João Saboia
Há uma imagem antiga do setor informal associado ao papel de uma esponja. A ideia é destacar a capacidade que o setor informal possui de absorver as pessoas que não conseguem ser absorvidas pelo restante da economia.
No Brasil, essa imagem faz todo sentido ao olharmos para a evolução do mercado de trabalho a partir da crise de 2015-2016, quando cerca de três milhões de empregos formais simplesmente desapareceram. Ao mesmo tempo em que a parcela de empregados formais se reduzia, o emprego sem carteira e o trabalho por conta própria aumentavam sua participação.
O desemprego disparou no país após 2014, mas poderia ter crescido muito mais se o setor informal não tivesse cumprido seu papel de “esponja”. Dados do IBGE mostram que no início de 2020 o setor informal era formado por 38 milhões de pessoas, sendo 11,6 empregados do setor privado sem carteira, 4,5 milhões de trabalhadores domésticos sem carteira, 19,2 milhões de trabalhadores por conta própria sem CNPJ, 2 milhões de trabalhadores familiares auxiliares e 0,8 milhão de empregadores sem CNPJ. Em outras palavras, o trabalho informal representa cerca de 40% das 94 milhões de pessoas ocupadas no país.
As medidas anunciadas pelo governo após as negociações com o Congresso para minimizar os efeitos da crise do coronavírus sobre a economia e o mercado de trabalho nos parecem ir na direção correta, tanto aquelas voltadas para o setor formal quanto para o informal, mas dificilmente darão conta do tamanho da crise.
No caso do setor formal, a redução da jornada ou a suspensão do contrato de trabalho podem contribuir de alguma forma, mas serão incapazes de evitar demissões em massa. Se os negócios estão parados e as expectativas para o curto prazo são muito desfavoráveis, do ponto de vista do empresariado é melhor despedir logo seu empregado e incorrer nas despesas do desligamento do que adiá-las por algum tempo e ainda ser obrigado a manter o empregado por igual período após o/a desligamento / suspensão.
Conversando com um pequeno empresário do setor de construção sobre como via as medidas do governo, ele me disse que colocaria parte de seu pessoal de férias e, em seguida, teria que despedir pelo menos 20% dos empregados, provavelmente mais. O argumento foi exatamente na linha apontada acima devido à falta de perspectivas de recuperação da economia e do setor de construção em particular. Além disso, como os salários pagos por sua empresa estão na faixa em que a redução dos salários não poderia passar de 25%, não haveria interesse na redução temporária dos salários. Portanto, teria que partir logo para as demissões. E já partiu...
Com relação ao tratamento dado pelo governo aos informais, embora também na direção correta, os R$ 600 distribuídos mensalmente nos próximos meses podem representar algum alívio, mas comparativamente à renda recebida por eles quando em atividade representam apenas uma pequena parcela do que usualmente conseguem obter num período normal.
Segundo a Pnad Contínua do IBGE, no início de 2020, o rendimento médio mensal dos trabalhadores informais era bem mais elevado do que o valor do coronavoucher — R$ 1.481 para os empregados sem carteira do setor privado; R$ 772 para os domésticos sem carteira; R$ 1.360 para os trabalhadores por conta própria sem CNPJ; e R$ 3.620 para os empregadores informais.
Em outras palavras, tirando o caso do emprego doméstico sem carteira, as demais categorias de informais teriam uma grande redução em seus rendimentos mesmo com o auxílio mensal de R$ 600.
Pode-se ainda acrescentar um problema adicional. Parte significativa dos trabalhadores informais não está incluída nos cadastros oficiais, como o Cadastro Único. Conforme destacaram Bartholo, Paiva e Souza, em artigo do Valor de 3 de abril, haverá grandes dificuldades em identificá-los e fazer a renda básica emergencial chegar a eles e suas famílias.
Diferentemente das crises passadas, a situação atual possui uma particularidade. Como a economia está paralisada sem perspectivas de reativação nos próximos meses, o papel do setor informal enquanto “e s p o n j a” fica praticamente inviabilizado. Além dos trabalhadores informais estarem praticamente impedidos de desenvolver suas atividades, os trabalhadores formais que perderem seus empregos terão imensas dificuldades para serem absorvidos pelo setor informal que simplesmente parou de funcionar.
O último dado divulgado pelo IBGE referente a fevereiro deste ano estimou em 12,3 milhões o número de desempregados no país. A eles podem ser acrescentados 4,7 milhões de desalentados (que desistiram de procurar emprego) e 6,5 milhões de pessoas subocupadas por insuficiências de horas trabalhadas. Tais números deverão aumentar nos próximos meses. Em outras palavras, a situação do mercado de trabalho já estava bem complicada antes da atual crise e vai piorar muito. O desemprego deve disparar e superar com folga o pico do início de 2017 quando atingia 13,7 milhões de pessoas. O desalento, que triplicou após 2014, também deve voltar a subir nos próximos meses.
O pessoal do setor formal que tiver que enfrentar a suspensão do contrato ou a redução da jornada de trabalho vai sofrer queda do rendimento em níveis diferenciados dependendo da situação de cada um. Aos desempregados restará o seguro desemprego.
Quanto ao setor informal, vai continuar enfrentando grandes dificuldades e sem capacidade para incorporar as novas pessoas desempregadas. Assim como no setor formal, a consequência imediata é a queda da renda média.
A superação dos atuais problemas do mercado de trabalho e dos trabalhadores informais em particular é extremamente complexa e passa obrigatoriamente pelo aprofundamento e extensão das medidas de enfrentamento da crise. As empresas, especialmente as pequenas e microempresas, estão passando por imensas dificuldades para não fecharem as portas e reduzirem ao máximo as demissões. Nesse sentido, a oferta ampla de crédito, em condições mais favoráveis e em volume provavelmente superior ao anunciado, será fundamental para sua sobrevivência.
Finalmente, com relação às transferências de renda para os trabalhadores informais mais pobres, impossibilitados de gerar sua própria renda a partir de seu trabalho, será uma verdadeira operação de guerra fazer chegar tais recursos aos mais necessitados.
Em grande dificuldade, setor perdeu a capacidade de incorporar novas pessoas desempregadas
João Saboia é professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). email: saboia@ie.ufrj.br
No Brasil, essa imagem faz todo sentido ao olharmos para a evolução do mercado de trabalho a partir da crise de 2015-2016, quando cerca de três milhões de empregos formais simplesmente desapareceram. Ao mesmo tempo em que a parcela de empregados formais se reduzia, o emprego sem carteira e o trabalho por conta própria aumentavam sua participação.
O desemprego disparou no país após 2014, mas poderia ter crescido muito mais se o setor informal não tivesse cumprido seu papel de “esponja”. Dados do IBGE mostram que no início de 2020 o setor informal era formado por 38 milhões de pessoas, sendo 11,6 empregados do setor privado sem carteira, 4,5 milhões de trabalhadores domésticos sem carteira, 19,2 milhões de trabalhadores por conta própria sem CNPJ, 2 milhões de trabalhadores familiares auxiliares e 0,8 milhão de empregadores sem CNPJ. Em outras palavras, o trabalho informal representa cerca de 40% das 94 milhões de pessoas ocupadas no país.
As medidas anunciadas pelo governo após as negociações com o Congresso para minimizar os efeitos da crise do coronavírus sobre a economia e o mercado de trabalho nos parecem ir na direção correta, tanto aquelas voltadas para o setor formal quanto para o informal, mas dificilmente darão conta do tamanho da crise.
No caso do setor formal, a redução da jornada ou a suspensão do contrato de trabalho podem contribuir de alguma forma, mas serão incapazes de evitar demissões em massa. Se os negócios estão parados e as expectativas para o curto prazo são muito desfavoráveis, do ponto de vista do empresariado é melhor despedir logo seu empregado e incorrer nas despesas do desligamento do que adiá-las por algum tempo e ainda ser obrigado a manter o empregado por igual período após o/a desligamento / suspensão.
Conversando com um pequeno empresário do setor de construção sobre como via as medidas do governo, ele me disse que colocaria parte de seu pessoal de férias e, em seguida, teria que despedir pelo menos 20% dos empregados, provavelmente mais. O argumento foi exatamente na linha apontada acima devido à falta de perspectivas de recuperação da economia e do setor de construção em particular. Além disso, como os salários pagos por sua empresa estão na faixa em que a redução dos salários não poderia passar de 25%, não haveria interesse na redução temporária dos salários. Portanto, teria que partir logo para as demissões. E já partiu...
Com relação ao tratamento dado pelo governo aos informais, embora também na direção correta, os R$ 600 distribuídos mensalmente nos próximos meses podem representar algum alívio, mas comparativamente à renda recebida por eles quando em atividade representam apenas uma pequena parcela do que usualmente conseguem obter num período normal.
Segundo a Pnad Contínua do IBGE, no início de 2020, o rendimento médio mensal dos trabalhadores informais era bem mais elevado do que o valor do coronavoucher — R$ 1.481 para os empregados sem carteira do setor privado; R$ 772 para os domésticos sem carteira; R$ 1.360 para os trabalhadores por conta própria sem CNPJ; e R$ 3.620 para os empregadores informais.
Em outras palavras, tirando o caso do emprego doméstico sem carteira, as demais categorias de informais teriam uma grande redução em seus rendimentos mesmo com o auxílio mensal de R$ 600.
Pode-se ainda acrescentar um problema adicional. Parte significativa dos trabalhadores informais não está incluída nos cadastros oficiais, como o Cadastro Único. Conforme destacaram Bartholo, Paiva e Souza, em artigo do Valor de 3 de abril, haverá grandes dificuldades em identificá-los e fazer a renda básica emergencial chegar a eles e suas famílias.
Diferentemente das crises passadas, a situação atual possui uma particularidade. Como a economia está paralisada sem perspectivas de reativação nos próximos meses, o papel do setor informal enquanto “e s p o n j a” fica praticamente inviabilizado. Além dos trabalhadores informais estarem praticamente impedidos de desenvolver suas atividades, os trabalhadores formais que perderem seus empregos terão imensas dificuldades para serem absorvidos pelo setor informal que simplesmente parou de funcionar.
O último dado divulgado pelo IBGE referente a fevereiro deste ano estimou em 12,3 milhões o número de desempregados no país. A eles podem ser acrescentados 4,7 milhões de desalentados (que desistiram de procurar emprego) e 6,5 milhões de pessoas subocupadas por insuficiências de horas trabalhadas. Tais números deverão aumentar nos próximos meses. Em outras palavras, a situação do mercado de trabalho já estava bem complicada antes da atual crise e vai piorar muito. O desemprego deve disparar e superar com folga o pico do início de 2017 quando atingia 13,7 milhões de pessoas. O desalento, que triplicou após 2014, também deve voltar a subir nos próximos meses.
O pessoal do setor formal que tiver que enfrentar a suspensão do contrato ou a redução da jornada de trabalho vai sofrer queda do rendimento em níveis diferenciados dependendo da situação de cada um. Aos desempregados restará o seguro desemprego.
Quanto ao setor informal, vai continuar enfrentando grandes dificuldades e sem capacidade para incorporar as novas pessoas desempregadas. Assim como no setor formal, a consequência imediata é a queda da renda média.
A superação dos atuais problemas do mercado de trabalho e dos trabalhadores informais em particular é extremamente complexa e passa obrigatoriamente pelo aprofundamento e extensão das medidas de enfrentamento da crise. As empresas, especialmente as pequenas e microempresas, estão passando por imensas dificuldades para não fecharem as portas e reduzirem ao máximo as demissões. Nesse sentido, a oferta ampla de crédito, em condições mais favoráveis e em volume provavelmente superior ao anunciado, será fundamental para sua sobrevivência.
Finalmente, com relação às transferências de renda para os trabalhadores informais mais pobres, impossibilitados de gerar sua própria renda a partir de seu trabalho, será uma verdadeira operação de guerra fazer chegar tais recursos aos mais necessitados.
Em grande dificuldade, setor perdeu a capacidade de incorporar novas pessoas desempregadas
João Saboia é professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). email: saboia@ie.ufrj.br
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