Seis lições da ‘abenomics’
quinta-feira, 3 de setembro de 2020
Valor Econômico / Opinião
Economias frágeis não conseguem enfrentar elevações de impostos. Por Robin Harding
“Acredite na “abenomics!”, conclamava o premiê do Japão, Shinzo Abe, em 2013. E fizemos isso. No maior triunfo de todos os tempos, Abe convenceu o mundo de que seu conjunto denominado de três setas — de “política monetária arrojada, política fiscal flexível e uma estratégia de crescimento” — transformaria a economia do Japão. Agora que Abe está deixando o cargo após mais de oito anos no poder, chegou a hora de avaliar: a “abenomics” foi bem-sucedida?
A resposta simples é: não. O objetivo central era uma meta de inflação de 2%. Mas, mesmo antes da covid-19, o mais próximo dela que o Japão chegou foi quando contabilizou cerca de 1%. Isso é fracasso.
Mas, a exemplo de um time de futebol que não se sagra campeão no torneio nacional, a derrota não significa necessariamente que o desempenho foi ruim, mas apenas que não foi bom o suficiente. “Abenomics” teve seus momentos de glória. Para um mundo que combate a “japanificação” — uma resvalada na direção da estagnação, da deflação e das taxas de juros ultrabaixas —, a teoria de Abe encerra lições poderosas.
A primeira lição é que a política monetária funciona. A “bazuca” inicial de enormes compras de ativos pelo Banco do Japão em 2013 foi altamente eficaz. Os rendimentos dos bônus caíram; as bolsas de valores dispararam; e, o que é mais importante, o iene recuou para menos de 100 ienes por dólar, uma bênção para a indústria japonesa. O crédito cresceu e o país usufruiu de um nível de emprego recorde durante a era Abe. É quase impossível argumentar que o Japão teria ficado em melhor situação com taxas de juros mais elevadas e com um iene mais forte.
A segunda lição é a de que economias frágeis não conseguem enfrentar elevações de impostos. O dia em que a “abenomics fracassou” foi o dia em que o imposto japonês sobre o consumo subiu de 5% para 8%, no segundo trimestre de 2014. A elevação do imposto tinha sido planejada por um governo anterior, mas Abe e o presidente do Banco do Japão, Haruhiko Kuroda, são responsáveis pela implementação da decisão, que mergulhou o país na recessão. Um novo aumento de impostos para 10% no ano passado teve os mesmos resultados. Se o governo promete incentivo e, na prática, gera contenção, fracassa. Essa, em poucas palavras, é a história da “abenomics”.
A terceira lição, que decorre estreitamente da anterior, é que a credibilidade é tudo. Nos primeiros tempos, Kuroda prometeu 2% de inflação dentro de dois anos. Essa promessa não foi cumprida, e nem poderia ter sido. Após o imposto sobre o consumo ter levado à recessão, a segunda bazuca de Kuroda em 2014 — acelerar o ritmo de compras de ativos para 80 trilhões de ienes ao ano — teve menor efeito. A essa altura, o encanto tinha se quebrado.
Essa também não foi a única maneira pela qual a “abenomics” minou sua própria credibilidade. Por exemplo, o governo nunca elevou os salários do setor público em consonância com a meta de inflação de 2%. Por que, então, o setor privado deveria ter dado atenção à exigência de Abe por aumentos de salário?
A quarta lição é a de que não se pode confiar apenas nas expectativas. Kuroda explicou reiteradamente como sua política funcionaria por meio da elevação das expectativas de inflação futura da população. De fato, há sinais de que isso tenha ocorrido inicialmente, antes de a recessão de 2014 enterrar as esperanças de que a inflação realmente subiria. Um instrumento que depende de expectativas nunca vai se equiparar a um que altera diretamente as taxas de juros.
A quinta lição é que os estímulos não causam problemas com a dívida pública; ao contrário, os solucionam. Desde 1990, o endividamento público do Japão como percentual do Produto Interno Bruto subiu incessantemente, menos em dois períodos: em 2005-2007, quando a economia estava suficientemente forte para que o BC do país, de forma insensata, elevasse as taxas de juros, e no período 2013- 2019, quando a “abenomics” gerou impulso suficiente para permitir elevações do imposto sobre o consumo. O setor público só consegue poupar mais se o setor privado poupar menos. A força da economia é precondição para o aperto fiscal.
A sexta lição são os limites de uma estratégia de crescimento. Talvez as críticas mais comuns a Abe no Japão sejam o fato de ele nunca ter cumprido as promessas de realizar uma reforma estrutural. É verdade que ele nunca implementou as coisas mais radicais, como descartar as proteções para trabalhadores assalariados. Mas não se pode negar que o que fez efetivamente foi liberalizar o mercado de energia elétrica do Japão, abrir o país a turistas chineses, enfraquecer o lobby da agricultura e assinar dois enormes acordos de comércio exterior.
A maior parte do crescimento da economia, no entanto, provém, em última análise, de uma população maior, do aprimoramento da educação, da acumulação de capital e, o mais decisivo de todos esses quesitos, do desenvolvimento de uma nova tecnologia. Com a queda da população japonesa, a única “reforma” que certamente expandirá a economia é imigração em grande escala, e Abe sentiu, com razão, que essa alternativa vai muito além da simples economia.
Em que situação isso deixa o Japão hoje? Seus desafios são maiores do que nunca. Após o fracasso de um programa de estímulo supostamente completo, a opinião pública poderá não se deixar convencer por mais um. Mas a situação atual, com uma inflação bem abaixo da meta, é sintomática de um déficit crônico de demanda, imperfeitamente preenchido por uma dívida pública que não para de crescer. Uma alternativa é esperar, prosseguir nas compras de ativos pelo BC e torcer pelo melhor — essa é a postura fundamental do Banco do Japão desde 2016. Outra alternativa é coordenar essas compras de ativos ainda mais estreitamente com os gastos do governo. Esse seria mais um passo na direção da política pública nunca antes trilhada e potencialmente perigosa do “helicóptero de dinheiro”. Mas, para sustentar a esperança tão bem inculcada no passado por Abe, o Japão pode ter poucas alternativas. (Tradução de Rachel Warszawski.)
OLHO: A situação atual, com a inflação bem abaixo da meta, é sintomática de um déficit crônico de demanda, preenchido de forma imperfeita por uma dívida pública que não para de crescer. Uma alternativa é continuar comprando ativos e torcer pelo melhor, a posição do BC desde 2016
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