- Vou morar num
barco.
Ainda bem que eu
estava sentada. Pensei: “Essa garota é maluca”. E logo: “Que inveja”.
Tenho zero vontade de
morar num barco. Minha inveja foi do desapego e da facilidade com que ela escreve capítulos surpreendentes
da sua biografia. “Tenho coisas demais, Martha. Livros demais, roupas demais,
móveis demais. Está na hora de viver com menos para poder redefinir o
significado de espaço, tempo, silêncio”. O gatilho da nossa conversa foi o documentário Minimalism (disponível no
Netflix), que escancara a estupidez do consumo compulsivo, como se ele pudesse
preencher nosso vazio. Vazio se preenche com arte, amor, amigos e uma cabeça
boa. Consumir feito loucos só produz dívidas e ansiedade.
Temos perdido tempo, nas redes sociais, criticando o bandido
dos outros e defendendo o nosso, sem refletir que o caos político e social tem
a mesma fonte: nossa relação doentia com o dinheiro. A ideia de “poder” deveria
estar associada à gestão do ócio, às relações afetivas, ao contato com a
natureza e à eficiência em manter um cotidiano íntegro, produtivo e confortável
(nada contra o conforto), no entanto, “poder” hoje é sinônimo de hierarquia,
acúmulo de bens, ostentação e lucratividade non-stop. É por isso que, para
tantas pessoas, é natural incorporar benefícios imorais ao salário, ganhar
agrados de empreiteiras e fazer alianças com pessoas sem afinidades, mas que um
dia poderão vir a ser úteis.
A sociedade não se dá conta do grau de frustração que ela
mesma produz e continua cedendo a impulsos. Uma vez, eu estava na National
Portrait Gallery, em Londres, quando, na saída, passei pela loja do museu e
percebi, ao lado do caixa, um aquário cheio de latinhas de metal à venda, pouco
maiores que uma moeda. Era manteiga de cacau no sabor “chocolate & mint”.
Sem hesitar, comprei uma latinha e trouxe-a comigo para o Brasil: hoje ela
reside na bancada do banheiro, intocada, para me lembrar de como se pode ser
idiota – eu estava dentro de um dos maiores museus do mundo e mesmo assim
fiquei tentada a comprar a primeira besteira que vi. O exemplo é bobo, mas
ilustrativo de como certos gritos ecoam dentro de nós 24 horas: Compre! Leve!
Aproveite! Você nunca mais será o mesmo depois de usar a triunfante manteiga de
cacau da National Gallery!
O único excesso que preciso é de consciência para não me
deixar abduzir por essa forma equivocada de dar sentido à vida.
https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/martha-medeiros/noticia/2018/02/minimalismo-cjdovgcax01wo01n3j9k7dt16.html
@filosofia
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