Segunda-feira, 17 de Junho de 2019 - 05:15
Valor Econômico | Brasil
Alex Ribeiro
O Banco Central explora novas fronteiras na comunicação de política monetária. Uma das áreas de estudo é o uso de inteligência artificial para aperfeiçoar o conteúdo e reduzir ruídos dos comunicados do Comitê de Política Monetária (Copom). Na área de transparência, uma das possibilidades é a transmissão na internet das reuniões feitas pelo BC com o mercado.
Essas iniciativas foram relatadas ao Valor pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em entrevista concedida há duas semanas. São algumas das ideias cogitadas dentro da agenda BC, que reúne reformas para ampliar a eficiência e produtividade.
Em maio, Campos havia pedido a ex-presidentes do BC sugestões para melhorar a comunicação de política monetária, em debate no Seminário Anual de Metas de Inflação. A questão levantou especulações de que o BC poderia abrir mais informações ao mercado, como parâmetros utilizados nos seus modelos de projeção de inflação. No Canadá, por exemplo, o BC divulga estimativas do grau de ociosidade da economia e da taxa de juros neutra. Em países nórdicos, bancos centrais fornecem suas estimativas para a trajetória futura da taxa de juros. Ao Valor Campos explicou que esses temas não estão em consideração.
“Estamos pensando, internamente, se existiriam instrumentos, usando tecnologia, que poderiam nos guiar melhor na comunicação”, disse ele. “Estamos fazendo um trabalho com ‘machine learning’, de colocar as palavras e ver os seus efeitos.”
Desde a crise financeira de 2008, quando os juros foram cortados para perto de zero nas economias desenvolvidas, os bancos centrais passaram a usar a comunicação de forma mais intensa para influenciar os mercados e estabilizar as economias. Essa massa de palavras é matéria-prima para algoritmos que fazem análise textual e resumem, com um índice muito simples, se o banco central está com uma postura mais “dovish” (inclinada a baixar os juros), “hawkish” (inclinado a subir) ou neutra. Nos Estados Unidos, o Prattle Fed Index procura medir a inclinação para os juros dos pronunciamentos do BC local, o Federal Reserve (Fed).
O uso de máquinas, em tese, poderia eliminar ruídos de comunicação. Em maio de 2018, por exemplo, o então presidente do BC, Ilan Goldfajn, procurou dar uma mensagem neutra em uma entrevista à TV às vésperas de uma reunião do Copom. Os analistas econômicos, salvo algumas exceções, entenderam que a mensagem era “dovish”. Quando o BC decidiu não cortar os juros da forma esperada, houve forte volatilidade no mercado.
Desencontros na comunicação entre humanos ocorrem por várias razões. Pode ser um problema no emissor da mensagem — é o que muitos no mercado acreditam que ocorreu com Ilan em 2018. Muitas vezes, porém, o receptor da mensagem entende mal porque deixa de pesar adequadamente determinadas palavras que não estão de acordo com suas crenças e expectativas. Também ocorrem ruídos quando a comunicação é feita com os mercados abertos e decisões de investimentos são tomadas em frações de segundo. Nessas circunstâncias, o risco é extrair sinais de política monetária a partir de palavras-chaves, que se mostram equivocados com a leitura completa do texto. Com a inteligência artificial, teoricamente, não há esse problema — as máquinas leem tudo e cospem em segundos um número que indica a inclinação do BC para os juros.
Mas as máquinas são mesmo eficientes? Na qualidade de pesquisadora do Federal Reserve (Fed, o BC americano) regional de San Francisco, a economista Fernanda Nechio, indicada pelo governo para compor a diretoria colegiada do BC brasileiro, fez um interessante estudo sobre o tema. Ela comparou o Prattle Fed Index dos discursos dos membros desse colegiado com as projeções de longo prazo do Fed para os juros — e encontrou uma forte correlação entre eles. Em tese, as máquinas devem ser ainda mais bem acuradas se elas próprias ajudarem os BCs a escolherem as palavras certas.
Outro debate dentro do BC, segundo Campos, é sobre transmitir as reuniões feitas com representantes do mercado. No passado, havia muito ruído provocado por boatos de que um ou outro analista ou operador havia ouvido um recado importante em reuniões no BC. Esses rumores diminuíram muito depois que o BC passou a divulgar quem é recebido em audiências. Agora, a autoridade monetária está fazendo uma avaliação jurídica para saber se poderá transmitir as reuniões. “Sempre nos pautamos pelo princípio do ‘information for all’, o que significa todos terão a mesma informação ao mesmo tempo”, disse Campos.
Reuniões com o mercado poderão ser transmitidas
Para temperar as apostas na retomada dos cortes da taxa básica e juros, o BC vem lembrando que, a despeito do fraco ritmo de expansão da economia, as expectativas de inflação não caíram. Na sexta-feira, foi divulgado mais um dado decepcionante: o Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) caiu 0,47%, ampliando o risco de uma recessão técnica. Enquanto isso, as projeções de inflação dos analistas econômicos para 2020 seguem em 4%. Por que não cedem?
A questão deve ser reformulada: as expectativas de inflação deveriam cair? Em 4%, elas seguem ancoradas na meta definida para o ano. Em um regime de metas de inflação, quando o BC tem credibilidade, deve acontecer exatamente isso. Nessas circunstâncias, os formadores de preços confiam que o Banco Central vai fazer o necessário para cumprir a meta.
Isso ajuda a entender por que o mercado, de forma majoritária, já prevê o corte na taxa básica de juros depois que houver maior segurança na aprovação da reforma da Previdência, segundo levantamento feito pelo Valor Data com 63 departamentos econômicos do setor privado.
Se essa diferença entre a visão e as sinalizações conservadoras do BC perdurar por muito tempo, aí sim haveria uma queda nas projeções de inflação abaixo da meta de 2020. Nesse caso, a autoridade monetária teria falhado em ancorar as expectativas. Por isso, é de se esperar mudanças na sinalização mais conservadora do Banco Central ou no otimismo do mercado.
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