Quarta-feira, 22 de Abril de 2020
Por Geoberto Espírito Santo
Combate ao vírus afeta duramente o setor energético.
Em eletricidade, efeito corona é o resultado do contato intenso e elevado de um campo elétrico com partículas de ar, umidade ou poeira, e que emite uma luz sempre que são ionizadas. É comum verificarmos esse efeito nas linhas de transmissão (LTs) e, a depender da polaridade do potencial elétrico, pode ser positivo ou negativo. É visualizado em LTs expostas a chuva e garoas, podendo progressivamente danificar seu isolamento e causar grandes prejuízos com o desligamento repentino. É também conhecido como Fogo de Santelmo, o santo padroeiro dos marinheiros, porque antigamente costumavam observar essas luzes nos mastros dos navios, já que as nuvens induziam cargas elétricas nos mesmos e isso era uma indicação de tempestade.
Mas o efeito agora é o do coronavírus, afetando diretamente a economia e o processo de globalização, e que não deixará ilesos os setores energéticos do Brasil e do mundo. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) já prevê para este ano uma retração em torno de 1,5% no PIB mundial. Cairia de 2% para 1,4% nos EUA, perderia 1,4% na China e limitava em 0,6% o da Europa. No Brasil, os economistas apostam que, dos 2,2% projetados, deverá ficar em -2,96%, segundo o boletim Focus do Banco Central. Os prejuízos no mundo já são enormes: US$ 113 bi no setor aéreo, US$ 7 bi na navegação, US$ 5 bi na indústria do cinema e de US$ 1 bi nos eventos. Para a OCDE, pode chegar a uma redução de 15% nos investimentos diretos, ou seja, um volume perto de US$ 1,4 trilhão que deixará de gerar riqueza.
Crescimento econômico está intimamente ligado ao comportamento da demanda de energia, que o diga o índice elasticidade consumo de energia/renda, impactando o planejamento, o investimento na energia a ser gerada, transportada, contratada por tarifas ou preços, voltando seus reflexos no bolso dos consumidores e no balanço das empresas. Nesse cenário, e sem acordo entre a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e a Rússia (produz barril de óleo a US$ 20) para cortar produção e equilibrar os preços, surgiu o “cisne negro”. A Arábia Saudita, que produz petróleo a US$ 10/barril, passou a vendê-lo em torno de US$ 27, uma ameaça ao óleo e gás natural do pré-sal, pois os custos da Petrobras estão entre US$ 20 e US$ 30 o barril.
O efeito coronavírus na carga de eletricidade em vários países são de queda, já registrada pela consultoria Thymos Energia na comparação de março/2020 em relação a março/2019. Na França (-20,4%); na Itália (-12,3%); no PJM, maior mercado atacadista nos EUA (-9,4%); em Portugal (- 5,4%) e na Espanha (-3,9%). Apenas na Alemanha o registro é positivo em 0,5%. A China, onde parece que tudo começou, não é citada pela inexistência de dados oficiais de consumo de energia elétrica em tempo real.
No caso do Brasil, a consultoria apontou resultados em 4 (quatro) cenários: a) otimista (-1,6%); b) moderado (- 4,4%); c); pessimista (- 8,4%); d) catastrófico (-14,3%).Vale salientar que estudos dessa mesma consultoria, feitos antes do coronavírus, era de um crescimento entre 3% e 4% nesse ano.
Um dos indicadores que pode ser afetado diretamente, e que é de vital importância na modelagem de modernização do setor, é o PLD (Preço de Liquidação de Diferenças), pois depende do ritmo do consumo, da meteorologia e do nível de carga que é estimado pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Já vem registrando o patamar mínimo regulatório de R$ 39,68/ MWh em dois submercados, tendendo a ficar assim nos próximos dois meses.
No que se refere aos impactos do coronavírus no meio ambiente global, são positivos. Segundo estudos do Centro de Pesquisa de Energia e Ar Limpo (Crea), com sede nos EUA, fez com que a China emitisse 25% a menos de dióxido de carbono, quando nas últimas três semanas foram 150 milhões de toneladas métricas de CO2 a menos que no mesmo período no ano passado. Fazendo uma comparação, esse volume equivale a todo o CO2 que a cidade de Nova York emite por ano.
Naquela tese que temos de reduzir drasticamente as emissões de CO2 para salvar o planeta para as próximas gerações, por um lado registramos o avanço quase que exponencial das fontes renováveis em todos os países e, no outro, informações que as emissões de CO2 não baixaram, e até aumentaram, segundo o objetivo de quem dá a notícia. É claro que a frase acima dá uma bela tese a ser desenvolvida e muitos debates em função da visão de cada um em relação aos diferentes ângulos da questão energia x meio ambiente.
Em prisão domiciliar, com tempo para pensar no que se é, no que se tem e no que fazemos na vida, recorro aos livros de James Lovelock: “A Vingança de Gaia” (2006) e “Gaia-Alerta Final” (2009), para nessas linhas simplificar, e talvez até generalizar, uma conclusão. Vale salientar que Gaia é uma deusa da mitologia grega, um nome utilizado como metáfora para a Terra Viva. Lovelock é um pesquisador independente e ambientalista que nasceu em Letchworth Garden City, no Reino Unido, e hoje, com 100 anos de idade, vive na Cornualha, oeste da Inglaterra. Tem outros livros em inglês, que não foram traduzidos para o português, e mais de 200 artigos científicos publicados.
Lovelock sempre trabalhou com uma visão holística da vida e da evolução no planeta. Suas teses, no início, sempre foram muito criticadas, como a de que “organismos vivos modificam seu ambiente inorgânico de maneira favorável à sua sobrevivência, formando um sistema que funciona de maneira semelhante a um único organismo vivo”. O cientista argumenta que a Terra já viveu e conseguiu escapar de fenômenos extremos, como foi o caso das eras glaciais, e coloca sempre a pergunta de como a humanidade pode ajudar a regular os sistemas materiais da Terra.
Deixo para reflexão a questão de uma crise, tipo essa do coronavírus, como uma resposta da própria natureza das coisas na resolução de problemas que o homem não conseguiu resolver. Em resumo, a tese de Lovelock é que, cabe ao homem a sua autopreservação por meio de atitudes urgentes e com humildade diante da potente Gaia.
"Os impactos do coronavírus no meio ambiente são positivos. A China emitiu 25% a menos de CO2, 150 milhões de toneladas métricas a menos que no mesmo período de 2019. Comparando, esse é o volume que a cidade de Nova York emite por ano"
Geoberto Espírito Santo é engenheiro da GES Consultoria, Engenharia e Serviços.
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