Metaverso entra em cena como a próxima era da internet
'Bigtechs' e fundos globais aceleram investimentos para que realidade digital surgida nos games alcance o cotidiano
domingo, 31 de outubro de 2021
O Globo / Economia
CAROLINA NALIN
Imagine um mundo onde não há mais fronteiras entre espaço físico e digital. Nas ruas, pessoas poderão usar óculos que executam comandos para filmagem ou projeção de encontros com amigos que estão a quilômetros de distância. Minutos depois, entram no escritório, onde as reuniões não são mais remotas ou presenciais -são um misto dos dois formatos, numa experiência imersiva. Na hora do almoço, dá para curtir um evento musical sem que o espaço físico limite o tamanho do público no local. Bem-vindos ao metaverso.
Parte desse mundo, que pertencia aos filmes de ficção científica, já começa a se tornar realidade -e é a nova fixação das big techs, levando a uma onda de investimentos milionários em start-ups.
Na semana passada, o Facebook anunciou que seu nome corporativo será Meta -a rede social e suas outras marcas, como Instagram e Whatsapp, seguirão chamadas pelo seu nome atual. A empresa já anunciou que vai investir US$50 milhões no metaverso e lançouo aplicativo Horizon Workrooms, para reuniões corporativas. E não está sozinha. Outras gigantes da tecnologia, como Microsoft, Tencent e Nvidia, têm investido pesado em soluções tecnológicas para essa nova realidade digital de experiência imersiva.
Segundo projeções da Bloomberg Intelligence Unit, o metaverso deve movimentar US$ 800 bilhões até 2024. Surgido no mundo dos games, essa realidade digital entrou no mundo corporativo, atraiu marcas e celebridades e fisgou consumidores ávidos por novidades, ainda que só virtuais. A Gucci já vendeu uma bolsa Dionysus, que só existe neste universo paralelo, na plataforma de games Roblox pelo equivalente a R$21, 8 mil (ou 350 mil Robux, a 'moedalocal'). E uma live do avatar do cantor Travis Scott no game Fortnite atraiu nada menos do que 12 milhões de pessoas simultaneamente.
-A próxima onda da internet vai estar ligada ao metaverso. As empresas já entenderam que estar nos games é necessário para que elas vendam seus produtos. A atenção dos consumidores, assim como hoje está nas redes sociais, vai estar nesse ambiente. E, naturalmente, as empresas vão precisar estar lá -diz André Micelli, coordenador do MBA de Marketing e Negócios Digitais da FGV.
5G E'GADGETS' PARA IMERSÃO
O potencial desse novo ambiente alimenta uma onda de financiamentos a start-ups dispostas a ajudar a construir as bases para que o metaverso se incorpore ao cotidiano de bilhões de pessoas, do lazer ao mercado de trabalho. São vários os exemplos. A Magic Leap, 'unicórnio' que produz óculos de realidade aumentada, captou US$500 milhões para a criação de um fone de ouvido. O SoftBank, gigante que é um dos principais financiadores globais para start-ups, criou um fundo que investirá US$ 170 milhões na plataforma de metaverso Naver Z Corp.
POTENCIAL BRASILEIRO
De acordo com dados do CB Insights, há pelo menos 90 start-ups empenhadas em construir o metaverso. Essa indústria abrange desde equipamentos (hardware), passando pelos wearables (dispositivos eletrônicos, como óculos de realidade virtual), softwares de computação 3D e processos computacionais como NFTs (sigla para tokens não-fungíveis, uma espécie de selo virtual de autenticidade de objetos virtuais) e o blockchain (sistema que garante a segurança da operação). Tem ainda a infraestrutura de redes de telefonia móvel com o 5G, cuja velocidade de conexão será determinante para permitira experiência final do ser humano como usuário e criador de conteúdo no metaverso.
O Brasil também está na mira. Como destaca José Gabriel Bernardes, analista da gestora Fuse Capital, o país tem uma grande vantagem nesse mercado: consumidores. De acordo com a consultoria Newzoo, há 94, 7 milhões de gamers no país.
- RE certo que o consumidor brasileiro vai aderir ao metaverso, da mesma forma que já tem enorme aderência às redes sociais, com tempo médio gasto nelas bem maior do que em outros países. E essa mudança de nome do Facebook é mais uma prova de que a digitalização e descentralização estão virando realidade -diz Bernardes.
Segundo Guilherme Zanin, estrategista da Avenue Securities, a abertura de capital da Roblox favorece a atração de capital para essa empreitada. A plataforma de games, com jogos que simulam o metaverso, já tem 48 milhões de usuários ativos por dia, mais do que a população inteira da Espanha ou Canadá. A empresa chegou à Bolsa de Nova Yorkem março deste ano, valendo US$38 bilhões. À mudança de nome do Facebook atraiu para o tema investidores que são clientes da Avenue, diz Zanin:
- Apresentamos a eles empresas como a Fastly, Roblox, Nvidia, AutoDesk e inclusive o Meta ETF (fundo negociado em Bolsa com cerca de US$ 100 milhões em ativos, que reúne especificamente as empresas ligadas ao metaverso). Ninguém quer ficar de fora do que pode ser o futuro.
SEM 'DESLOGAR' O AVATAR
Apesar das discussões sobre a criação do metaverso estarem mais avançadas em países como Estados Unidos e China, há espaço para empresas brasileiras, avalia Renato Valente, sócio do Iporanga Ventures, gestora de venture capital:
- Para funcionar, o metaverso tem que ser algo construído não por alguns, mas por muitos. Se não, serão vários 'silos' e isso não gera valor no longo prazo. As empresas do Brasil podem participar com a construção de soluções para o metaverso ou um espaço, uma realidade dele.
Thiago Toshio, especialista em tecnologia criativa de GoVision e BoomPReal, explica que o principal entrave para a consolidação do metaverso é a interoperabilidade. Esse novo espaço deve ser a união de vários ambientes, permitindo ao usuário transitar entre plataformas sem 'deslogar' seu avatar.
- Tem também a questão do 5G e da computação. Quando falamos de mundo 3D, precisamos de uma renderização, que é o processamento de um objeto nesse ambiente, (que deve ser rápido) para se ter uma experiência em tempo real sem ruídos. Isso depende de ferramentas e padrões de intercâmbio. Quais padrões precisam estar acordados entre as bigtechs ou as primeiras frentes de metaverso serão construídas fragmentadas? Há muito a ser desenvolvido -diz Toshio.
Conrado Leister, diretorgeral do Facebook no Brasil, em entrevista recente, reconheceu que o desenvolvimento desse extenso mundo virtual não é tão simples quanto nos filmes de ficção científica: - Vai levar alguns anos, infelizmente ainda tem muito para desenvolver. Mas acho que vai ser disruptivo e concordo com a visão de que vai ser o novo sistema operacional de verdade. (Colaborou Julia Noia)
Da ficção para a realidade
> O que significa 'metaverso"? Descrito pela primeira vez em 1992, o termo apareceu no livro de ficção científica 'Snow Crash", de Neal Stephenson, e designa um espaço coletivo que converge o mundo real com um espaço virtual. Hoje, tecnologias como realidade virtual (RV) e realidade aumentada (RA) buscam romper a fronteira existente nesses ambientes, e podem ter aplicações em diversos setores - como games, plataformas de streaming, programas para videoconferências no mundo corporativo ou eventos de entretenimento, como shows.
> Como surgiu? O desenvolvimento mais recente deste mundo paralelo digital no qual as pessoas interagem por meio de avatares se deu nos games. Um ensaio, nos anos 2000, foi a onda de jogos virtuais como o Second Life, da Linden Lab. Mas estão surgindo tecnologias capazes de tornar essa ambiência digital, o metaverso, mais abrangente e de amplo acesso simultâneo.
> Quem já domina? Plataformas degames como Roblox e Fortnite já formalizaram sua entrada no metaverso promovendo várias experiências imersivas com milhares de usuários em tempo real. Facebook e Microsoft investem pesado nessa nova fronteira. A experiência imersiva muitas vezes inclui o uso de gadgets, como óculos de realidade virtual.
> Como marcas vão se apropriar do metaverso? Com a aceleração da digitalização de negócios e serviços na pandemia, marcas devem intensificar ações de marketing virtual e até a venda de produtos que só existem on-line, com reflexo na economia real.
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