André Castellini - Quem irá investir no Brasil?
quinta-feira, 16 de julho de 2020
Valor Econômico / Opinião
Por André Castellini
Apesar das oportunidades, reputação afasta bilhões de dólares que acelerariam a retomada.
Depois de o Brasil ter registrado em 2019 um crescimento de 26% no fluxo de investimento estrangeiro direto, segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), hoje o país está em um de seus piores momentos em relação à capacidade de atrair capital internacional.
Essa situação representa uma enorme perda de oportunidade para o país, considerando o grande apetite de investimento em todo o mundo. Em termos econômicos, a covid-19 exacerbou a necessidade de encontrar oportunidades de crescimento para os investidores estratégicos e tornou mais urgente a busca pelo “risco” em troca de perspectivas de retornos acima da inflação.
Não fossem as decepções geradas ao longo dos últimos 15 anos e a má imagem internacional conquistada pelo país, poderíamos receber aportes colossais que seriam fundamentais para sairmos da profunda recessão que estamos entrando. Sem investimentos, a crise econômica será prolongada e irá afetar as eleições de 2022, com repercussões potencialmente graves.
A narrativa do potencial de crescimento brasileiro e bons retornos seria muito crível, não fosse o histórico concreto de resultados ruins obtidos. Nos últimos anos, o crescimento medíocre, aumento do endividamento público e a instabilidade regulatória fizeram com que muitas empresas (de capital estrangeiro e local) e investidores institucionais perdessem muito dinheiro aqui. Não uma vez, mas repetidamente.
Os prejuízos das montadoras, as mudanças da regulamentação do setor elétrico, as perdas gigantescas dos investidores e de empresas multinacionais e a desvalorização do real são exemplos emblemáticos do que causou a crescente má reputação do Brasil com investidores.
Em 2019, o país deu alguma esperança de que poderia voltar a ser um bom lugar para investir. Não tanto pela doutrina política do presidente Jair Bolsonaro, mas especialmente pela política de sua equipe econômica e pelo progresso nos primeiros passos para conseguir reequilibrar as contas públicas.
Desde o final do ano passado, porém, conflitos entre o Executivo e o Congresso levaram a questionamentos sobre a capacidade de se continuar a implementar as reformas impopulares, que são necessárias para o equilíbrio das contas públicas. Como consequência, os investimentos diminuíram, o capital estrangeiro de curto prazo saiu, as contas externas pioraram e a desvalorização da moeda se acelerou, gerando mais uma rodada de decepções e perdas para investidores estrangeiros e locais.
Posicionamentos institucionais contrários à diversidade e à proteção do meio ambiente também causaram prejuízos à imagem do país em segmentos influentes da opinião pública de países-sede da maioria dos investimentos internacionais. Isso torna concretamente mais difícil que um número crescente de comitês de investimentos aprovem a aplicação de recursos no Brasil.
Enfim, o aumento da instabilidade política nos últimos meses, que gerou como cenário mais provável o atraso ou a estagnação de reformas e até mesmo o risco da eleição em 2022 de Executivo e Congresso populistas, despreocupados com disciplina fiscal, acelerou a saída de capitais e afastou muitos novos investidores.
Nesse contexto, de onde poderiam vir investimentos nos próximos 12 ou 18 meses? Para essa discussão, convém dividir os investidores em quatro grupos: estratégicos, que já estão no Brasil; multinacionais estrangeiras, que ainda não possuem atuação aqui; investidores institucionais de médio e longo prazo; e fundos de investimento de curto prazo.
Os investidores estratégicos que já estão no Brasil, em geral, estão realizando aportes mínimos, para manter suas operações competitivas, enquanto outros estão até desinvestindo. Nesse segmento, as exceções são players de tecnologia, empresas chinesas do mercado de infraestrutura e algumas multinacionais de bens de consumo.
Já os investidores que não operam no país, é pouco provável que façam investimentos significativos nesse período, salvo em caso de uma grande oportunidade de aquisição, como vimos recentemente nas áreas de energia e agronegócio.
Os investidores institucionais de médio e longo prazo que possuem recursos para investir na América do Sul estão buscando oportunidades em diversos setores, mas especialmente em novos modelos de negócio, como fintechs, e-commerce, mobilidade e telecom. Mesmo com todos os problemas mencionados, os setores de infraestrutura, saneamento e de energias alternativas têm também tido bastante interesse de fundos especializados, de pensão e soberanos.
Mas também há algum interesse nos setores cíclicos, como varejo e bens de consumo. Esses players buscam empresas em baixa e oportunidades de melhorar o desempenho ou a consolidação do setor. Isso porque vários fundos de private equity investem também na estratégia contrária, mas desde que os fundamentos sejam sólidos. Estão em busca de ativos de qualidade, por um bom preço.
Por fim, temos ainda os fundos de curto prazo (hedge funds, de dívidas e distressed). Esses são oportunistas e baseiam suas decisões olhando os fluxos de compra/ venda de curto prazo (“flow ”) ou o valor do ativo comparado ao preço. Os fundos distressed (também chamados de “abutres”) estão bastante ativos, analisando investimentos em empresas em dificuldades, inclusive em recuperação judicial. Setores como aviação, varejo tradicional e entretenimento estão no radar deste tipo de fundo.
Há, portanto, capital disponível em todo o mundo e diferentes perfis de investidores com apetite de risco. Os que interessam mais ao país são os de longo prazo, mas, para atrair esses recursos, será necessário mais que bons ativos e oportunidades.
Novamente, Executivo e Congresso precisam alcançar consenso de agenda e cronograma de reformas estruturais, além de passar uma sinalização mais positiva para o mercado internacional, o que inclui a segurança jurídica e um posicionamento mais alinhado às tendências internacionais, especialmente em aspectos de diversidade e respeito ao meio ambiente. Ou seja, para ter de volta os investidores, não basta agir nas reformas. É preciso melhorar também a comunicação, o que parece que o governo começou a tentar fazer.
"Para atrair investidores de longo prazo, os que mais interessam, é preciso mais que bons ativos e oportunidades"
André Castellini é sócio sênior da Bain & Company e cofundador do escritório da consultoria na América do Sul
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.