quinta-feira, 28 de abril de 2022

Baixa produtividade também é fruto da cultura empresarial (Décio Oddone, Broadcast Energia)

Décio Oddone: A baixa produtividade também é fruto da cultura empresarial


A economia nacional convive com o chamado custo Brasil: a inflação mais elevada, a volatilidade do câmbio, a alta carga tributária, a complexa estrutura das regras trabalhistas e fiscais, a demora nos processos regulatórios e de licenciamento, a dificuldade em contratar funcionários com o adequado grau de escolaridade, conhecimento e experiência. São problemas objetivos que afetam a produtividade, sobre os quais os gestores das empresas não têm influência direta. Essas questões são muito conhecidas e debatidas, mas soluções definitivas parecem distantes. As responsabilidades pelas ações de melhoria recaem sobre os ombros dos governantes.


No entanto, os baixos ganhos de produtividade que experimentamos nas últimas décadas não são fruto apenas de questões estruturais, que dependem de decisões políticas. Existem aspectos menos discutidos da nossa realidade e cultura corporativa que podem ser influenciados pela atuação de líderes empresariais. Um bom exemplo são questões comportamentais, como a valorização das estruturas organizacionais pesadas e do status e o gosto por normas e regras complexas.


Muitos gestores apreciam organogramas vistosos, com excesso de subordinados, como se o poder de um gerente dependesse do tamanho do grupo que administra. Outros buscam a independência dentro da empresa e tentam criar a sua própria equipe de apoio. Não importa se replicando posições que já existem na companhia, aumentando os custos e diminuindo a eficiência e a produtividade da própria organização.


O excesso de assessores, seguranças, secretárias, carros e motoristas e o abuso na utilização de cartões de crédito empresariais e de viagens em aviões privados são usados como demonstrações de poder. Representam os chamados "agency costs", ou custos do agente, mencionados na literatura especializada, presentes no mundo todo, mas particularmente valorizados por alguns aqui. Resultam em gastos que executivos não assumiriam na conta pessoal, mas lutam para conquistar, ou facilmente aprovam, quando a despesa é corporativa.


O maior problema, possivelmente, na regulação e nas empresas, talvez seja os padrões técnicos demasiadamente exigentes e as normas e regras complexas e custosas. Enquanto outras culturas valorizam a simplicidade, no âmbito público e privado, optamos por soluções complicadas, mesmo para problemas básicos. Valorizamos a adoção e a multiplicação de padrões e limitações. Chegamos até a combinar, em algumas regulações, restrições adotadas em diferentes países.


Normas de engenharia, de segurança e de operação são mais numerosas, sofisticadas e conservadoras que as aplicadas em culturas de viés mais pragmático. Não faltam exemplos de regras que impedem o uso no Brasil de equipamentos e técnicas aceitos em países mais desenvolvidos. A desnecessária busca da excelência em atividades operacionais acaba prejudicando o alcance da eficiência. A excelência é fundamental em campos como a pesquisa, a saúde e a educação, não em atividades operacionais ou industriais, em que a melhoria da competitividade deve ser o alvo. Tudo isso produz aumentos de custos, que muitas vezes são percebidos erroneamente como melhorias.


Padrões, normas, regras e limitações são necessários, especialmente em atividades complexas, mas devem ser simples. Não devem inibir boas iniciativas, nem impedir que as equipes trabalhem com agilidade e flexibilidade. O mesmo gosto pela complexidade se percebe na construção e manutenção de instalações produtivas. Basta visitar plantas industriais no Brasil e nos Estados Unidos ou na Alemanha, por exemplo, para perceber a diferença. Onde colocamos asfalto encontramos cascalhos. Em lugar dos jardins que vemos em muitas instalações aqui encontramos grama ou terra nua por lá. Essas práticas aumentam os custos de execução de investimentos e de manutenção de ativos.


Também há os que resistem em aplicar a meritocracia e a responsabilização por resultados. Que preferem exaltar o igualitarismo e têm dificuldade em reconhecer e valorizar o mérito e o desempenho individual, preferindo assumir que a contribuição de todos para o alcance de resultados positivos é sempre a mesma, ou em estabelecer metas de rentabilidade e premiações por resultados. Que acham mais simples definir objetivos ligados a parâmetros operacionais. E que, na comunicação com a força de trabalho, evitam mencionar rentabilidade e retorno sobre o capital empregado, como se buscar gerar valor fosse pecado. Gostam de falar em crescimento, sustentabilidade, inovação, criatividade, busca da excelência, reinvestimento dos lucros. Mas não explicitam que, sem eficiência, rentabilidade e sustentabilidade financeira, uma companhia, mesmo estatal, não pode crescer, ser criativa, inovadora, sustentável. Sem sucesso econômico-financeiro, uma empresa não cria, nem inova. Não será ambiental nem socialmente responsável. Acaba fechando e eliminando empregos, ou repassando os custos para o contribuinte, quando é controlada pelo Estado.


Nesses tempos do politicamente correto e da preocupação com os aspectos ESG (meio ambiente, social e governança) dos negócios, pode parecer inadequado expressar alguns desses conceitos. Só pode parecer. Algumas das empresas mais bem sucedidas do Brasil aplicam ideias alinhadas com as apresentadas aqui. Não surpreende que a valorização da simplicidade, o corte de custos e a eficiência tragam bons resultados. O que falta para que outras companhias sigam o mesmo caminho? Os exemplos estão aí e são conhecidos. Não basta reclamar e lutar para que o ambiente econômico melhore, que a regulação e as normas de responsabilidade do poder público sejam simplificadas e que os trâmites burocráticos sejam agilizados. Executivos que não encontrarem coragem para enfrentar o corporativismo e o excesso de complexidade incrustrados nas suas próprias organizações terão que conviver com contínuos aumentos de custo e redução da competitividade. Não terão bons resultados para mostrar. E não poderão dizer que a culpa é só do ambiente político e econômico.


*Décio Fabrício Oddone da Costa é CEO da Enauta S.A. Escreve mensalmente para o Broadcast Energia. Este artigo representa exclusivamente a visão do autor.


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