Quinta-feira, 21 de Fevereiro de 2019 - 05:40
Valor Econômico | Finanças
Gabriel Wildau e Yizhen Jia
Pobres dos bancos estatais chineses, que estão sempre
tentando obedecer as instruções dos formuladores de políticas de Pequim, que
estão sempre mudando.
Durante anos, os bancos preferiram emprestar para as grandes
empresas estatais — por causa da garantia implícita do governo que essas
dívidas tradicionalmente carregam, e porque as estatais eram vistas como
campeãs nacionais que mereciam apoio.
Mas agora, o “script” está mudando, conforme a economia
perde força. Muitos investidores estrangeiros estão concentrados no impacto da
disputa comercial com os EUA, mas o efeito de uma sanção severa ao setor
bancário paralelo (“shadow banking”, em inglês) — que fechou o acesso ao
crédito para empresas privadas que dependiam de canais não bancários —
provavelmente é mais importante. As empresas privadas geram 60% do crescimento
econômico da China e 90% dos novos empregos, segundo uma associação setorial
que as representa.
É por isso que o governo chinês emitiu na semana passada
diretrizes exortando os bancos, entre outros intermediários, a preencherem esse
vácuo para aumentar o apoio às empresas privadas. Mesmo assim, não se sabe se o
convencimento moral sozinho será capaz de dar conta do recado. Após uma série
de “defaults” de bônus por grupos privados, as instituições financeiras estão
hesitantes.
Sarah Xu, analista da agência de classificação de crédito
Moody’s em Xangai, diz que a possibilidade de apoio contínuo do governo aos
grupos privados é positivo apenas para as companhias “fundamentalmente
sólidas”, que, segundo ela, “são poucas”. Quanto às mais fracas, “a maior
disponibilidade de crédito não afetará significativamente a situação geral de
financiamento dessas empresas”.
Um total de 124 emissões de bônus com o principal avaliado
em 121 bilhões de yuans (US$ 18 bilhões) ficaram inadimplentes no ano passado,
comparado a apenas 34 bilhões de yuans no ano anterior, segundo dado da Wind
Financial Information. Entre aquelas que deram calote, cerca de quatro quintos
eram formados por grupos privados, muito embora as empresas estatais
representem a maioria dos emissores de bônus.
Os bancos podem estar cautelosos em apoiar os grupos
privados porque não confiam na fidedignidade de suas demonstrações financeiras.
No mês passado, a Kangdexin Composite Materials, uma empresa
listada em Shenzhen, deu um calote em um título emitido internamente de 1
bilhão de yuans. Mesmo assim, seu relatório trimestral mais recente mostrava
que o grupo tinha 15 bilhões de yuans em ativos de elevada liquidez no fim de
setembro — lançando dúvidas sobre a exatidão de suas demonstrações contábeis.
“As demonstrações financeiras podem ter sido fabricadas. Uma
técnica típica é obter dinheiro temporariamente” para que ele possa ser
registrado no balanço, diz Shi Min, diretor de crédito da Lakefront Asset
Management, um fundo hedge de Pequim. Ele acrescenta que a divulgação da
Kangdexin, uma fabricante de filmes laminados, pode ter omitido o fato de que
essas posições em dinheiro eram “restritas”, não disponíveis para uso imediato.
A companhia negou ter divulgado demonstrações financeiras
falsas e disse num protocolo encaminhado à bolsa de valores de Shenzhen que uma
investigação interna revelou “uma situação em que grandes acionistas tomaram
conta dos fundos”, sem fornecer mais detalhes. As autoridades reguladoras do
mercado de valores mobiliários da China também estão investigando a companhia,
segundo o protocolo.
Mas a Kangdexin não é um caso isolado. A Bright Oceans Corp,
uma companhia trading de commodities, deu calote em pelo menos sete pagamentos
de bônus desde o fim de 2017, apesar de reportar 4,8 bilhões de yuans em “cash”
e equivalentes em seu balanço em junho de 2017.
A agência chinesa Lianhe Credit concedeu a nota “AA” à
companhia naquele mês, rebaixando-a para “C” em janeiro do ano passado. A
Bright Oceans não respondeu a pedidos para comentários.
Participantes do mercado afirmam que em vez de simplesmente
conclamar os bancos e investidores a aumentar os empréstimos aos grupos
privados, as autoridades reguladoras deveriam cultivar os mecanismos baseados
no mercado, que podem permitir aos bancos e investidores em bônus avaliar o
risco de crédito e as relações de recuperação de “default” com maior exatidão.
Isso inclui o desenvolvimento de auditores, agências de classificação de risco
e cortes de falências.
“As autoridades reguladoras não podem averiguar tudo
sozinhas. Elas não têm pessoal ou a qualificação para isso. O que o mercado
precisa é que as instituições ajudem na supervisão”, afirma o presidente na
China de um grande banco europeu. “Se as autoridades reguladoras punissem
duramente alguns contadores que permitem fraudes, isso transmitiria uma grande
mensagem.”
Mas Drew Bernstein da Marcum BP, uma firma de contabilidade
especializada em ajudar companhias chinesas a listarem suas ações nos Estados
Unidos, diz que é irreal esperar que os auditores exponham fraudes.
“Digamos que eu tenha 25 anos de experiência e tenha
auditado 50 empresas do setor industrial. Você acha que eu sei muita coisa
quando comparado a um cara que está no setor industrial há 25 anos, todos os
dias de sua vida? Você não acha que ele sabe o suficiente para perpetrar uma
fraude sofisticada o suficiente para me enganar?”, pergunta ele.
Em vez disso, Bernstein diz que os investidores que fazem
venda a descoberto são os mais capazes de detectar e expor fraudes. Mas as
vendas a descoberto praticamente não existem no mercado de bônus corporativos
da China. “Passei muito tempo aprendendo com as vendas a descoberto porque elas
não estão no mundo da contabilidade”, afirma ele.
Uma solução parcial poderá vir com a entrada das agências
estrangeiras de classificação de crédito no mercado de bônus. Os grupos
estrangeiros deverão conceder notas mais altas com menos frequência que seus
concorrentes locais. Mas pelo menos no médio prazo, os grupos estrangeiros
ocuparão só um pequeno nicho do mercado chinês.
“Os relatórios de acompanhamento das agências de
classificação parece que são escritos de acordo com um modelo, para que as
pessoas não tenham nenhuma maneira de verificar as informações apresentadas
pelas companhias”, diz Qi Sheng, analista-chefe de renda fixa da Zhonghai
Securities de Xangai.
A Associação Nacional das Instituições de Crédito (Acrefi)
realiza debate sobre os desafios de 2019. Data: 21 de fevereiro Horário: 8h30
Local: Renaissance Hotel. Al. Santos, n 2.233. São Paulo / SP
Informações: acrefi.org.br
@economia @China
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