quarta-feira, 29 de abril de 2020

A autodestruição do Trump tropical(FT, Valor, 29 4 2020)





A autodestruição do Trump tropical

Quarta-feira, 29 de Abril de 2020 

Conselho Editorial

Do Financial Times

Com exceção de um, todos os presidentes do Brasil desde o retorno da democracia em 1985 terminaram suas carreiras em desgraça. Dois sofreram impeachment, dois foram maculados por acusações de corrupção, um foi preso e outro desencadeou uma crise financeira em uma posição posterior. Somente Fernando Henrique Cardoso, um centrista que governou de 1995 a 2002, manteve sua reputação intacta.

Após forçar a saída do respeitado ministro da Justiça Sergio Moro, na sexta-feira, Jair Bolsonaro agora parece empenhado em se juntar aos antecessores na galeria de horrores presidenciais. Moro foi o segundo ministro a perder o cargo em oito dias; Bolsonaro demitiu o popular ministro da Saúde na semana anterior por sua resistência aos esforços presidenciais de amenizar a pandemia do coronavírus.

A exoneração de Moro é particularmente séria por dois motivos. Primeiro, ele era um herói para os apoiadores conservadores de Bolsonaro. Em sua função anterior, de juiz que combateu a corrupção, ele ajudou a prender o ícone esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva. Em segundo lugar, Moro alegou que saiu em protesto à decisão do presidente de demitir o chefe da Polícia Federal e substituí- lo por um indivíduo mais maleável e disposto a compartilhar informações sobre investigações em andamento. Os brasileiros suspeitam que as manobras de Bolsonaro visam proteger seus poderosos filhos de processos em investigações sobre financiamentos ilegais de campanha e ligações com paramilitares.

Se comprovadas, as alegações explosivas de Moro poderão constituir as bases para um impeachment. Elas provocaram a pior crise política no Brasil desde que Dilma Rousseff foi impedida em 2016. Chamado de o “Trump dos trópicos” por seu domínio sobre as redes sociais, sua capacidade de mobilizar apoiadores e seus ataques venenosos a adversários, Bolsonaro irritou a elite brasileira ao negligenciar a Constituição, demonstrar intolerância em relação aos gays, mulheres e negros, e por sua indiferença às queimadas na floresta amazônica.

Mas ele foi aceito por empresários e investidores, como a melhor esperança de revitalização da economia depois de uma grave recessão e anos de má gestão e corrupção da esquerda.

Paulo Guedes, o ministro das finanças monetarista e partidário da teoria de Milton Friedman, anunciou reformas econômicas audaciosas e no ano passado conseguiu aprovar uma importante reforma da Previdência Social para aliviar as finanças públicas. Esse sucesso deixou os investidores confiantes de que “os adultos da sala”, como são conhecidos os membros mais moderados do governo Bolsonaro, poderiam avançar nas reformas apesar das bizarrices perigosas do presidente — um tipo de governo Dr. Jekyll e Mr. Hyde.

Agora, assim como no romance gótico de Robert Louis Stevenson, Mr. Hyde assumiu o controle. Qualquer sentimento positivo restante evaporou-se em meio a uma crise tripla: um agravamento da emergência de saúde pública, uma profunda recessão econômica e uma calamidade política.

Jogador de longa data, Bolsonaro vem fazendo apostas ainda mais altas ao negar a gravidade da covid-19. O Brasil vem realizando tão poucos testes que os números oficiais não são confiáveis, mas até mesmo estes mostram um crescimento acelerado dos contágios. O pico ainda não chegou e o sistema público de saúde já está tendo problemas. A economia dependente das commodities está igualmente vulnerável; o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que o PIB encolherá 5,3% este ano, algo muito pior do que na África subsaariana.

Bolsonaro mostrou-se resistente até agora. Por enquanto seus principais apoiadores estão do seu lado. Mas entre os militares, ex-apoiadores estão ficando desconfortáveis. O Congresso começa a flexionar seus músculos. Crescem os rumores de novas saídas de ministros.

Há muito afeito a teorias da conspiração, Bolsonaro vem acusando repetidamente adversários de conspirar para tirá-lo do poder. A verdade é que o presidente do Brasil está criando, sozinho, o cenário para o seu impeachment.

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