sábado, 26 de fevereiro de 2022

As percepções estão descoladas da realidade no setor de petróleo(Décio Oddone)

 Décio Oddone: As percepções estão descoladas da realidade no setor de petróleo


O mercado de petróleo passou por duas grandes transformações na última década, mas as revoluções do shale gas e a transição energética ainda não foram incorporadas nas percepções de grande parte da sociedade e da classe política. Desde a primeira crise do petróleo, em 1973, o mundo convivia com o fantasma do petróleo caro. Imaginava-se que o consumo seria crescente, sentimento que foi acentuado pelo crescimento da demanda na China. Como as reservas eram finitas, o preço iria às alturas prejudicando a economia global. A extração de óleo nas rochas do shale americano pôs um fim ao risco de um choque duradouro de oferta.


A transição energética reduziu as expectativas de um choque de consumo. Mesmo antes da pandemia já se discutia quando seria o pico de demanda. Com o objetivo de identificar o que deveria ser feito para cumprir as metas do acordo de Paris, foram divulgados cenários indicando que não deveriam ser desenvolvidos novos projetos de produção de carvão, gás e petróleo. No entanto, essa expectativa não está alinhada à realidade.


Se a forma de encarar a transição energética não mudar, haverá dificuldades e frustrações. Em muitas regiões, a redução das emissões é importante, mas a segurança energética, no curto prazo, é mais. Em geral, as pessoas não baixam o consumo porque é necessário diminuir a concentração de gases efeito estufa na atmosfera. E não estão dispostas a pagar mais caro por uma energia mais limpa. O modelo atualmente defendido, que considera o aumento da geração renovável e o emprego de veículos elétricos, implica que os consumidores devem fazer investimentos no presente para ter redução nos custos operacionais no futuro.


Ocorre que as sociedades e as pessoas não dispõem desses recursos, o que inibe os investimentos, que ainda sequer são suficientes para cobrir a intermitência das renováveis já instaladas. Como resultado, aumenta a demanda por hidrocarbonetos. Ao mesmo tempo instituições financeiras e empresas estão reduzindo aportes em fontes fósseis, deprimindo a oferta e pressionando preços. Tanto é que uma série de fatores vem levando ao aumento da demanda e dos custos da energia. O desprezado carvão, em 2021, atendeu a mais da metade do crescimento da geração elétrica. O preço do gás natural explodiu. O do petróleo, que vinha crescendo, pressionado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, superou US$ 100 por barril.


Esses movimentos estão produzindo uma transição em que investimentos são altos e os custos operacionais ficam elevados. Isso dificulta o acesso à energia, justamente o fator que mais contribuiu para a melhoria da qualidade de vida nos últimos 200 anos. Os agentes políticos deverão se dar conta disso a tempo, ou a transição vai demorar.


No Brasil não é diferente. A percepção sobre o setor dista da realidade. Continuamos presos a ideias e conceitos que já eram ultrapassados no século passado. Ainda se fala que o pré-sal é um bilhete premiado, sem risco, que foi entregue a preço de banana. Mesmo quando os leilões conduzidos desde 2017, e que levantaram mais de R$ 40 bilhões em bônus de assinatura, não produziram até agora o anúncio de qualquer descoberta relevante. Poços que foram perfurados por empresas estrangeiras resultaram secos. Sem os leilões, teriam sido custeados pela Petrobras.


Se discute o modelo de contratação, mesmo sabendo que os blocos licitados em partilha teriam produzido bônus superiores se tivessem sido oferecidos sob concessão, quando o interesse por exploração está escasseando.


Continua vigente a percepção de que, independentemente das regras aplicáveis e da carga fiscal adotada, as companhias farão qualquer coisa para investir aqui. E que, como as empresas têm recursos, custos adicionais são toleráveis, esquecendo que o Tesouro acaba, via dedução do imposto de renda, absorvendo 34% de eventuais prejuízos.


 A discussão sobre o custo dos derivados também parte de percepções que se chocam com a realidade. A Petrobras já transferiu a refinaria de Mataripe para uma empresa privada, está em negociações avançadas para concluir a venda de outras unidades, alienou suas participações em empresas distribuidoras de combustíveis, deixando de ter relação com postos de gasolina e revendas de gás de cozinha. Boa parte dos combustíveis é produzida ou importada por terceiros.


Mesmo assim, se discute a postura da estatal, raramente a realidade do mercado, como se o PPI (preço de paridade de importação) fosse uma escolha, não uma imposição da realidade. O PPI existe não porque a Petrobras o adota, mas porque é preciso que alguém traga derivados do exterior para abastecer o mercado. O monopólio de fato no refino e a capacidade de intervenção deixaram de existir, mas, como parece que a empresa é responsável pelos preços, há propostas de recompra de suas ações ou de investimentos em refinarias, o que já foi tentado anteriormente, sem sucesso. E como se isso fosse impactar a oferta de derivados no curto prazo.


As propostas em debate dificilmente trarão resultados duradouros, porque falta o entendimento que há questões, como essa, que a vontade e a política não controlam. E para as quais não há soluções fáceis.


O País não tem dinheiro para saúde e educação. Mais recomendável seria acatar o funcionamento do mercado e resumir as iniciativas a ajustes estruturais e temporários na tributação dos combustíveis. E, enquanto existem brasileiros com fome, melhor seria investir os recursos públicos disponíveis em comida, que alimenta o corpo humano, não em subsídios ao preço da gasolina, combustível de automóveis. Talvez fosse a hora de alguém levantar o slogan "É melhor encher a barriga que o tanque".


*Décio Fabrício Oddone da Costa é CEO da Enauta S.A. Escreve mensalmente para o Broadcast Energia. Este artigo representa exclusivamente a visão do autor.


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