Defendo o que está nos protocolos, não sou garoto- propaganda de nada
Elogiado por Bolsonaro por ter declarado que tomou cloroquina contra Covid-19, médico defende conjunto de medicações e estrutura hospitalar
Sábado, 11 de Abril de 2020 - 05:17
Cláudia Collucci
são paulo O cardiologista Roberto Kalil Filho, 60, do Hospital Sírio-Libanês, elogiado pelo presidente Jair Bolsonaro em pronunciamento em rede nacional por ter declarado que usou cloroquina no tratamento da Covid-19, diz que continua defendendo a utilização da droga apenas para pacientes internados, como determina protocolo do Ministério da Saúde.
"Não sou garoto-propaganda de nada, sou garoto -propaganda do que salva vivas", disse ele, reforçando que o seu tratamento envolveu vários medicamentos, entre eles antibiótico, corticoide e anticoagulante, além da boa estrutura hospitalar do Sírio-Libanês.
Em casa e ainda tossindo bastante, Kalil relatou à Folha seu sofrimento durante os dez dias em que esteve internado para tratar a doença. "Era uma dor no corpo que parecia estar arrancando todos os músculos, horrível. Teve um dia que eu pensei em ligar para o David Uip, infectologista] e falar: desisto, tira os remédios, eu não quero mais nada."
Como foi sair da condição de médico e se tomar paciente da Covid-19? Estava bem no fim de semana, tratando vários pacientes naquela minha vida louca de Sírio e lnCor. Na segunda [30] , acordei com um mal-estar que nunca senti na vida, febre, dor no corpo, sem energia. Disse para a minha assistente que queria fazer uma tomografia e o teste para o coronavírus.
Quando fiz a tomografia, foi uma tragédia. Eles me internaram em um segundo. Fui para um quarto, colhi um monte de exames e fui levado para um quarto com telemetria, para ser monitorado. Aí veio a notícia de que eu deveria ir para a unidade semi intensiva porque os exames estavam péssimos.
Me deram de tudo. De cara, tomei cloroquina, antibiótico e corticoide na veia e anticoagulante porque eu tinha fatores no sangue de mau prognóstico em relação à trombose, além do oxigênio. No fim do dia, o chefe da semi-intensiva me perguntou: "Kalil, se você for intubado, você quer ir para qual UTI?" Aí eu me assustei.
Às 4h da manhã, ele passou de novo no quarto e disse que as medicações estavam fazendo efeito e que a oxigenação tinha melhorado. Escapei da UTI e de intubar.
O sr. declarou nesta semana que fez uso da cloroquina. Na verdade, foi um conjunto de terapias. Por que a cloroquina tem estado no centro das atenções? Eu sempre falei: não é usar só cloroquina, tem de usar cloroquina com antibióticos, em alguns casos com corticoides, como foi o meu caso porque o meu pulmão estava muito inflamado, e anticoagulante. Não dá para saber o que fez mais efeito ou se foi o conjunto.
Ao ser elogiado pelo presidente Bolsonaro, o sr. foi alçado praticamente a garoto-propaganda da cloroquina... Eu não sou garoto-propaganda de nada. Eu sou garoto-propaganda do que salva vidas. Na quarta, tive alta e a Jovem Pan me entrevistou, perguntaram se eu tinha usado cloroquina. Aí eu falei o que eu acho mesmo: eu tomei, usando protocolos do hospital, e o próprio Ministério da Saúde recomenda para os pacientes internados, sob monitoramento.
Se daqui a seis meses sair um estudo mostrando que a cloroquina não funciona, parabéns, fizemos o que tinha que fazer. Se daqui a seis meses sair um estudo mostrando que a cloroquina é eficaz, e os doentes que deixamos de dar? E se morreram? É mais um remédio, um conjunto de remédios que deve ser usado.
Não só remédios. A estrutura hospitalar faz muita diferença também, certo? Sim, sem dúvida. A taxa de mortalidade do Sírio e do Einstein é baixíssima. Eu cai nos 5% da gravidade da doença. E nesses 5% precisa ter suporte, senão você complica, não tem jeito. Com suporte, você escapa. Se não tem suporte, você não escapa.
É uma doença muito grave, que evolui muito rapidamente. Você se interna com uma pneumonia boba e em 24 horas você está na UTI. Tenho muita preocupação com o setor público. Muitas pessoas não vão conseguir nem chegar ao hospital, vão morrer em casa. Pode não dar tempo para socorrer as pessoas mais carentes, que vivem nas comunidades.
Eu temo que aconteça o que aconteceu na Itália. Vai no asilo e tem um monte de velhinhos mortos. Vai numa comunidade e as pessoas quase morrendo em casa. O Brasil parece estar mais bem preparado. Os protocolos dos hospitais públicos são os mesmos que dos privados.
O sr. defende que a cloroquina seja liberada também para casos leves? Eu defendo o que está nos protocolos. Pacientes internados têm que tomar cloroquina. E cloroquina dentro de um contexto. Nos casos de pneumonia, tomar também corticoides, anti-inflamatórios, se precisar, anti- coagulantes. Eu estou tomando anticoagulante até agora. O risco de trombose é grande mesmo depois da alta.
É uma gama de remédios que precisa ser oferecida. Você não sabe o que salvou a pessoa. Para mim, é um conjunto. Se eu não tivesse tomado cloroquina, corticoide e antiacoagulante, talvez não estivesse mais aqui. Estão sendo feitos estudos sobre dar cloroquina em casa. Ainda é preciso a ciência provar [que funciona].
Eu adoraria que a cloroquina fizesse efeito em casa para casos leves porque evita de o cara internar. É um remédio usado há milênios para artrite reumatoide, lúpus. As pessoas tomam em casa e não têm efeitos colaterais importantes.
O debate da cloroquina saiu do campo da ciência e da saúde está totalmente politizado. O que sr. pensa sobre isso? As pessoas têm que entender que esse é o momento de pensar em união e cura. As pessoas estão morrendo. Quando sair um antiviral, uma vacina, acabou o problema. Mas, até lá, precisaremos ter suporte hospitalar e uma gama de remédio. Sou a favor da cloroquina desde o começo. Eu rezo, torço para que esse coquetel de remédios, a cloroquina inclusive, funcione.
Ser elogiado publicamente pelo presidente causou algum constrangimento? De forma alguma. Tudo o que ele reproduziu foi o que conversei com ele. Eu não conheço o presidente pessoalmente. Eu recebi uma ligação dele e ele disse que queria me ouvir e me parabenizar pela coragem de assumir que tinha tomado a cloroquina. Eu disse: presidente, eu não fiz nada mais do que a minha obrigação. Eu tomei o remédio entre outros remédios, a equipe médica prescreve dentro das normas autorizadas. Que não tem grandes estudos com evidência não tem mesmo. Assim como não tem para o corticoide que eu usei. Aliás, era uma coisa bem questionável.
Alguma crítica entre os colegas? De jeito de nenhum, só elogios. Críticas por quê? Porque eu tomei o remédio, porque eu me abri? Muitos elogiaram apostura de eu ter falado sobre a minha doença. Não foi fácil, especialmente quando você está muito doente.
E como está sendo a recuperação? Comecei a melhorar depois de dois, três dias de internação. Até então era uma dor no corpo que parecia que estava arrancando todos os músculos, horrível. Teve um dia que eu pensei em ligar para o David Uip, infectologista] e falar: eu desisto, tiramos remédios, eu não quero mais nada. Bateu um desespero com tanta dor e mal-estar. Não conseguia comer, emagreci sete quilos em dez dias.
O sr. teve medo de morrer? Não tive medo de morrer, mas tive medo do sofrimento. Não queria sofrer mais. Cheguei a pensar que era melhor morrer do que passar por isso. Isso passou pela minha cabeça duas noites seguidas.
O sr. tem fama de ser bem linha dura, mandão. Conseguiu se comportar como paciente? Todos me elogiaram, fui um cordeiro. Eu estava muito mal. Você vira um coelhinho da Páscoa sem rabo e sem dente. Não tem macho, não. Já sofri muito com cálculo renal em 2010, coloquei stent dois anos atrás. Mas cálculo renal é água com açúcar perto dessa dor, colocar stent é brincadeira de criança.
Qual foi maior lição disso tudo? Nós não somos nada. Você passa um fim de semana trabalhando feito um leão, no dia seguinte você está como um ratinho desbotado no quarto de um hospital. Num piscar de olhos, a gente vira pó. Acho que saio dessa mais paciente, mais resiliente.
Eu sempre falei: não é usar só cloroquina, tem de usar cloroquina com antibióticos, em alguns casos com corticoides, como foi o meu caso porque o meu pulmão estava muito inflamado, e anticoagulante. Não dá para saber o que fez mais efeito ou se foi o conjunto É uma doença muito grave, que evolui muito rapidamente. Você se interna com uma pneumonia boba e em 24 horas você está na UTI. Tenho muita preocupação com o setor público. Muitas pessoas não vão conseguir nem chegar ao hospital, vão morrer em casa Médico atendeu ex-presidentes Lula, Dilma, Temer, Collor e Sarney são paulo Com fama de durão nas equipes com as quais trabalha, o médico Roberto Kalil Filho se orgulha de ser direto e rigoroso até mesmo com pacientes que não costumam receber ordens ou ser contrariados. O "médico dos presidentes" costuma dizer que essa é uma das características que fizeram tantos políticos confiarem os cuidados de sua saúde a ele.
Cardiologista do Hospital Sírio-Libanês e diretor do Instituto do Coração (Incor), Kalil é médico dos ex-presidentes Michel Temer (MDB), Dilma Rousseff (PT), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Fernando Collor (PROS) e José Sarney (MDB).
Mas foi parar em um pronunciamento nacional por causa do presidente que não é seu paciente. Na noite de quarta (8), Jair Bolsonaro parabenizou Kalil por ter dito publicamente que usou a hidroxicloro quina no tratamento da Covid-19.
Kalil disse à Folha que a menção foi uma "surpresa". Em 2018, quando levou uma facada durante a campanha eleitoral, Bolsonaro rejeitou o atendimento de Kalil, a quem seus filhos se referiam como o "médico de estrelas e de petistas".
Kalil nunca escondeu o apreço pela proximidade com os principais nomes da política. Em 2017, por exemplo, seu casamento com a médica endocrinologista Claudia Cozer reuniu dezenas de políticos de vários partidos. Fernando Haddad (PT) assistiu à cerimônia sentado ao lado de Geraldo Alckmin (PSDB).
De família paulistana influente, Kalil cresceu em uma casa com visitas frequentes de nomes como o do ex-presidente João Baptista Figueiredo e Paulo Maluf. À Folha, em 2011, Kalil contou que a convivência com políticos intensificou nos anos 1980, quando se tornou assistente do tio, o cardiologista Fúlvio Pileggi, um dos veteranos da especialidade médica no país e que foi responsável pelo Incor por mais de 15 anos.
Passou a atender Lulano início dos anos 1990 por intermédio do advogado Roberto Teixeira, compadre do petista. "Kalil, você é malufista, não é? Quer atender o Lida?", teria perguntado. "Não sou malufista nem petista, mas atendo, sim", respondeu o médico.
À Folha médicos do Sírio Libanês e do Incor contaram que o perfil "durão e mandão" de Kalil o aproximou de muitos de seus pacientes. Um episódio que o médico gosta de relembrar aos colegas é de ter convencido Lida a não viajar para a Suíça, em 2010, onde iria para o Fórum Econômico Mundial de Davos. O ex-presidente estava com uma crise de hipertensão.
Para os colegas, aboa relação de Kalil com políticos e empresários também colaborou para resgatar o Incor. O instituto por mais de uma década acumulou dívidas com fornecedores e bancos, que chegaram a quase R$ 500 milhões, mas conseguiu em 2017, sob a presidência de Kalil, quitar os débitos.
Kalil também tem na lista de pacientes nomes como o de Roberto Carlos e Gilberto Gil. Depois de uma internação, o cantor baiano compôs uma música para ele, batizada com seu sobrenome.
"Não sou garoto-propaganda de nada, sou garoto -propaganda do que salva vivas", disse ele, reforçando que o seu tratamento envolveu vários medicamentos, entre eles antibiótico, corticoide e anticoagulante, além da boa estrutura hospitalar do Sírio-Libanês.
Em casa e ainda tossindo bastante, Kalil relatou à Folha seu sofrimento durante os dez dias em que esteve internado para tratar a doença. "Era uma dor no corpo que parecia estar arrancando todos os músculos, horrível. Teve um dia que eu pensei em ligar para o David Uip, infectologista] e falar: desisto, tira os remédios, eu não quero mais nada."
Como foi sair da condição de médico e se tomar paciente da Covid-19? Estava bem no fim de semana, tratando vários pacientes naquela minha vida louca de Sírio e lnCor. Na segunda [30] , acordei com um mal-estar que nunca senti na vida, febre, dor no corpo, sem energia. Disse para a minha assistente que queria fazer uma tomografia e o teste para o coronavírus.
Quando fiz a tomografia, foi uma tragédia. Eles me internaram em um segundo. Fui para um quarto, colhi um monte de exames e fui levado para um quarto com telemetria, para ser monitorado. Aí veio a notícia de que eu deveria ir para a unidade semi intensiva porque os exames estavam péssimos.
Me deram de tudo. De cara, tomei cloroquina, antibiótico e corticoide na veia e anticoagulante porque eu tinha fatores no sangue de mau prognóstico em relação à trombose, além do oxigênio. No fim do dia, o chefe da semi-intensiva me perguntou: "Kalil, se você for intubado, você quer ir para qual UTI?" Aí eu me assustei.
Às 4h da manhã, ele passou de novo no quarto e disse que as medicações estavam fazendo efeito e que a oxigenação tinha melhorado. Escapei da UTI e de intubar.
O sr. declarou nesta semana que fez uso da cloroquina. Na verdade, foi um conjunto de terapias. Por que a cloroquina tem estado no centro das atenções? Eu sempre falei: não é usar só cloroquina, tem de usar cloroquina com antibióticos, em alguns casos com corticoides, como foi o meu caso porque o meu pulmão estava muito inflamado, e anticoagulante. Não dá para saber o que fez mais efeito ou se foi o conjunto.
Ao ser elogiado pelo presidente Bolsonaro, o sr. foi alçado praticamente a garoto-propaganda da cloroquina... Eu não sou garoto-propaganda de nada. Eu sou garoto-propaganda do que salva vidas. Na quarta, tive alta e a Jovem Pan me entrevistou, perguntaram se eu tinha usado cloroquina. Aí eu falei o que eu acho mesmo: eu tomei, usando protocolos do hospital, e o próprio Ministério da Saúde recomenda para os pacientes internados, sob monitoramento.
Se daqui a seis meses sair um estudo mostrando que a cloroquina não funciona, parabéns, fizemos o que tinha que fazer. Se daqui a seis meses sair um estudo mostrando que a cloroquina é eficaz, e os doentes que deixamos de dar? E se morreram? É mais um remédio, um conjunto de remédios que deve ser usado.
Não só remédios. A estrutura hospitalar faz muita diferença também, certo? Sim, sem dúvida. A taxa de mortalidade do Sírio e do Einstein é baixíssima. Eu cai nos 5% da gravidade da doença. E nesses 5% precisa ter suporte, senão você complica, não tem jeito. Com suporte, você escapa. Se não tem suporte, você não escapa.
É uma doença muito grave, que evolui muito rapidamente. Você se interna com uma pneumonia boba e em 24 horas você está na UTI. Tenho muita preocupação com o setor público. Muitas pessoas não vão conseguir nem chegar ao hospital, vão morrer em casa. Pode não dar tempo para socorrer as pessoas mais carentes, que vivem nas comunidades.
Eu temo que aconteça o que aconteceu na Itália. Vai no asilo e tem um monte de velhinhos mortos. Vai numa comunidade e as pessoas quase morrendo em casa. O Brasil parece estar mais bem preparado. Os protocolos dos hospitais públicos são os mesmos que dos privados.
O sr. defende que a cloroquina seja liberada também para casos leves? Eu defendo o que está nos protocolos. Pacientes internados têm que tomar cloroquina. E cloroquina dentro de um contexto. Nos casos de pneumonia, tomar também corticoides, anti-inflamatórios, se precisar, anti- coagulantes. Eu estou tomando anticoagulante até agora. O risco de trombose é grande mesmo depois da alta.
É uma gama de remédios que precisa ser oferecida. Você não sabe o que salvou a pessoa. Para mim, é um conjunto. Se eu não tivesse tomado cloroquina, corticoide e antiacoagulante, talvez não estivesse mais aqui. Estão sendo feitos estudos sobre dar cloroquina em casa. Ainda é preciso a ciência provar [que funciona].
Eu adoraria que a cloroquina fizesse efeito em casa para casos leves porque evita de o cara internar. É um remédio usado há milênios para artrite reumatoide, lúpus. As pessoas tomam em casa e não têm efeitos colaterais importantes.
O debate da cloroquina saiu do campo da ciência e da saúde está totalmente politizado. O que sr. pensa sobre isso? As pessoas têm que entender que esse é o momento de pensar em união e cura. As pessoas estão morrendo. Quando sair um antiviral, uma vacina, acabou o problema. Mas, até lá, precisaremos ter suporte hospitalar e uma gama de remédio. Sou a favor da cloroquina desde o começo. Eu rezo, torço para que esse coquetel de remédios, a cloroquina inclusive, funcione.
Ser elogiado publicamente pelo presidente causou algum constrangimento? De forma alguma. Tudo o que ele reproduziu foi o que conversei com ele. Eu não conheço o presidente pessoalmente. Eu recebi uma ligação dele e ele disse que queria me ouvir e me parabenizar pela coragem de assumir que tinha tomado a cloroquina. Eu disse: presidente, eu não fiz nada mais do que a minha obrigação. Eu tomei o remédio entre outros remédios, a equipe médica prescreve dentro das normas autorizadas. Que não tem grandes estudos com evidência não tem mesmo. Assim como não tem para o corticoide que eu usei. Aliás, era uma coisa bem questionável.
Alguma crítica entre os colegas? De jeito de nenhum, só elogios. Críticas por quê? Porque eu tomei o remédio, porque eu me abri? Muitos elogiaram apostura de eu ter falado sobre a minha doença. Não foi fácil, especialmente quando você está muito doente.
E como está sendo a recuperação? Comecei a melhorar depois de dois, três dias de internação. Até então era uma dor no corpo que parecia que estava arrancando todos os músculos, horrível. Teve um dia que eu pensei em ligar para o David Uip, infectologista] e falar: eu desisto, tiramos remédios, eu não quero mais nada. Bateu um desespero com tanta dor e mal-estar. Não conseguia comer, emagreci sete quilos em dez dias.
O sr. teve medo de morrer? Não tive medo de morrer, mas tive medo do sofrimento. Não queria sofrer mais. Cheguei a pensar que era melhor morrer do que passar por isso. Isso passou pela minha cabeça duas noites seguidas.
O sr. tem fama de ser bem linha dura, mandão. Conseguiu se comportar como paciente? Todos me elogiaram, fui um cordeiro. Eu estava muito mal. Você vira um coelhinho da Páscoa sem rabo e sem dente. Não tem macho, não. Já sofri muito com cálculo renal em 2010, coloquei stent dois anos atrás. Mas cálculo renal é água com açúcar perto dessa dor, colocar stent é brincadeira de criança.
Qual foi maior lição disso tudo? Nós não somos nada. Você passa um fim de semana trabalhando feito um leão, no dia seguinte você está como um ratinho desbotado no quarto de um hospital. Num piscar de olhos, a gente vira pó. Acho que saio dessa mais paciente, mais resiliente.
Eu sempre falei: não é usar só cloroquina, tem de usar cloroquina com antibióticos, em alguns casos com corticoides, como foi o meu caso porque o meu pulmão estava muito inflamado, e anticoagulante. Não dá para saber o que fez mais efeito ou se foi o conjunto É uma doença muito grave, que evolui muito rapidamente. Você se interna com uma pneumonia boba e em 24 horas você está na UTI. Tenho muita preocupação com o setor público. Muitas pessoas não vão conseguir nem chegar ao hospital, vão morrer em casa Médico atendeu ex-presidentes Lula, Dilma, Temer, Collor e Sarney são paulo Com fama de durão nas equipes com as quais trabalha, o médico Roberto Kalil Filho se orgulha de ser direto e rigoroso até mesmo com pacientes que não costumam receber ordens ou ser contrariados. O "médico dos presidentes" costuma dizer que essa é uma das características que fizeram tantos políticos confiarem os cuidados de sua saúde a ele.
Cardiologista do Hospital Sírio-Libanês e diretor do Instituto do Coração (Incor), Kalil é médico dos ex-presidentes Michel Temer (MDB), Dilma Rousseff (PT), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Fernando Collor (PROS) e José Sarney (MDB).
Mas foi parar em um pronunciamento nacional por causa do presidente que não é seu paciente. Na noite de quarta (8), Jair Bolsonaro parabenizou Kalil por ter dito publicamente que usou a hidroxicloro quina no tratamento da Covid-19.
Kalil disse à Folha que a menção foi uma "surpresa". Em 2018, quando levou uma facada durante a campanha eleitoral, Bolsonaro rejeitou o atendimento de Kalil, a quem seus filhos se referiam como o "médico de estrelas e de petistas".
Kalil nunca escondeu o apreço pela proximidade com os principais nomes da política. Em 2017, por exemplo, seu casamento com a médica endocrinologista Claudia Cozer reuniu dezenas de políticos de vários partidos. Fernando Haddad (PT) assistiu à cerimônia sentado ao lado de Geraldo Alckmin (PSDB).
De família paulistana influente, Kalil cresceu em uma casa com visitas frequentes de nomes como o do ex-presidente João Baptista Figueiredo e Paulo Maluf. À Folha, em 2011, Kalil contou que a convivência com políticos intensificou nos anos 1980, quando se tornou assistente do tio, o cardiologista Fúlvio Pileggi, um dos veteranos da especialidade médica no país e que foi responsável pelo Incor por mais de 15 anos.
Passou a atender Lulano início dos anos 1990 por intermédio do advogado Roberto Teixeira, compadre do petista. "Kalil, você é malufista, não é? Quer atender o Lida?", teria perguntado. "Não sou malufista nem petista, mas atendo, sim", respondeu o médico.
À Folha médicos do Sírio Libanês e do Incor contaram que o perfil "durão e mandão" de Kalil o aproximou de muitos de seus pacientes. Um episódio que o médico gosta de relembrar aos colegas é de ter convencido Lida a não viajar para a Suíça, em 2010, onde iria para o Fórum Econômico Mundial de Davos. O ex-presidente estava com uma crise de hipertensão.
Para os colegas, aboa relação de Kalil com políticos e empresários também colaborou para resgatar o Incor. O instituto por mais de uma década acumulou dívidas com fornecedores e bancos, que chegaram a quase R$ 500 milhões, mas conseguiu em 2017, sob a presidência de Kalil, quitar os débitos.
Kalil também tem na lista de pacientes nomes como o de Roberto Carlos e Gilberto Gil. Depois de uma internação, o cantor baiano compôs uma música para ele, batizada com seu sobrenome.
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