L.R. - O Brasil do meu coração
sexta-feira, 28 de maio de 2021
Larry Rohter
Sem perspectiva de pôr os pés em solo brasileiro até a pandemia terminar, gostaria de enumerar algumas das coisas de que sinto falta ou de que tenho lembranças afetuosas
Não gosto de farofa, não entendo muito de futebol e não sei sambar. Se eu fosse brasileiro, seria um péssimo exemplo de brasilidade. Mas gosto, gosto mesmo, do país, seu povo e suas variadas paisagens. Então, de longe, após 18 meses de ausência forçada e sem perspectiva de pôr os pés em solo brasileiro até a pandemia terminar, gostaria de enumerar nesta coluna de despedida de ÉPOCA algumas das coisas de que sinto falta ou de que tenho lembranças afetuosas:
O pôr do sol na Amazônia, com suas infinitas tonalidades de laranja, rosa e roxo no céu, e tudo se refletindo sobre as águas tranquilas de um rio ou igarapé. E também o nascer do sol na Amazônia. A maneira como os brasileiros se cumprimentam. Não falo apenas dos abraços ou beijos ao chegar ou ao se despedir, mas também de saudações como “Ô, gente boa!” ou “Ô, xará!”. E com minha idade cada vez mais avançada, é sempre bom ouvir alguém me acercar na rua e dizer: “Ô, moço”. O cheiro de sabonete Phebo, variedade odor de rosas, de cor negra. A própria embalagem amarela e vermelha, com sua tipografia art nouveau, relíquia de 1910 em pleno século XXI.
Viajar de táxi numa tarde chuvosa de inverno e escutar a “Ave-Maria” tocar no rádio às 18 horas. O sotaque pernambucano. O sotaque do interior de São Paulo. A sonoridade de certas palavras: crepúsculo, cicatriz, bugiganga. Eça de Queiroz tinha razão quando disse que o brasileiro fala “português com açúcar”. Cordel e os cordelistas. Xilogravuras e os xilogravuristas. Repentes e os repentistas. A voz de Milton Nascimento. A voz de Marisa Monte.
Tomar uma água de coco verde geladinha, sentado na mesa de um quiosque na Praia de Ipanema (ou qualquer outra) às 7 horas da manhã. Depois, pedir que abram o coco para poder desfrutar a polpa.
Moqueca de peixe, de camarão, de caranguejo. Capixaba ou baiana. Com pirão. (Sim, sim, sei que pirão é apenas farinha misturada com caldo, mas certas preferências não têm lógica.)
Os nomes de certos prédios em cidades grandes. Uma vez, em São Paulo, encontrei o Edifício Stan Getz e fiquei encantado. Outra vez, não me lembro onde, dei uma gargalhada satisfeita quando cruzei com quatro edifícios no mesmo quarteirão com nomes de poetas malditos franceses do século XIX: Ed. Baudelaire, Ed. Rimbaud, Ed. Verlaine, Ed. Mallarmé.
Nomes de alguns lugarejos que visitei como correspondente. Meus amigos sempre ficam entretidos quando falo de Gogó da Onça, no Pará, ou Jataí, em Goiás. Mas Puxa Faca, em Roraima, sempre os deixa atônitos.
Por falar de nomes poeticamente esquisitos, também os de duplas sertanejas. Ouvi Milionário & Zé Rico pela primeira vez num garimpo em Itaituba nos anos 1970, e adorei. Comecei a colecionar discos de duplas com nomes engraçados: Abel & Caim, Redator & Jornalista, Marechal & Rondon, Marlboro & Hollywood, Domyngo & Feryado.
O cheiro da floresta depois de uma chuva forte. Sebos. De livros ou de discos, não importa. Passar um domingo de manhã na feira dos nordestinos no Pavilhão de São Cristóvão.
Estar em casa às 17 horas de um domingo com a TV desligada e, mesmo assim, poder acompanhar o placar do jogo de futebol através do gritos e aplausos dos vizinhos. Muito barulho sempre significa gol do Flamengo.
Viajar numa gaiola de Tabatinga até Belém, descendo o Solimões até Manaus, com paradas em lugares como Santo Antônio do Içá e Fonte Boa, e depois o rio-mar do Amazonas.
Viajar de ônibus interestadual ou intermunicipal. De Santarém para Brasília via a Transamazônica foi uma aventura inesquecível. Mas mesmo os trajetos mais modestos, como Salvador-Juazeiro, Porto Alegre-Santo Ângelo, ou Vilhena-Porto Velho são fascinantes, devido às vistas espetaculares ou cenas do cotidiano visíveis da janela de um veículo em movimento. Até as paradas nos lanchonetes do tipo Graal são interessantes.
Passar o Natal numa praia ensolarada, tomando um refrigerante “estupidamente gelado” e pensando no frio e a neve da minha cidade natal, Chicago. Os orquidários de Petrópolis e Teresópolis. As orquídeas que brotaram no tronco do abacateiro no quintal da minha casa.
O Museu Goeldi, em Belém, com sua coleção de artefatos indígenas e seu zoológico e jardim botânico. A Casa do Pontal, no Rio, com sua coleção de artes populares. O Museu do Homem do Nordeste e o Instituto Ricardo Brennand, no Recife. Sorveterias. Em qualquer lugar e qualquer hora. Sabor preferido: coco queimado. Mas, em Santarém, sempre o sorvete de açaí.
Os azulejos no pátio da Igreja de São Francisco em Salvador. Os azulejos pernambucanos. Os azulejos de modo geral. Sentar naquele pátio numa tarde clara, comparando o azul do céu com o do azulejo.
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