Por Décio Oddone
Depois de décadas de monopólio de fato nos segmentos de
refino e de gás natural, de desrespeito às regras de mercado na formação e
divulgação de preços, de anos de crise na exploração e produção e após a
introdução de medidas que começaram a destravar investimentos o setor iniciou
uma retomada. É chegada a hora de completar o processo que permitirá o aproveitamento
pleno dos recursos petrolíferos do país e o acesso dos brasileiros a
combustíveis derivados de petróleo e a gás natural a preços justos e
transparentes.
Trata-se de agenda conhecida. Compreende o aumento da
exploração de petróleo e gás, da extração nos campos maduros e da
diversificação, da competição e da transparência nos mercados de abastecimento
e de gás natural. Embora avanços tenham sido logrados, ainda há muito por
fazer. É importante que o calendário de leilões passe a ser de cinco anos, para
dar maior previsibilidade aos investidores. O processo de venda de campos da
Petrobras em terra e águas rasas deve ser concluído rapidamente, estimulando o
desenvolvimento de um mercado para pequenas e médias empresas. Novas medidas
para incentivar a recuperação de petróleo e gás nos reservatórios em produção,
evitando o desperdício de recursos preciosos, precisam ser aprovadas.
Embora não seja imprescindível, é desejável que o regime de
concessão volte a ser adotado para as áreas no pré-sal. Nesse caso, as
alíquotas de Participação Especial (PE) poderiam passar a ser calculadas da
forma adotada para a definição do percentual de óleo-lucro no modelo da
partilha, variando com a produtividade dos poços e com o preço do petróleo e
sendo a sua distribuição entre União, Estados e municípios revisada. Caso isso
ocorra, os contratos de partilha já assinados devem ser respeitados, ficando a
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) responsável
pela sua administração.
Os volumes excedentes da cessão onerosa devem ser leiloados
o mais rápido possível, acelerando o aproveitamento de bilhões de barris de
petróleo e gás, mas o planejamento deve ser cuidadoso. Os investimentos anuais
em exploração de petróleo e gás estão na casa dos US$ 50 bilhões por ano. No
mundo inteiro. O Brasil recebeu R$ 28 bilhões em bônus de assinatura pelos 72
blocos contratados nos seis leilões realizados em 2017 e 2018, o que
representou três quartos dos cerca de US$ 9 bilhões gastos em três mil blocos,
em mais de 100 leilões em 82 países desde 2016.
O que se tem pela frente em 2019, com o leilão do excedente
da cessão onerosa e com as rodadas de concessão e partilha, tem maior dimensão.
Podem ser dezenas de bilhões em bônus. Por isso ideias como o parcelamento dos
pagamentos iniciais e a concentração da arrecadação nas receitas futuras,
tornando o regime tributário mais progressivo, devem ser avaliadas.
Um adequado nível de competição só será alcançado com a
venda de refinarias da Petrobras no Sudeste
As áreas em que a exploração de petróleo deve ser
restringida por razões ambientais devem ser definidas prontamente e excluídas
dos leilões futuros. As demais devem ser liberadas para exploração. As
solicitações de licenças e autorizações junto a órgãos do governo federal devem
ser concentradas em uma única instituição. Os órgãos ambientais precisam ser
ágeis na liberação de licenças. A exploração de recursos não convencionais,
guardados os necessários cuidados com o meio ambiente, deve ser levada adiante.
O setor vive inédita institucionalização. A Petrobras tem
liberdade para atuar como empresa de capital aberto, com o objetivo de
maximizar o seu lucro. Nesse cenário, a regulação deve atuar em defesa do
consumidor. Para atrair os investimentos requeridos para o aumento da produção
e da oferta de combustíveis fósseis e renováveis, é necessário que os preços
sigam as variações do mercado internacional e da taxa de câmbio, mas que sejam
estabelecidos em um ambiente em que haja maior transparência e concorrência.
Assim, poderiam ser evitadas distorções como as ocorridas nos últimos anos,
quando os preços ora estiveram muito abaixo dos internacionais, como entre 2011
e 2014, ora muito acima como nos períodos de 2008 a 2010 e do final de
2014 até recentemente.
Um adequado nível de competição no mercado brasileiro só
será alcançado se a venda de refinarias da Petrobras incluir unidades no
Sudeste. Medidas que inibem a competição, especialmente nos setores de
distribuição de derivados e de gás de cozinha (GLP), devem ser reavaliadas. As
diferenciações de preço e as restrições de uso do GLP devem ser eliminadas,
sendo protegidos somente os beneficiários do Bolsa Família. Subvenções, fundos
e financiamentos que utilizem recursos públicos devem ser evitados.
É preciso promover a diversificação, a desverticalização e o
livre acesso nas atividades de transporte, tratamento e armazenamento de
petróleo, derivados e gás natural. Com isso, e com os desinvestimentos da
Petrobras, poderá ser criado um segmento de logística competitivo. As regulações
estaduais e federal para o gás devem ser equalizadas. Como o sistema elétrico
também está passando por uma grande transformação, a regulação do gás natural
deve considerar essa nova realidade. O gás natural doméstico deve ganhar espaço
na geração térmica e nos mercados industrial, comercial e residencial.
A sonegação precisa ser reduzida. Por isso, é recomendável
uniformizar as alíquotas de ICMS e o cálculo do preço de referência dos
combustíveis para efeito de impostos. As políticas para biocombustíveis e
veículos elétricos devem ser compatibilizadas, levando em consideração as
emissões ao longo de toda a cadeia de geração e consumo da energia.
Os conflitos decorrentes do papel da Petrobras, como empresa
de capital aberto com controle estatal, devem ser superados. Em resumo, as
regras de mercado e a eficiência devem finalmente prevalecer no setor. Assim, a
indústria de petróleo e gás poderá deixar discussões de cunho ideológico no
passado, possibilitando que o debate sobre uma eventual privatização da Petrobras
seja feito de forma pragmática e objetiva, considerando a melhor alocação dos
recursos da União.
Enfim todo o potencial do setor poderá se traduzir em
crescimento econômico, geração de emprego e renda e aumento da arrecadação, da
competitividade e da produtividade da economia brasileira. A tempo de
contribuir na transição para uma economia de baixo carbono.
Décio Oddone é diretor-geral da Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
@CEP85 @Petrobrás
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.