segunda-feira, 6 de julho de 2020

Resposta à pandemia, pior no Brasil e nos EUA(Barry Eichengreen, Valor, 6 7 2020)

"Resposta à pandemia é provavelmente pior no Brasil e nos EUA"
Entrevista Para Eichengreen, os dois países estão ainda numa corrida para ver quem tem a pior política ambiental
Segunda-feira, 6 de Julho de 2020 -

Valor Econômico  / Brasil

Sergio Lamucci

A resposta à pandemia da covid-19 é “provavelmente pior” nos EUA e no Brasil do que em qualquer outro país, diz o economista americano Barry Eichengreen. “Os dois países também estão numa corrida no momento para ver quem tem as piores políticas ambientais”, afirma ele. Professor de Economia e Ciência Política da Universidade da Califórnia, em Berkeley, Eichengreen avalia que, com essa combinação, Brasil e EUA “não são lugares onde investidores europeus e asiáticos criteriosos vão querer investir”.

Para ele, o Brasil pode ter uma recuperação mais lenta que a maior parte dos mercados emergentes, por causa da resposta problemática do país à pandemia.

“Cidades e Estados podem ter que fechar de novo. Os consumidores ficam relutantes de comprar e gastar com o vírus se espalhando rapidamente. As empresas não serão capazes de fazer e implementar planos de investimento em face dessa incerteza. A carga sobre a saúde pública será imensa”, diz Eichengreen, observando que a reabertura precoce da economia pode levar a uma segunda onda de infecções, prejudicando a recuperação da economia, como está ocorrendo nos EUA.

Na entrevista, Eichengreen diz que a atual crise é indiscutivelmente pior que a crise financeira global de 2008 e 2009. Vê uma recuperação lenta na China, o que deveria servir de alerta para o “resto de nós”. Nos EUA, a recuperação nascente tende a sair dos trilhos, devido às políticas incompetentes de combate à pandemia. “Estados que abriram [a economia] prematuramente estão agora fechando de novo”, afirma ele.

Eichengreen também aponta mudanças estruturais provocadas pela pandemia, como a necessidade de trabalhadores se deslocarem de setores como viagem, turismo, varejo e alojamento, que deverão “encolher permanentemente”, enquanto outros, “como cuidados infantis, saúde, assistência a idosos, vendas on-line e tecnologia vão se expandir ”. A seguir, os principais trechos da entrevista, feita por e-mail.

Valor: Quais são as principais implicações da pandemia da covid19 para a economia global? A crise terá mais efeitos transitórios ou os impactos serão mais estruturais, afetando cadeias globais de oferta, aumentando a desigualdade e acelerando a “desglobalização”?

Barry Eichengreen: Com o tempo, está ficando cada vez mais claro que a crise terá implicações estruturais de longo prazo para a economia. A sua pergunta enfatiza cadeias globais de oferta (que vão encolher, por causa da volta de operações do exterior), o aumento da desigualdade (que vai ocorrer, uma vez que quem trabalha em casa podem se proteger melhor tanto do vírus como de suas consequências econômicas) e a “desglobalização”. Mas haverá mudanças estruturais adicionais. Como grandes empresas conseguem sobreviver melhor à crise do que companhias de pequeno porte, nós provavelmente veremos um aumento adicional na concentração e no poder de monopólio. Os trabalhadores terão que se deslocar entre os setores, uma vez que os segmentos de viagem, turismo, varejo e alojamento vão encolher permanentemente, enquanto outros, como cuidados infantis, saúde, assistência a idosos, vendas on-line e tecnologia vão se expandir. Esse tipo de reestruturação vai exigir educação e retreinamento, e não está claro que todas as economias tenham a flexibilidade e autoridades perspicazes necessárias para alcancá-la.

Valor: Como essa crise se compara com a crise financeira global de 2008 e 2009?Qual é pior?

Eichengreen: As duas crises são completamente diferentes. A de 2008 e 2009 começou no setor financeiro, enquanto a atual se iniciou numa parte não-financeira da economia. A resposta de políticas a na crise de 2008 e 2009 foi relativamente morna, enquanto desta vez foi mais forte. Acima de tudo, é indiscutível que esta crise é pior: uma retração mais profunda, com uma retomada ainda mais difícil.

Valor: Como o sr. vê a resposta dos bancos centrais e dos governos à crise? Eles ainda tem mais espaço para atuar ou estão ficando sem munição?

Eichengreen: Como eu disse, a resposta dos bancos centrais e dos governos foi forte. É possível criticar alguns aspectos específicos, mas de modo geral as autoridades monetárias e fiscais responderam de modo apropriado. A política fiscal ainda pode fazer mais, na maior parte dos países. Se as autoridades fiscais já estivessem sem munição, nós veríamos os juros subindo. Se agir mais aumentasse os riscos para o futuro, nós veríamos a alta da inflação, ou pelo menos das expectativas de inflação. A realidade é o contrário: todos os indicadores parecem apontar na direção da deflação, devido à contínua fraqueza do gasto privado.

Valor: A China teve uma forte queda do PIB no primeiro trimestre. O sr. acredita que a China pode ter uma recuperação razoavelmente rápida a partir do segundo trimestre ou a recessão nos EUA e na Europa vai minar a retomada chinesa?

Eichengreen: A China parece estar se recuperando apenas lentamente, por causa da fraca demanda externa que você mencionou, mas também por causa da fraqueza dos gastos do consumidor. O consumidor chinês evidentemente está se preocupando com os renovados surtos do vírus. Isso deveria ser um alerta para o resto de nós.

Valor: Os EUA e a zona do euro devem ter registrado uma forte contração do PIB no segundo trimestre, mas há crescente diferença na curva de crescimento de casos da covid-19 entre a Europa e os EUA. Isso significa que a recuperação nos EUA pode ser afetada por uma segunda onda de infecção, enquanto a retomada na Europa pode ser mais rápida?

Eichengreen: Exatamente. Os países europeus foram lentos ao responder ao surgimento do vírus, mas agora colocaram em ordem as suas ações de saúde pública. As políticas dos EUA continuam incompetentes. Estados que abriram [a economia] prematuramente estão agora fechando de novo. E isso vai tirar dos trilhos a recuperação econômica nascente.

Valor: Os números mais recentes para a atividade global surpreenderam positivamente, como a sondagem para a indústria e os de emprego de junho nos EUA, além de sondagens para o setor manufatureiro na Ásia e na Europa. Isso muda em alguma medida a sua visão sobre a recuperação global e dos EUA ou continua a acreditar numa retomada lenta?

Eichengreen: Não, esses números não mudam nada. Eles refletem o que estava ocorrendo há duas semanas, quando os Estados [americanos] estavam abrandando as restrições e reabrindo a economia. Isso permitiu que uma fração, talvez um quarto ou um quinto, das perdas de emprego fossem recuperadas. Agora a disseminação do vírus está acelerando com força, em resposta à mesma reabertura precoce. A infecção leva duas semanas, nós sabemos, para incubar. Então os Estados — 20 até o momento — estão voltando a fechar. Garçons e assistentes de dentistas que tinham retornado ao trabalho há duas semanas estão sendo demitidos novamente. E a disseminação do vírus vai ser mais difícil de reverter do que foi na primavera, uma vez que o número de casos é mais alto agora e as pessoas estão sofrendo de fadiga do confinamento. Eu sou mais otimista em relação à Europa.

Valor: Por quê?

Eichengreen: Tanto porque os novos números de casos de covid são muito melhores e também porque tomaram passos para emitir bônus da União Europeia e remediar alguns dos defeitos remanescentes da união monetária. Acho que o cenário na Ásia permanece inalterado: uma recuperação em “U”, segurada por um consumidor ainda cauteloso. O efeito perturbador é que há tensões geopolíticas entre China e Índia. Conflitos geopolíticos nunca são bons para o crescimento.

Valor: Em que medida a crise de saúde e a crise econômica devido à pandemia afetam as chances de Donald Trump nas eleições de 2020?

Eichengreen: Muita coisa pode mudar entre hoje e novembro. Até o momento, porém, a mensagem incoerente de Trump sobre a pandemia e a emergência renovada de saúde pública nos Estados do sul minaram seriamente o apoio a ele entre eleitores mais velhos, em especial. Eleitores mais velhos e mulheres brancas mais velhas são uma parte importante da base de Trump, e eleitores mais velhos são especialmente vulneráveis à covid19. Mais uma vez, no entanto, muito pode mudar, e outras notícias podem se sobrepor mesmo uma pandemia global. No momento, as manchetes nos EUA estão dominadas não apenas pela covid, mas também sobre a questão se o presidente ignorou um briefing sobre Vladimir Putin [presidente da Rússia] oferecendo recompensas pelas mortes de militares americanos no Afeganistão. Essa notícia também não favorece Trump.

Valor: O sr. acha que quarentenas rigorosas são a melhor estratégia para enfrentar a crise do coronavírus, tanto do ponto de vista de saúde pública quanto econômico?

Eichengreen: O melhor é testar, monitorar e fazer a quarentena. Com testagem, monitoramento e quarentenas suficientes, é possível isolar os infectados e deixar os outros tocarem as suas vidas sem se expor a um risco significativo de infecção. Mas poucos países aumentaram os testes de modo suficiente, desenvolveram monitoramento efetivo e foram capazes de impor quarentenas. A China, onde tentaram essas três estratégias, e onde houve surtos adicionais do vírus, mostra a dificuldade de implementá-las. Mas essa continua a ser a melhor abordagem disponível. Um “lockdown” amplo dos infectados e dos saudáveis é obviamente a segunda melhor opção.

Valor: O presidente Jair Bolsonaro sempre foi contra um confinamento severo, minimizando o risco do coronavírus e afirmando que está preocupado com o impacto da quarentena sobre a economia. Como o sr. avalia essa abordagem?

Eichengreen: Insana.

Valor: Muitos Estados e municípios brasileiros estão reabrindo a economia, a despeito do preocupante padrão de crescimento da covid19 em muitos lugares. Essa estratégia pode levar a uma segunda onda de infecções, afetando as perspectivas para a economia brasileira?

Eichengreen: Isso é o que está ocorrendo nos EUA, infelizmente. Por que o Brasil seria diferente? Valor: O Brasil pode ter uma recuperação mais lenta que a maior parte dos outros mercados emergentes por causa de sua resposta problemática à pandemia?

Eichengreen: Obviamente. Cidades e Estados podem ter que fechar de novo. Os consumidores ficam relutantes de comprar e gastar com o vírus se espalhando rapidamente. As empresas não serão capazes de fazer e implementar planos de investimento em face dessa incerteza. A carga sobre a saúde pública será imensa.

Valor: Como o Brasil é visto no exterior hoje? Em que medida a resposta de Bolsonaro à pandemia e a criticada política ambiental brasileira podem afetar os fluxos de investimento estrangeiro para o Brasil?

Eichengreen: A resposta à pandemia é provavelmente pior nos EUA e no Brasil do que em qualquer outro país. Os dois países também estão numa corrida no momento para ver quem tem as piores políticas ambientais. Quem imaginaria isso? O resto da sua pergunta responde a si mesma: esses não são lugares onde investidores europeus e asiáticos criteriosos vão querer investir.

“Nós provavelmente veremos um aumento adicional na concentração e no poder de monopólio”

“É indiscutível que esta crise é pior [que a de 2008]: uma retração mais profunda, com retomada ainda mais difícil”

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