultural(Correio Braziliense , 21 07 2020)

Retomada do setor cultural

terça-feira, 21 de julho de 2020 

  
Correio Braziliense  / Opinião

ADRIANA IZELadrianaizel.df@dabr.com.br

"O primeiro a fechar e o último a voltar". Essa é a máxima do setor cultural na pandemia do novo coronavírus. As atividades que envolvem a arte e o entretenimento foram as primeiras impactadas com o isolamento social e serão as últimas a voltarem ao normal, principalmente enquanto não houver medicamentos comprovadamente eficazes contra a covid-19 e uma vacina disponível para imunizar a população.

Mesmo assim, a cultura não parou. Pelo contrário, adaptou-se de uma forma tão veloz, que, a cada dia, surgem novos meios de entretenimento em meio à quarentena. A primeira onda e, talvez, a mais forte, foram as lives. Começaram de forma despretensiosa nas redes sociais e, depois, se profissionalizaram. O Brasil, inclusive, lidera o ranking de lives com o maior número de audiência.

Depois, o formato se modificou para versões mais intimistas. Aplicativos de videoconferência tornaram-se opção por serem mais exclusivos e, também, por permitirem a cobrança de ingresso. Até então, as lives eram gratuitas, contavam com patrocínios e tinham um caráter mais solidário. A partir daí, passou a ser possível curtir uma festa e até assistir a uma peça pela tela do computador.

Mostrando que "vida é movimento", o setor, logo, buscou inovações para um público de certa forma saturado com as lives. Assim, veio a ideia de resgatar os drives-in, inicialmente no formato original para exibição de filmes, até que se transformou para comportar apresentações ao vivo. Em Brasília, há diversas iniciativas nesse sentido, que têm obtido sucesso com o público por ser uma forma de lazer fora de casa, mas ainda em segurança, com todo mundo dentro dos carros.

Há, ao menos, nove drives-in ativos no Distrito Federal hoje. Todos fazem a economia do setor cultural finalmente voltar a girar, criando empregos diretos e indiretos -- o Drive Show Brasília, por exemplo, que estreia em 14 de agosto com capacidade para 600 carros (provavelmente, a maior capacidade do Brasil), tem previsão de gerar 500 postos de trabalho --, sendo uma forma de renda para um cenário que tem expectativa de retorno apenas em 2021 devido ao grande avanço da covid-19 no Brasil.

Projetos em hotéis também já fazem parte das propostas do setor. Fora do Brasil, foram realizados eventos em barcos. Em Paris, o Rio Sena foi palco de uma sessão de cinema a céu aberto, criando mais uma ideia que pode se perpetuar mundo afora. Com vontade e necessidade de resistir, o setor cultural recria-se a cada fase da pandemia na proposta de levar lazer à sociedade, mesmo em meio a um quadro triste. Que seja com responsabilidade.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Nessun Dorma

O tenor polaco Leszk Swidzinski, da ópera Real da Polônia, e o grupo de médicos Medicantus, comoveram médicos e enfermeiras até às lágrimas, quando apareceram num hospital de Varsóvia e fizeram uma interpretação da ária da ópera Turandot, de Giacomo Puccini. O grande Tenor manteve um Ré por seis compassos ininterruptos de ao final quando disse "Vencerei".


Saneamento: uma questão de dignidade(L C Trabuco Cappi, Estado, 20 7 2020)

LUIZ CARLOS TRABUCO CAPPI - Saneamento: uma questão de dignidade
COLUNISTAS
segunda-feira, 20 de julho de 2020 

  
O Estado de S. Paulo  / Economia

LUIZ CARLOS TRABUCO CAPPI

O novo marco legal do saneamento, aprovado pelo Congresso no dia 24 do mês passado, é uma dessas notícias que devemos celebrar. A primeira implicação, e a mais importante, é que ele permitirá a extensão de água tratada e esgoto a milhões de brasileiros até agora privados deste direito fundamental. Pode-se apenas imaginar o impacto na saúde e no bem-estar dessas pessoas, e os ganhos de inclusão social que com isso se conquistam e que se multiplicam. Adultos saudáveis são mais produtivos, crianças saudáveis têm desempenho melhor na escola O novo marco facilita a participação de empresas privadas nas novas obras de saneamento e, depois, na sua operação. A meta da nova legislação, a que se obrigam as empresas que ganharem licitações nessa área, é que até 2033 a água tratada chegue a 99% da população e o serviço de esgoto a 90%. Isso demandará investimentos da ordem de R$ 700 bilhões, ou mais, ao longo dos próximos anos. Comparando, esse é o valor do déficit público presumido para 2020.

Estima-se, especialmente, a criação de um milhão de empregos em obras de infraestrutura e, mais tarde, no manejo dos sistemas de tratamento de água e esgoto.

A regulação do setor mitiga os riscos de insegurança jurídica. É uma bandeira verde para os investidores, a exemplo dos setores de telefonia, nos anos 1990, e energia, nos anos 2000.

Investimentos e empregos virão em boa hora. Em consequência da pandemia do coronavírus, que provocou recessão e desemprego, o Brasil não terá anos fáceis. União, Estados e municípios não poderão arcar com investimentos de vulto em obras. Com o incentivo da nova legislação, a iniciativa privada pode assumir esse papel, com presteza e eficiência. Já vimos isso ocorrer em várias concessões feitas pelo poder público, como estradas, aeroportos e portos. Essas obras são transformadoras. Também motivam muitos empregos indiretos e geram cadeias produtivas.

O novo marco regulatório desnuda um dos déficits sociais mais agudos do País. É surpreendente que tantas gerações tenham convivido com problema dessa gravidade. Saneamento básico, água e esgoto tratados, coleta de lixo e sua correta disposição é o mínimo que uma sociedade pode oferecer aos cidadãos. É uma questão de saúde em primeiro lugar, mas é também uma questão de dignidade e cidadania.

O novo marco legal é ferramenta poderosa no equilíbrio ambiental e na redução da poluição e seus diversos impactos. Hoje, numa população de 210 milhões de pessoas, quase a metade não tem acesso à rede de esgoto. Mais de 35 milhões não têm água tratada em seus domicílios. Em milhares de municípios, a população convive com lixões infectos a céu aberto; pelas novas regras, os prefeitos terão de extingui-los até 2024.

Podemos imaginar a pressão que a falta de saneamento básico faz sobre o setor público de saúde. É enorme, e continua crescendo.

Em muitos aspectos, o Brasil é um país moderno. Tem uma economia grande e complexa, boas universidades e centros de pesquisa, uma sociedade civil forte e ativa, democracia, instituições sólidas e funcionais. Entretanto, lamentavelmente, negligenciamos por tanto tempo algo tão fundamental e civilizatório quanto o tratamento correto da água, do esgoto e do lixo.

Com essas novas normas, é possível atingir a meta de universalização dos serviços de água e esgoto em 2033. Até hoje, os municípios delegavam esses serviços a companhias estaduais. Estas operavam sem compromisso com esse objetivo. A partir de agora, terão de participar de licitações juntamente com empresas privadas e comprometer-se com resultados. A fiscalização e o acompanhamento dos contratos serão feitos pela Agência Nacional de Águas.

Em resumo, isto significa que haverá concorrência. E em economia, como sabemos, concorrência é o estímulo mais eficaz para que as coisas deem certo.

Em economia, concorrência é o estímulo mais eficaz para que as coisas deem certo

PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO.

Dean Martin e Jerry Lewis


domingo, 19 de julho de 2020

AC/DC a mil


A recuperação da China e o Brasi(Samuel Pessôa , FSP, 19 7 2020)

Samuel Pessôa - A recuperação da China e o Brasil

domingo, 19 de julho de 2020 

 Folha de S. Paulo  / Mercado


Por que não devolveremos as perdas com a pandemia tão rápido quanto a China?

Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP

Na quinta-feira (16),foi divulgada a taxa de crescimento da economia chinesa no 2° trimestre, ante o mesmo trimestre do ano passado. Foi de 3,2%, um pouco acima dos 2,7% que esperávamos no Ibre. Para o ano, estimamos que a economia chinesa cresça 1,2%.

Dado que a economia chinesa havia recuado 6,8% no 1° trimestre de 2020 ante o 1° de 2019, a recuperação foi muito forte. A China já roda a um nível ligeiramente acima daquele do 4º trimestre de 2019, logo antes do início da epidemia por lá.

Segundo nossa previsão, no 4º trimestre a China estará um ponto percentual abaixo do ponto em que estaria se não houvesse a pandemia, dada a tendência de crescimento da economia, de 5, 6% ao ano.

Para o Brasil, o Ibre-FGV revisou o crescimento para 2020 de queda de 6,5% para recuo de 5,5%. No 2° trimestre, o PIB deve cair 10,8% em relação ao mesmo trimestre de 2019.

Tudo sugere que o crescimento norte-americano será muito parecido com o brasileiro: queda de 5%, com mergulho de 10%, ou pouco menos, no 2º trimestre ante o 2º tri do ano passado.

O desempenho da Chi na tem sido bem melhor do que o brasileiro ou o americano. A comparação é difícil, pois a tendência de crescimento da China é muito maior do que a do Brasil ou a dos EUA.

Mas um exercício simples mostra que a China vai bem, mesmo levando em conta essa diferença.

Se a tendência de crescimento da China fosse de 1,5% ao ano, próxima da brasileira e da americana, e tudo o mais constante, a economia chinesa iria sofrer uma queda de 2,5% neste ano (comparado à nossa projeção de crescimento de 1,2%, dada a tendência real). Ainda assim, portanto, o recuo da China seria menor do que projetado para o Brasil e os EUA, na faixa de 3% a 5,5%.

A China tem se saído melhor do que o Brasil ou do que os EUA porque a participação dos serviços no PIB, o setor que mais sofre com a pandemia, é bem menor no país asiático, além de estar lidando melhor com a pandemia.

Para 2021, nossos números -muito especulativos- sugerem forte crescimento chinês, de 9%, que joga o país de volta à trajetória de expansão que teria ocorridos em pandemia. Muito provavelmente no segundo semestre de 2021 a população chinesa, ou parte expressiva dela, estará vacinada.

Voltando ao nosso exercício anterior, se a tendência de crescimento da China fosse de 1,5%, a alta do PIB em 2021, depois do recuo (hipotético) de 2,5% em 2020, seria de 6%. Forte devolução também.

Qual será o comportamento de Brasil e EUA? Se a China irá devolver toda a perda econômica com a pandemia praticamente até o fim de 2021, por que motivo não devolveríamos toda a nossa perda em um pouco mais de tempo?

Muitos analistas enxergam grandes dificuldades com a atividade econômica no Brasil em 2021, pois haveria forte contração fiscal.

Minha interpretação, que já expressei neste espaço em 16 de maio, é que a elevação do gasto público na crise não pode ser entendida como uma expansão fiscal estimulativa. Não estamos gastando mais para estimular a atividade produtiva, mas sim para permitir que as pessoas fiquem em casa.

Se houver retirada de estímulo fiscal coordenada com o retomo da atividade produtiva, pode haver troca do impulso público pelo privado, sem impedir a retomada da economia.

O impedimento hoje é a forma pouco eficiente como temos lidado com a crise sanitária.

Algumas notícias positivas, baseadas na redução do limite de imunizados em uma população -em razão de heterogeneidades dessa mesma população- para que haja imunização natural, indicam que talvez tenhamos uma solução mais definitiva antes da vacina.

De qualquer forma, após a devolução da perda da crise, voltaremos à nossa mediocridade de sempre.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Tango Yesterday


A pandemia e o déficit do ensino(Celso Ming, Estado, 17 7 2020)


A pandemia e o déficit do ensino

sexta-feira, 17 de julho de 2020 

  
O Estado de S. Paulo  / Economia

CELSO MING

A concentração de renda é uma tuições democráticas. Também é uma limitadora do desenvolvimento das empresas, na medida em que uma população de baixa renda também impede o crescimento do consumo.

No entanto, se a renda cresce, mesmo quando a renda da maioria cresce menos, a insatisfação social tende a perder força, porque se espraia a percepção de que, apesar de tudo, a vida melhorou. E, nessas condições, os movimentos populistas que exploram a desigualdade também perdem força. Os problemas se multiplicam quando a esperança se esvai na medida em que as oportunidade se estreitam. Embora as constituições digam que todos são iguais perante a lei, ao nascer as oportunidades dos indivíduos já são naturalmente desiguais, seja por limitações geográficas, seja pelas condições sociais. Um bebê na África subsaariana terá quase sempre muito menos oportunidades de desenvolvimento pessoal do que terá um bebê em região avançada, porque começa a vida num país pobre e mal resolvido. Em qualquer lugar, a população de mais baixa renda também começa a batalha da subsistência em piores condições.

Para a superação da desigualdade de oportunidades, não basta que aumente a oferta de postos de trabalho. É preciso, também, assegurar igualdade nas condições de ensino e educação. E, já não dá para esconder, esse é o setor que mais vem sendo solapado pela pandemia nos esforços pela obtenção de melhores condições de oportunidades.

Crianças de famílias de renda mais alta também foram obrigadas a permanecer isoladas em suas casas. Só que puderam compensar a ausência física das escolas com aulas e avaliações digitais, repassadas por meio da internet. Enquanto isso, as crianças mais pobres, que não têm nem computador nem internet, não tiveram esse recurso. Na prática, estão perdendo o ano e muita coisa mais.

O retorno às aulas já será, por si só, enorme problema de política pública. Não poderá ser uniforme e terá necessariamente de ser gradual e de levar em conta a evolução da doença em cada cidade e as condições reais tanto de professores quanto de alunos.

As autoridades do Ministério da Educação (MEC) examinam agora a hipótese de aprová-los em massa por decreto, porque será preciso abrir as vagas para as turmas que começarão no ano que vem. No entanto, o déficit de aprendizagem será enorme, ainda que, em algumas localidades, as reposições possam ser adequadas.

As crianças de famílias mais pobres já vêm passando por carências alimentares, porque já não podem contar com a merenda escolar que lhes é importante fonte de sustento. Agora enfrentam quebra da renda de suas famílias em consequência do desemprego e da redução de salário e ficarão para trás também na sua aprendizagem escolar.

Muito provavelmente, esse será também novo fator de evasão escolar. Se nas universidades privadas 265 mil alunos abandonaram ou trancaram matrícula nos cursos de graduação, conforme informa o sindicato das mantenedoras (ver no Estado de 6 de julho), o que não estará para acontecer no ensino fundamental e no ensino médio mantidos pelo setor público?

Em sua edição de 15 de julho, matéria do diário El Mundo, de Madri, com base em levantamentos da Unesco, o organismo das Nações Unidas voltado para a Educação, informa que no mundo 1,6 bilhão de crianças ficaram sem aulas durante a pandemia. A maioria delas não poderá contar nem mesmo com reposição das aulas porque os países pobres não dispõem de recursos orçamentários para enfrentar as despesas extras com ensino.

Enfim, está enormemente equivocado quem acha que a pandemia é uma espécie de foice democrática, que ceifa tanto ricos como pobres. Os ricos também enfrentam isolamento social, mas se defendem melhor. Os pobres que sobreviverem não só tendem a ficar mais pobres, mas, também, verão se fechar portas e janelas das oportunidades de melhora de vida.

FONTE: TODOS PELA EDUCAÇÃO/CONSED

Lopes vê melhora consistente na propagação da covid(Valor, 17 7 2020)

Lopes vê melhora consistente na propagação da covid

sexta-feira, 17 de julho de 2020 

  
Valor Econômico  / Brasil

Sergio Lamucci

Os números da propagação da covid-19 no Brasil continuam a melhorar de forma consistente, avalia o ex-presidente do Banco Central (BC) Francisco Lopes. Em relatório de sua consultoria, a Macrométrica, ele diz que a taxa de variação de casos se aproxima de 2%. Segundo Lopes, se essa tendência de desaceleração for mantida, a relação entre novos casos e o total de casos pode convergir para zero até o fim de agosto. 

Nesse caso, o total de casos chegará a 3 milhões e o total de óbitos será de 107 mil, escreve ele. Para Lopes, a curva de novos casos por dia, na média de sete dias, deverá começar a recuar a partir de 20 julho. 

Na visão do economista, a desaceleração ocorre de modo consistente na maior parte dos Estados. “As três únicas exceções são Amazonas, Sergipe e Amapá, este último com a maior aceleração”, diz Lopes, observando que “esses Estados ‘não-convergen - tes’ representam pouco mais de 8% do total de casos”. Segundo ele, os Estados com maior velocidade de propagação são Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, Amapá e Sergipe, medidos pela Zt, que compara os novos casos com o total de casos. 

Já no Rio de Janeiro há uma “quase estabilidade” nessa taxa, “o que pode ser um mau sinal se estiver refletindo um primeiro impacto da abertura da economia”, diz Lopes. 

O economista passa então a analisar a situação no exterior, avaliando mais detidamente o caso dos Estados Unidos. Segundo ele, os EUA parecem ser “o exemplo mais nítido” do fenômeno da segunda onda. Ele observa que, depois de atingir um mínimo próximo de 1% por volta de meados de junho, a velocidade de crescimento diário do total de casos, no intervalo de um mês, voltou a acelerar de novo para próximo de 2%. 

“Os Estados com infecções mais antigas, como Nova York, Nova Jersey, Massachusetts, Illinois e Pensilvânia têm níveis de Zt [a relação entre novos casos e o total de casos] já bem próximos de zero”, diz Lopes. “Louisiana parece ser um caso especial por permanecer com velocidade elevada já por muito tempo.”

Il Maestro


A louça não para


quinta-feira, 16 de julho de 2020

StairWay to Heaven


Impacto das publicações


Reincidência da Covid(Socorro, não tenho anticorpos!)


Quem irá investir no Brasil?(André Castellini, Valor, 16 7 2020)



André Castellini - Quem irá investir no Brasil?

quinta-feira, 16 de julho de 2020 

  
Valor Econômico  / Opinião

Por André Castellini

Apesar das oportunidades, reputação afasta bilhões de dólares que acelerariam a retomada.

Depois de o Brasil ter registrado em 2019 um crescimento de 26% no fluxo de investimento estrangeiro direto, segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), hoje o país está em um de seus piores momentos em relação à capacidade de atrair capital internacional. 

Essa situação representa uma enorme perda de oportunidade para o país, considerando o grande apetite de investimento em todo o mundo. Em termos econômicos, a covid-19 exacerbou a necessidade de encontrar oportunidades de crescimento para os investidores estratégicos e tornou mais urgente a busca pelo “risco” em troca de perspectivas de retornos acima da inflação. 

Não fossem as decepções geradas ao longo dos últimos 15 anos e a má imagem internacional conquistada pelo país, poderíamos receber aportes colossais que seriam fundamentais para sairmos da profunda recessão que estamos entrando. Sem investimentos, a crise econômica será prolongada e irá afetar as eleições de 2022, com repercussões potencialmente graves. 

A narrativa do potencial de crescimento brasileiro e bons retornos seria muito crível, não fosse o histórico concreto de resultados ruins obtidos. Nos últimos anos, o crescimento medíocre, aumento do endividamento público e a instabilidade regulatória fizeram com que muitas empresas (de capital estrangeiro e local) e investidores institucionais perdessem muito dinheiro aqui. Não uma vez, mas repetidamente. 

Os prejuízos das montadoras, as mudanças da regulamentação do setor elétrico, as perdas gigantescas dos investidores e de empresas multinacionais e a desvalorização do real são exemplos emblemáticos do que causou a crescente má reputação do Brasil com investidores. 

Em 2019, o país deu alguma esperança de que poderia voltar a ser um bom lugar para investir. Não tanto pela doutrina política do presidente Jair Bolsonaro, mas especialmente pela política de sua equipe econômica e pelo progresso nos primeiros passos para conseguir reequilibrar as contas públicas. 

Desde o final do ano passado, porém, conflitos entre o Executivo e o Congresso levaram a questionamentos sobre a capacidade de se continuar a implementar as reformas impopulares, que são necessárias para o equilíbrio das contas públicas. Como consequência, os investimentos diminuíram, o capital estrangeiro de curto prazo saiu, as contas externas pioraram e a desvalorização da moeda se acelerou, gerando mais uma rodada de decepções e perdas para investidores estrangeiros e locais. 

Posicionamentos institucionais contrários à diversidade e à proteção do meio ambiente também causaram prejuízos à imagem do país em segmentos influentes da opinião pública de países-sede da maioria dos investimentos internacionais. Isso torna concretamente mais difícil que um número crescente de comitês de investimentos aprovem a aplicação de recursos no Brasil. 

Enfim, o aumento da instabilidade política nos últimos meses, que gerou como cenário mais provável o atraso ou a estagnação de reformas e até mesmo o risco da eleição em 2022 de Executivo e Congresso populistas, despreocupados com disciplina fiscal, acelerou a saída de capitais e afastou muitos novos investidores. 

Nesse contexto, de onde poderiam vir investimentos nos próximos 12 ou 18 meses? Para essa discussão, convém dividir os investidores em quatro grupos: estratégicos, que já estão no Brasil; multinacionais estrangeiras, que ainda não possuem atuação aqui; investidores institucionais de médio e longo prazo; e fundos de investimento de curto prazo. 

Os investidores estratégicos que já estão no Brasil, em geral, estão realizando aportes mínimos, para manter suas operações competitivas, enquanto outros estão até desinvestindo. Nesse segmento, as exceções são players de tecnologia, empresas chinesas do mercado de infraestrutura e algumas multinacionais de bens de consumo. 

Já os investidores que não operam no país, é pouco provável que façam investimentos significativos nesse período, salvo em caso de uma grande oportunidade de aquisição, como vimos recentemente nas áreas de energia e agronegócio. 

Os investidores institucionais de médio e longo prazo que possuem recursos para investir na América do Sul estão buscando oportunidades em diversos setores, mas especialmente em novos modelos de negócio, como fintechs, e-commerce, mobilidade e telecom. Mesmo com todos os problemas mencionados, os setores de infraestrutura, saneamento e de energias alternativas têm também tido bastante interesse de fundos especializados, de pensão e soberanos. 

Mas também há algum interesse nos setores cíclicos, como varejo e bens de consumo. Esses players buscam empresas em baixa e oportunidades de melhorar o desempenho ou a consolidação do setor. Isso porque vários fundos de private equity investem também na estratégia contrária, mas desde que os fundamentos sejam sólidos. Estão em busca de ativos de qualidade, por um bom preço. 

Por fim, temos ainda os fundos de curto prazo (hedge funds, de dívidas e distressed). Esses são oportunistas e baseiam suas decisões olhando os fluxos de compra/ venda de curto prazo (“flow ”) ou o valor do ativo comparado ao preço. Os fundos distressed (também chamados de “abutres”) estão bastante ativos, analisando investimentos em empresas em dificuldades, inclusive em recuperação judicial. Setores como aviação, varejo tradicional e entretenimento estão no radar deste tipo de fundo. 

Há, portanto, capital disponível em todo o mundo e diferentes perfis de investidores com apetite de risco. Os que interessam mais ao país são os de longo prazo, mas, para atrair esses recursos, será necessário mais que bons ativos e oportunidades. 

Novamente, Executivo e Congresso precisam alcançar consenso de agenda e cronograma de reformas estruturais, além de passar uma sinalização mais positiva para o mercado internacional, o que inclui a segurança jurídica e um posicionamento mais alinhado às tendências internacionais, especialmente em aspectos de diversidade e respeito ao meio ambiente. Ou seja, para ter de volta os investidores, não basta agir nas reformas. É preciso melhorar também a comunicação, o que parece que o governo começou a tentar fazer.

"Para atrair investidores de longo prazo, os que mais interessam, é preciso mais que bons ativos e oportunidades"

André Castellini é sócio sênior da Bain & Company e cofundador do escritório da consultoria na América do Sul