23/11/2020 09:40 - DÉCIO ODDONE:
É PRECISO CONTINUAR ATRAINDO OS TALENTOS NECESSÁRIOS PARA O SETOR DE PETRÓLEO E GÁS
Com a queda dos preços causada pelo Covid-19, as empresas de petróleo e gás natural adotaram a receita clássica. Custos, investimentos e empregos foram cortados. O advento do petróleo forjou o mundo moderno. Até os anos 1970, no entanto, a atividade estava concentrada em terra. A indústria se sofisticou a partir das duas crises que mudaram o mundo e estimularam a busca de petróleo no mar. A utilização cada vez mais intensa de novas tecnologias foi uma espécie de ida à lua da indústria do petróleo, que passou a adotar inovações em ritmo acelerado. Se fortaleceram as grandes operadoras e prestadoras de serviço. A maior complexidade das operações marítimas demandou desenvolvimentos tecnológicos e a contratação de grande número de engenheiros, geólogos, economistas e administradores. A indústria passou a ser mais atraente e a oferecer melhores benefícios. Não teve dificuldades para atrair os melhores profissionais. A queda de preços de 1986 trouxe o primeiro grande ajuste, com uma onda inédita de demissões.
Quando, mais de uma década depois, a cotação voltou a subir, o setor, já enfrentando a concorrência das companhias de tecnologia digital, encontrou dificuldades para atrair empregados nas regiões de economia mais diversificada. O advento do shale revolucionou a indústria e o mercado de trabalho nos EUA, tendo sido responsável por uma nova leva de contratações. Os salários em locais como Dakota do Norte chegaram a ser os maiores do país. No Brasil, a euforia do início da década passada foi substituída pela debacle de 2014 e 2015. Quando a retomada iniciada em 2016 começou a tomar forma, vieram a pandemia e os cortes vivenciados recentemente. Na crise anterior, uma vez recuperado o preço, não houve grandes problemas para contratar. A situação agora é diferente. Se acentuou a competição pelos profissionais mais promissores que ingressam no mercado de trabalho. Áreas como as de energia renovável e tecnologia podem parecer mais atraente que uma indústria que começa a ver queda de demanda, em função da aceleração da transição energética.
O consumo de petróleo e gás continuará relevante por décadas. Para se manter competitivo, o setor precisará continuar atraindo talentos. Fazer isso, ao mesmo tempo em que a sociedade se moderniza, as energias limpas avançam, as formas de comportamento e trabalho se adaptam aos novos tempos e os hidrocarbonetos caminham lentamente para a obsolescência será um desafio. Superá-lo vai demandar conhecimento, atitude e capacidade de gestão. Nos debates sobre como superar a pandemia dois conceitos foram lembrados: “O paradoxo Stockdale” e “O efeito Dunning-Kruger”.
O primeiro faz referência ao General Stockdale, militar americano de mais alta patente capturado no Vietnã. Relatos dão conta que a sua liderança foi fundamental para a manutenção do moral dos prisioneiros de guerra. Sua tese: em uma situação de crise, um líder deve ser brutalmente honesto e apresentar bases razoáveis para esperança. O segundo trata da incapacidade que os indivíduos têm de reconhecer suas próprias limitações. Indica que pessoas que têm pouco conhecimento de um tema tendem a acreditar que sabem mais que outros, que apresentam maior familiaridade com o assunto, e vice-versa. O paradoxo Stockdale e o efeito Dunning-Kruger servem para ilustrar como o papel da liderança impacta um grupamento humano. A indústria do petróleo se caracterizou por oferecer um ambiente de trabalho estimulante, com perspectivas de longo prazo e planos de carreira. As viagens a trabalho, a participação em eventos e os treinamentos eram parte da rotina, como a atuação em várias regiões ou países. Como a integração das equipes e a manutenção da cultura corporativa eram importantes, a empresa definia os caminhos que os seus profissionais deviam seguir.
Os novos profissionais assumem um papel cada vez mais ativo na gestão das suas carreiras e valorizam mais a mobilidade profissional. A troca de emprego e de setor são cada vez mais comuns. Os jovens estão mais atentos para questões como meio ambiente, diversidade de gênero e de oportunidades, reputação organizacional, internet das coisas, digitalização e inteligência artificial. A pandemia está provocando mudanças de comportamento. No novo normal, a flexibilidade e a capacidade de adaptação serão mais importantes. As viagens profissionais e as participações em eventos e em treinamentos externos devem se reduzir. Como criar, manter, divulgar e aperfeiçoar a cultura de uma organização serão temas de debate. Formas inovadoras de integração e capacitação deverão ser desenvolvidas. A justiça e a diversidade no ambiente de trabalho e a motivação dos funcionários que permanecerem em casa ou que frequentarem o escritório de forma mais esporádica devem ser estimuladas. As avaliações de desempenho devem ser feitas de forma a dar oportunidades a todos, não só aos que tiverem proximidade física com os gerentes. Questões como equidade, reputação, governança e a adoção de novas tecnologias e práticas de gestão vão estar cada vez mais presentes no cotidiano das empresas.
Nesse novo ambiente, as lições de Stockdale, Dunning e Kruger não devem ser esquecidas. Os líderes do setor precisarão ser brutalmente honestos com as equipes nesses tempos de mudanças constantes e rápidas. Devem admitir que a transição energética está a caminho, mas recordar que o petróleo e o gás têm espaço garantido na matriz energética global por várias décadas ainda. Necessitarão reconhecer suas próprias limitações e perceber que novas práticas e habilidades devem ser incorporadas ao dia a dia das suas empresas. Devem aceitar que comportamentos e atitudes que não eram importantes no passado serão cruciais no futuro. Só assim serão capazes de atrair os talentos necessários para dar continuidade à longa trajetória de sucesso da indústria de petróleo e gás.
Décio Fabrício Oddone da Costa é engenheiro e
CEO da Enauta S.A.
Escreve mensalmente para o Broadcast.
Este artigo representa exclusivamente a visão do autor.
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