domingo,
14 de abril de 2019 07:17
FOLHA
DE S. PAULO | MUNDO
Autor:
Érica Fraga e Flavia Lima
A
indústria de alta tecnologia - que impulsionou a capacidade de inovar e o
desenvolvimento de nações ricas como Estados Unidos, Alemanha e Coréia do Sul -
está encolhendo no Brasil antes mesmo de deslanchar.
A
constatação está em um estudo que mapeia, pela primeira vez, a evolução do peso
de diferentes segmentos industriais no PIB ( Produto Interno Bruto ) brasileiro
ao longo de décadas e indica que o país vive um rápido e precoce processo de
desindustrialização.
Somados,
os cinco segmentos da indústria mais sofisticada entraram nos anos 1980 com uma
participação de 9,7% no PIB, depois de uma fase de expansão na década anterior.
Em
2016 - ano mais recente para o qual o recorte é possível - , essa fatia havia
recuado para apenas 5,8% do PIB.
Os
segmentos mais sofisticados reúnem a indústria de eletrônica e informática;
máquinas e equipamentos; química; automobilística e farmacêutica.
As
conclusões são do economista Paulo César Morceiro, que terminou seu doutorado
na USP (Universidade de São Paulo) em 2018.
O
trabalho, orientado pelo pesquisador Joaquim Guilhoto, da USP e da OCDE
(Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), resultou em
análises inéditas sobre a trajetória da indústria brasileira.
O
setor como um todo atingiu, em 2018, sua menor participação no PIB desde 1947.
Ele recuou para apenas 11,3%, menos da metade do pico de 27,3% atingido em
1986.
Comparada
ao ocorrido em países que se desenvolveram, a queda rápida indicava um processo
de desindustrialização precoce. Mas, para fechar esse diagnóstico, o ideal
seria analisar o comportamento individual de cada setor, como Morceiro fez
agora.
Os
dados revelam que nenhum segmento da indústria brasileira ganhou participação
no PIB entre 1980 e 2016. Entre 13 setores mapeados em quase quatro décadas, 11
perderam peso e 2 ficaram estagnados.
Parte
da história mostrada pelos números reflete o processo normal de desenvolvimento
econômico de um país. A trajetória das nações hoje ricas indica que, à medida
que a renda cresce, há uma tendência de queda na participação do PIB dos
segmentos menos tecnológicos - como têxtil, calçados e alimentos.
Isso
decorre da mudança natural e até esperada no perfil de consumo da população.
Mas
esse mesmo processo deveria elevar o peso dos setores de maior intensidade
tecnológica na economia e sustentá-lo em um patamar alto por bastante tempo.
A
demanda por produtos de maior valor agregado é o que explica essa segunda perna
dos processos de industrialização e desenvolvimento econômico, na esteira do
aumento da renda para um patamar mais elevado.
Não
é, porém, o que tem ocorrido no Brasil.
Desde
que a renda do brasileiro entrou na faixa considerada de nível médio (cerca de
US$ 10 mil, em paridade do poder de compra), no fim dos anos 1970, tanto a
indústria de menor intensidade tecnológica quanto amais avançada têm se
tornado, gradualmente, menos relevantes.
Enquanto
os segmentos menos sofisticados perderam 4,9 pontos percentuais de participação
no PIB entre 1980 e 2016 (recuando de 11,6% para 6,7%), os setores de maior
tecnologia encolheram 3,9 pontos percentuais.
"A
indústria de mais alta tecnologia no Brasil não conseguiu sustentar seu pico de
participação no PIB nem por uma década. É um resultado ruim se comparado ao de
países que se desenvolveram", afirma Morceiro.
Como
contraponto, o economista menciona dados de outra pesquisa que está fazendo
sobre os Estados Unidos. Os setores industriais de maior intensidade
tecnológica mantiveram uma participação agregada média de n% no PIB americano
por 17 anos, entre 1953 e 1969.
No
Brasil, esses segmentos se mantiveram próximos do pico de seu auge - entre 9,5%
e 10% do PIB - por apenas sete anos, entre 1973 e 1980.
Outro
aspecto ressaltado por Morceiro é que a fatia dos setores de média e alta
tecnologia no PIB americano é superior ao dos segmentos menos avançados ainda
hoje (6,2%, ante 5,4%, respectivamente, em 2017).
No
Brasil, aponta o estudo, isso nunca ocorreu.
Um
exemplo preocupante é o do setor de informática e eletrônica, que perdeu 0,2
ponto percentual de participação na economia desde 1980, representando apenas
0,9 % do PIB em 2016.
"Sem
desenvolver esse setor, será difícil avançar para o estágio da indústria 4.0,
que combina indústria e serviços sofisticados", diz Morceiro.
Segundo
Rafael Cagnin, economista do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial), o Brasil começou a se distanciar dos países que desenvolveram
setore sindustriais mais avançados já nos anos 1980, enquanto enfrentava a
crise da dívida externa e a hiperinflação.
Foi
nesse período, diz ele, que outros países, incluindo os asiáticos, decolaram no
desenvolvimento tecnológico.
"Perdemos
o bonde desse processo e nem chegamos a desenvolver competências, empresas e
atividades mais complexas desses ramos", afirma Cagnin.
Morceiro
enfatiza que, desde então, repetidos períodos de câmbio sobrevalorizado
contribuíram para tirar a competitividade da indústria brasileira, que sofreu
ainda com uma abertura comercial pouco planejada nos anos 1990 e com a falta de
políticas de incentivo bem desenhadas, focadas em inovação.
OLHO
: "Perdemos o bonde desse processo e nem chegamos a desenvolver
competências Rafael Cagnin economista do iedi
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.