Décio Oddone: Governança é renúncia
Por Décio Oddone*
Rio, 25/07/2022 - Nas últimas décadas tem crescido o esforço para melhorar a governança das instituições públicas e privadas. Os órgãos de controle do Estado e a bolsa de valores ficaram muito mais atuantes. Surgiu uma série de organizações que monitoram a atuação do governo, de empresas públicas e de companhias com ações negociadas na bolsa. A atuação dos gestores passou a ser cada vez mais escrutinada.
Se fortaleceram instituições voltadas à melhoria da gestão. Servidores públicos, executivos e conselheiros de empresas passaram a dispor de um variado cardápio de opções de treinamento para aprimorar sua formação. A bolsa de valores brasileira estabeleceu uma série de requisitos que as empresas devem adotar. Foram criados índices que avaliam o grau de evolução da governança nas companhias e requisitos para ingressar no chamado Novo Mercado, que estabelece os mais elevados padrões aplicados no Brasil. O avanço na adoção dos conceitos ESG (sigla em inglês para cuidados ambientais, sociais e de governança) ampliou o escopo do conceito de boa gestão para o campo do meio-ambiente, da maior inclusão social e da melhoria da gestão pública e privada.
A necessidade de reduzir as emissões de gases efeito estufa para atender as metas do Acordo de Paris, uma maior inclusão das minorias, com ampliação de oportunidades e mais justiça social, e o cuidado com o uso responsável dos fundos públicos e dos acionistas das empresas são aspectos importantes em um mundo cada vez mais complexo e competitivo, em que a disponibilidade de recursos para investir na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, no caso da gestão pública, ou no aumento da geração de valor e da sustentabilidade das empresas privadas passou a ser fundamental para o sucesso continuado. Enfim, a melhoria da governança passou a ser um assunto de interesse geral.
No entanto, problemas relacionados à má gestão continuam sendo comuns. Governantes ainda buscam burlar normas e regras para satisfazer objetivos políticos imediatos. Executivos privilegiam seus interesses, em detrimento do conjunto dos acionistas das empresas. Por isso, continuamos convivendo, no campo da economia, com baixa produtividade, inflação elevada, volatilidade no câmbio, alta carga tributária, regras trabalhistas e fiscais complexas, demora nos processos regulatórios e de licenciamento, e dificuldade em contratar funcionários com o adequado grau de escolaridade, conhecimento e experiência. No ambiente privado, têm sido escassos os avanços no processo de inclusão de minorias. Mas, ao mesmo tempo, boa parcela dos administradores segue valorizando as estruturas organizacionais pesadas, o status pessoal e os chamados "agency costs", ou custos do agente, benefícios pessoais para os executivos, com custos assumidos pelas corporações.
As razões são variadas e estão relacionadas a aspectos culturais. Avançar rapidamente em busca de uma melhor gestão é fundamental, mas também é importante admitir que a melhoria da governança é um processo. Os agentes políticos precisam entender que uma eleição não representa um cheque em branco, que uma votação consagradora não dá o direito de desrespeitar as regras e restrições estabelecidas. Têm que aceitar que os avanços alcançados devem ser mantidos e aprimorados. Uma boa governança só é alcançada pela melhoria contínua dos processos de gestão, não pela adaptação das regras aos desejos dos poderosos de plantão.
Isso também vale no ambiente privado. O acionista controlador de uma empresa negociada em bolsa, se quiser que a ação da sua empresa capture o potencial dos negócios que têm, precisa aceitar que as regras de mercado e os direitos dos acionistas minoritários devem ser respeitados. Um executivo escolhido para dirigir uma empresa deve entender que um bom Chief Executive Officer (CEO, na sigla em inglês para o principal executivo de uma empresa) deve respeitar as regras estabelecidas e evitar ações voluntaristas. Os melhores resultados se alcançam com perseverança, não como fruto da ação de um salvador da pátria.
Em uma frase, governança é renúncia. Renúncia ao poder discricionário, à tentação de mudar as regras para atingir objetivos de curto prazo. Renúncia ao desejo de interromper os processos de melhoria de gestão por interesses pessoais ou grupais efêmeros. Uma melhor governança só se consegue com o tempo, à medida que os que detêm o poder político ou empresarial vão aprofundando o entendimento de que podem alcançar resultados melhores se contiverem seus instintos de intervir em processos já estabelecidos e consolidados. Depende da melhoria do nível de educação e conscientização de todos, líderes e liderados, e da maturidade das classes política e empresarial. A governança evolui com a sociedade. Já avançamos bastante. Para melhorar, resta perseverar. E insistir no assunto.
*Décio Fabrício Oddone da Costa é CEO da Enauta S.A. Escreve mensalmente para o Broadcast Energia. Este artigo representa exclusivamente a visão do autor.
Broadcast Energia
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