A história de
Nikola Tesla, o excêntrico inventor rival de Thomas Edison que inspirou Elon
Musk
Camilla Veras Mota
- @cavmota Da BBC Brasil em São Paulo
22 dezembro 2017
Image caption Os carros elétricos fabricados
por Musk usam o motor de indução patenteado pelo inventor | Foto: Reuters,
Library of Congress
O fundador do
Google, Larry Page, o bilionário da tecnologia Elon Musk, os terraplanistas, os
ufologistas. O inventor sérvio-americano Nikola Tesla tem um grupo eclético de
fãs, e não por acaso. O mesmo cientista que mudou a forma como o homem usa e
distribui energia elétrica tinha pombos como animais de estimação, era
germofóbico e acreditava que recebia sinais de Marte.
Sua personalidade
excêntrica e a história cheia de altos e baixos - ele circulava pela alta
sociedade nova-iorquina do fim do século 19, morava em hotéis luxuosos como o
New Yorker e o Waldorf Astoria, morreu pobre e passou anos esquecido - são tão
particulares que um de seus mais conhecidos biógrafos é um psicólogo, Marc Seifer.
Tesla foi sua tese de doutorado. "Eu queria entender como funcionava a
cabeça dele".
As invenções
vinham em visões
Tesla nasceu em
1856 em Smiljan, no atual território da Croácia, de pais de etnia sérvia.
Estudou engenharia
elétrica na Universidade de Graz, na Áustria (à época ainda Império
Austro-Húngaro), e, aos 26 anos, mudou-se para Paris para trabalhar na empresa
do americano Thomas Edison, a Continental Edison Company.
Dois anos depois,
foi transferido para a sede da companhia, em Nova York, com a função de
"redesenhar as máquinas de Edison", como conta em sua autobiografia,
escrita quando Tesla tinha 63 anos e publicada pela revista americana
Electrical Experimenter.
No livro ele conta
que, quando criança, tinha alucinações, imagens acompanhadas de flashes fortes
de luz, que passaram a ser substituídas pelos contornos muito bem definidos de
suas invenções depois que ele completou 17 anos.
Direito de imagem Getty Images Image caption Na Sérvia, Tesla ilustra a nota de 100 dinares; ele também está eternizado nas ruas de Nova York, onde morou a maior parte da vida
Direito de imagem Getty Images Image caption Na Sérvia, Tesla ilustra a nota de 100 dinares; ele também está eternizado nas ruas de Nova York, onde morou a maior parte da vida
"Mudo o desenho, faço melhorias e opero os equipamentos na minha cabeça. Para mim, não faz diferença se testo minha turbina em pensamento ou no laboratório. Quando a visualizo, eu consigo saber inclusive se ela está desequilibrada".
Em um ano, ele
aperfeiçoou todas as 24 máquinas que o gerente da Edison Machine Works lhe
havia apresentado e pelas quais prometera US$ 50 mil de bônus, caso fossem
melhoradas.
Nesse período, o
jovem trabalhou 18,5 horas diariamente - das 10:30 às 5:00 do dia seguinte -,
ainda segundo sua autobiografia, para descobrir que o comentário do gerente era
uma piada, que ele havia entendido de forma literal. Tesla se demitiu.
A guerra das
correntes
Uma de suas
principais descobertas, a corrente alternada rendeu-lhe uma disputa de anos com
Edison, que patenteou a corrente contínua.
Seu funcionamento
e aplicações - a turbina de Tesla, o motor de indução e o transformador de alta
voltagem - ele concebeu quando ainda vivia em Paris. Tentou convencer Edison a
apostar na ideia, mas só depois de sair da empresa conseguiu colocar em prática
o que há anos guardava na cabeça.
Para isso,
aliou-se na segunda metade dos anos 1880 a George Westinghouse, dono da
Westinghouse Electric Company, que financiou o projeto.
A corrente
contínua é aquela que circula, por exemplo, nas pilhas, que flui constantemente
entre o polo negativo e positivo. Na alternada, os polos são invertidos a todo
momento e a eletricidade corre em ziguezague.
Image caption Apesar de rivais, Edison (acima) e Tesla não chegaram a ser inimigos, diz biógrafo | Foto: General Photographic Agency/Getty Images
Image caption Apesar de rivais, Edison (acima) e Tesla não chegaram a ser inimigos, diz biógrafo | Foto: General Photographic Agency/Getty Images
Parece ineficiente, mas é justamente o contrário, diz Bernard Carlson, professor de história da tecnologia na Universidade da Virginia e autor de Tesla: Inventor of the Electrical Age (Tesla: o Inventor da Era da Eletricidade, em tradução livre).
A inovação mudou o
conceito de eletricidade e criou a noção de potência. "Até então, a
eletricidade só era usada para acender lâmpada. O motor de indução permitiu que
os prédios ganhassem elevadores, que as casas passassem a ter
eletrodomésticos", explica.
O sistema de
distribuição de energia patenteado por Tesla, que usava transformadores de alta
voltagem, possibilitou que a eletricidade viajasse longas distâncias,
acrescenta o biógrafo.
Foi com essa
tecnologia que, em 1895, Tesla e Westinghouse construíram a primeira usina
hidrelétrica moderna, em Niagara Falls - a tecnologia que usamos até hoje.
"Antes, os
locais de geração precisavam estar próximos dos centros consumidores. Niagara
mudou isso. Ela distribuía para Toronto, Boston, Filadélfia... lugares a
centenas de quilômetros", destaca Seifer, autor de Wizard: the Life and
Times of Nikola Tesla (Mago: a Vida e o Tempo de Nikola Tesla, em tradução
livre).
A inauguração da
usina é um dos capítulos da "guerra das correntes", a disputa que se
arrastou por anos entre Tesla e Edison - que não acreditava na corrente
alternada e chegou a fazer campanha contra ela.
Em um desses
episódios, em 1890, o empresário usou sua influência para usar a corrente
alternada na a primeira execução humana já feita em uma cadeira elétrica.
"Ele costumava dizer que ela era perigosa e queria usar aquela situação
para provar isso", diz o professor do departamento de Engenharia Elétrica
da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) José Roberto Cardoso.
O tiro saiu pela
culatra. Os carrascos da prisão de Auburn, em Nova York, não sabiam manipular a
corrente e a tensão caía constantemente. Depois de dois minutos de um
desagradável espetáculo, a sala cheirava a carne queimada e William Kemmler, o
condenado, ainda não estava morto. Algumas testemunhas, contudo, já estavam
desmaiadas.
O showman da alta
sociedade
Image caption Tesla fazia demonstrações extravagantes de seus experimentos | Foto: Wellcome Collection
Image caption Tesla fazia demonstrações extravagantes de seus experimentos | Foto: Wellcome Collection
Apesar das
polêmicas, os dois inventores tinham uma rivalidade cordial, diz Seifer.
"Ao contrário do que muita gente pensa, eles não eram inimigos. Trocaram
cartas por anos".
Tesla ficou eternizado
como um cientista cheio de manias. Ele mesmo conta, na autobiografia, que tinha
"aversão" a brincos de mulher, não gostava de tocar os cabelos de
outras pessoas, que contava os próprios passos e calculava o volume de seus
pratos de sopa e xícaras de café.
Para o psicólogo,
as esquisitices encobrem sua principal característica. "Ele era um 'bon
vivant'".
Circulava pelas
festas e jantares da alta sociedade de Nova York e era próximo de
personalidades como o escritor Mark Twain e o bilionário John Jacob Astor, que
permitiu que ele morasse por anos em seu luxuoso Waldorf Astoria.
Não teve namoradas
- nunca casou ou teve filhos -, mas reunia uma legião de amigas com quem
trocava cartas, entre elas Katherine Johnson, esposa do escritor Robert
Underwood Johnson, e Corinne Roosevelt, irmã do presidente Roosevelt.
"Muita gente
especula se Tesla era homossexual, mas ele trocava cartas galanteadoras com
essas mulheres", diz Seifer.
O cientista virou
celebridade com as demonstrações pirotécnicas de suas invenções, acrescenta
Carlson. "Ele chegou a passar 200 mil volts pelo próprio corpo para
mostrar como funcionava sua bobina", ele ressalta, referindo-se a uma das
cenas que narra no livro, uma apresentação em 1893 em um teatro em St. Louis
diante de quatro mil pessoas.
"Ele era um
showman".
O colapso nervoso
Em 1901, Tesla dá
início a seu mais ambicioso projeto, o qual nunca conseguiu realizar. Com um
empréstimo de US$ 150 mil do banqueiro John Pierpont Morgan, comprou um grande
terreno em Long Island, construiu um laboratório e ergueu uma torre, batizada
de Wardenclyffe.
Ele queria
descobrir uma maneira de transmitir energia elétrica sem fio. Seu objetivo era
que todo o mundo pudesse ter acesso a energia, de preferência, de forma
gratuita. Os experimentos de Tesla nessa área - que deram origem ao controle
remoto, que ele apresentou no Madison Square Garden controlando um barquinho à
distância - , foram o primeiro passo para a criação da tecnologia que daria
origem ao wi-fi.
"O problema é
que só é possível transmitir potências baixas. A transmissão de uma potência
maior produziria campos magnéticos de intensidade elevada, perigosos para os
seres humanos", explica Cardoso, professor da USP.
Direito de imagem Getty Images Image caption O globo de plasma é uma das invenções de Tesla que resultaram de seus experimentos com alta tensão
Direito de imagem Getty Images Image caption O globo de plasma é uma das invenções de Tesla que resultaram de seus experimentos com alta tensão
Tesla não
desistiu. Gastou tudo o que tinha e, quatro anos depois, diante do fracasso,
teve um colapso nervoso do qual nunca se recuperou.
"Eu analisei
40 anos da caligrafia de Tesla. Seus escritos a partir de 1906 mostram
claramente que alguma coisa aconteceu", diz Seifer, que também é
grafologista.
O inventor morreu
no dia 7 de janeiro de 1943, na suíte 3327 do hotel New Yorker, no 33º andar -
ele tinha obsessão pelo número 3 e seus múltiplos. Pobre, passou os últimos
anos vivendo na suíte do hotel graças a Westinghouse. "Ele tinha feito
fortuna com as patentes de Tesla, que ameaçou processá-lo caso ele não o
ajudasse".
Wardenclyffe
passou anos abandonado até que, no início dos anos 1990, uma mulher chamada
Jane Alcorn o encontrou, quando procurava um novo espaço para o clube de
ciências que ela coordenava em uma escola da região.
"Eu morava a
um quarteirão do lugar e nunca tinha ouvido falar de Tesla. Aos poucos descobri
que ele era uma dessas pessoas que sonhavam grande", diz. A inspiração fez
com que ela passasse os 20 anos seguintes tentando convencer políticos e a
comunidade local de que era preciso comprar o espaço, recuperá-lo.
Em 2012, a americana lançou a
primeira campanha para arrecadar fundos para lançar o Tesla Science Center. Em
um ano, o crowdfunding recebeu 33 mil contribuições de 108 países e arrecadou
US$ 1,37 milhão.
Hoje presidente da
organização, Alcorn espera que o espaço esteja aberto a visitação já no próximo
ano. A torre emblemática não existe mais, mas a parte externa do antigo
laboratório de Tesla está intacto.
Elon Musk também é
fã de Edison
Elon Musk doou US$
1 milhão à iniciativa em 2014. Ele e sua companhia, a Tesla, são parcialmente
responsáveis pelo resgate do inventor no século 21. "Ele tinha sido
literalmente apagado dos livros de história", diz Seifer.
Direito de imagem Reuters Image caption Inicialmente focada em automóveis, a empresa tem investido também na área de energia
Direito de imagem Reuters Image caption Inicialmente focada em automóveis, a empresa tem investido também na área de energia
O curioso é que
não foi Musk que deu nome à empresa. Ela foi batizada em 2003 por seus dois
fundadores - a quem se juntou pouco tempo depois -, que queriam desenvolver um
carro elétrico a preços mais acessíveis a partir do motor de indução criado por
Tesla.
O empresário já
chegou a dizer em entrevistas, inclusive, que apesar de admirar o cientista,
considerava Thomas Edison como um de seus heróis pessoais, ao lado de Winston
Churchill.
Marcianos
Além dos
empreendedores do Vale do Silício, Tesla atrai simpatia de grupos mais
"esotéricos", na definição de Seifer - fãs de teorias conspiratórias,
organizações de terraplanistas (aqueles que defendem que a Terra é plana),
ufologistas.
Para o biógrafo, a
explicação para isso vem das investidas de Tesla na área de astrofísica.
"Ele acreditava em extraterrestes e que recebia mensagens de Marte",
diz.
A popularização de
Tesla, de uma forma geral, tem a ver com o momento em que vivemos, avalia
Carlson. "Como estudioso da história da tecnologia percebo que, em épocas
de prosperidade, os heróis tendem a ser os empresários realistas, práticos, os
Henry Ford, os Thomas Edison. Quando as coisas estão mais difíceis as pessoas
procuram inspiração nos inventores, nos visionários".
http://www.bbc.com/portuguese/geral-42375111
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