Capital estrangeiro busca porta de saída
Nota do setor externo do BC, divulgada ontem, mostra que US$ 15,2 bilhões deixaram o Brasil neste ano. Trata-se do maior valor para fechamento do fluxo cambial, no acumulado de janeiro a agosto, desde 1982. Credibilidade em declínio assusta investidor
quinta-feira, 24 de setembro de 2020
Correio Braziliense / Economia
Rosana Hessel
O presidente Jair Bolsonaro disse, em seu discurso de abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na terça-feira, que "no primeiro semestre de 2020", apesar da pandemia, houve crescimento no ingresso de investimento no país" e que "a confiança está aumentando". No entanto, a nota com estatísticas do setor externo do Banco Central (BC), divulgada ontem, mostra o contrário e indica uma debandada sem precedentes do capital estrangeiro do país. E sinaliza que o quadro ainda pode piorar.
De acordo com os dados do BC, US$ 15,2 bilhões deixaram o país neste ano. É o maior valor para fechamento do fluxo cambial no acumulado de janeiro a agosto desde 1982. A nota da autoridade monetária ainda mostra queda expressiva e contínua no Investimento Direto no País (IDP), que é o capital produtivo que faz a roda da economia girar mais rápido. Apenas no mês passado, esse indicador de entrada do investimento estrangeiro direto desabou 85,3% na comparação com mesmo mês de 2019, passando de US$ 9,5 bilhões para US$ 1,4 bilhão, o menor patamar para o período desde 2006.
"O que estamos vivendo, hoje, é uma situação inédita de magnitude em cada um desses componentes no país, refletindo o nível de incertezas da recessão global", reconheceu o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, durante a apresentação dos dados do setor externo, que apontaram melhora no balanço de pagamentos. O saldo de transações correntes do país com resto do mundo ficou positivo em US$ 3,7 bilhões em agosto. No acumulado do ano, o deficit vem encolhendo "em grande parte devido à melhora no saldo comercial, em função da forte queda das importações". Conforme disse, a expectativa para a entrada de investimento direto em setembro é de US$ 2 bilhões, patamar ainda inferior dos US$ 6 bilhões no pré-pandemia e, portanto, a retomada do IDP ainda deve demorar.
Mas os dados ruins -- que confrontam as declarações de Bolsonaro e confirmam os alertas de fundos de investimentos, grandes bancos e ex-ministros -- não param por aí. No acumulado de 12 meses até o mês passado, o BC registrou a entrada de US$ 54,5 bilhões, o menor volume desde agosto de 2010 e equivalente a 3,51% do Produto Interno Bruto (PIB). E, para setembro, o banco prevê queda nesse indicador para algo em torno de US$ 50 bilhões, bem abaixo da previsão de US$ 55 bilhões para o ano. Resta saber se o BC vai revisar essa expectativa novamente para baixo, hoje, durante a apresentação do Relatório Trimestral de Inflação (RTI).
Estoque encolhendo
E não é apenas o fluxo de entrada de investimento que cai. O estoque investimento estrangeiro direto também encolhe. Em agosto, estava em US$ 659,8 bilhões, recuo de 19,5% em relação aos US$ 819,5 bilhões computados no fim de 2019. No acumulado do ano, a saída de investimentos estrangeiros em carteira somou US$ 28,3 bilhões, outro recorde segundo dados do BC. Desse montante, US$ 19,5 bilhões foram aplicações em ações e US$ 8,8 bilhões, em títulos da dívida.
Na avaliação de analistas ouvidos pelo Correio, esses dados refletem que a desconfiança de investidores no país está aumentando -- e, portanto, a debandada de capital deve continuar crescente, especialmente por causa da questão ambiental, devido às queimadas no Amazonas e no Pantanal. Isso afugenta o capital externo, assim como as incertezas em relação ao controle das contas públicas: o estouro do teto de gastos é visto como uma realidade, em 2021, uma vez que o governo não sinaliza claramente que vai conseguir controlar as despesas da dívida pública bruta, já perto de 100% do PIB.
"A queda do IDP vem ocorrendo desde abril, por conta da crise provocada pela pandemia, mas é provável que deverá permanecer porque o cenário à frente é de uma economia piorando, com um quadro fiscal ruim, com juros de longo prazo subindo. E toda a agravante da questão ambiental, que é essencial para o investidor estrangeiro", alertou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
O ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero destacou que esse fenômeno reflete, sobretudo, a perda de confiança devido ao temor de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, perca o controle da situação fiscal diante do projeto de reeleição de Bolsonaro. "Ninguém mais acredita que o ministro da Economia tenha condições para evitar a tendência de subordinar tudo à reeleição: dinheiro para obras, novo auxílio emergencial sem tocar nos programas sociais existentes. Sinais claros da alarmante queda de confiança é o alargamento do fosso entre os juros para rolagem da dívida", alertou. Ele lembra, ainda, o enfraquecimento do real ante o dólar em proporção muito maior do que nos outros países emergentes também como resultado dessa desconfiança.
"Creio que a questão ambiental afeta, em especial, os investimentos futuros, que se sentem desencorajados. Em relação ao dinheiro que sai do financiamento da dívida ou da Bolsa, provavelmente o medo de que o país mergulhe na crise pesa mais do que outras considerações. Isso torna a situação complicada, porque o governo perdeu credibilidade fiscal e esse elemento é difícil de consertar", explicou.
A economista Juliana Inhasz, professora do Insper, também reconheceu que aumento da desconfiança e a perda de atratividade do Brasil são evidentes nos dados do BC. "Mostra um dado preocupante porque são os grandes investidores que aplicam em economias emergentes. E eles estão percebendo que o Brasil não é um bom lugar para investir, com riscos crescentes e o teto de gastos caindo na cabeça", lamentou.
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