Alexa Salomão e Vinicius
Neder, O Estado de S. Paulo
15 Março 2014 | 20h27
RIO - No atual debate
político econômico brasileiro, poucos têm posição tão clara como o economista
Edmar Bacha. "Não é segredo para ninguém que sou tucano", diz ele. Um
dos pais do Plano Real e hoje diretor da Casa das Garças, ponto de encontro
carioca reservado às discussões de temas de interesse nacional, Bacha defende
que o novo governo vai precisar impor um "desafazimento" da atual
política macroeconômica e lançar as bases para uma abertura comercial de longo
prazo.
Segundo Bacha, os
"pibinhos" são frutos do isolamento nacional. "Estou convencido
que para o Brasil crescer o caminho é a abertura para o comércio
internacional", disse na entrevista que se segue.
No evento que marcou os 20
anos do Plano Real, na semana passada, o senhor disse que no primeiro dia do
novo governo seria necessário retomar a reforma tributária. A agenda se resume
à reforma?
Edmar Bacha: Não. Com certeza
é mais ampla. Eu parto de um diagnóstico, com uma sequência de pontos. O
primeiro ponto é a constatação que estamos presos na chamada armadilha da renda
média. Desde 1981, o Brasil vem tendo um crescimento medíocre. Esse processo
parecia ter se alterado a partir de 2004. Porém, fica muito claro hoje que o
impulso adicional que a economia teve entre 2004 e 2011 foi fruto único e
exclusivo da bonança externa. A alta dos preços das commodities
(matérias-primas com cotação internacional) e a enorme entrada de capital nesse
período propiciaram e financiaram um extraordinário aumento da demanda interna.
Como havia no começo do período uma capacidade ociosa acentuada e um desemprego
alto, isso permitiu, durante esse período da bonança até 2011, que o País
crescesse mais do que vinha crescendo no período anterior. Com a reversão da
bonança, os preços das commodities começaram a cair e o fluxo de capital, por
circunstâncias diversas, se reverteu, e voltamos aos pibinhos. Associado a
esses pibinhos vem algo peculiar. Se temos pibinhos, deveríamos ter inflação
baixa. No entanto, ao contrário, estamos com inflação elevada para os padrões
dos nossos vizinhos - com exceção de Argentina e de Venezuela, que ninguém mais
leva em conta. Há também déficit externo, quando pibinhos são associados a
superávits comerciais. Esse conjunto denota que a economia brasileira tem uma enfermidade.
Estamos diante de uma doença brasileira, que se forma pela associação de baixo
crescimento, alta inflação, déficit externo e, para compor o quadro,
desindustrialização. O que se constata é que o pibinho não é produto do atual
governo, não é cíclico. É uma característica da economia brasileira há 30 anos.
Uma característica quase secular - o País tem limitações para fazer a transição
para o primeiro mundo.
Qual o segundo ponto do
diagnóstico?
Edmar Bacha: O segundo ponto
é o que se vê quando listamos os países que, no pós-guerra, conseguiram fazer a
transição da renda media para a renda elevada. Não foram muitos. Na minha
conta, foram uns dez. Os Tigres Asiáticos e Israel fizeram a transição com base
na indústria exportadora. Os países da periferia europeia - Portugal, Espanha,
Grécia e Irlanda - fizeram a transição com base em prestação de serviços,
inclusive com a concessão de mão de obra para a comunidade europeia. O terceiro
conjunto de países inclui Austrália, Nova Zelândia e eu também colocaria no
grupo a Noruega. Até o final dos anos 1960, a Noruega era o mais pobre entre os
nórdicos e agora é o mais rico. Esses três países fizeram a transição na base
de produtos naturais. Cada um fez a transição a sua maneira, mas com uma
característica comum: todos se integraram a um mercado maior e encontraram
nichos a partir dos quais conseguiram se desenvolver. Isso é empírico. A
transição ocorreu por meio da integração internacional. Analiticamente, parece
claro - para transitar da renda média para a alta renda, o nome do jogo é
produtividade. Para todos esses países havia acabado a fase fácil em que se
conseguia aumentar a produtividade trazendo gente da cidade para o campo - a
fase em que a China e a Índia ainda se encontram. Como o ambiente urbano é mais
produtivo que o campo, a mera transição do campo para a cidade, num contexto
frequentemente de substituição de importações, permite que se faça a transição
da pobreza para a renda média.
O Brasil já fez essa
transição no mercado de trabalho, não? Hoje, nem a demografia ajuda mais.
Edmar Bacha: Com certeza. É
fato que acabou o excesso de mão de obra. Somos todos urbanos e não há mais
crescimento da mão de obra. Mas nesse contexto temos que nos perguntar o que é
produtividade. Em parte, é tecnologia. É preciso utilizar bens de capitais e
insumos modernos. Produtividade também é escala. É preciso ter um mercado amplo
para ter acesso aos benefícios da escala. Isso é uma característica da produção
moderna. Terceiro, é preciso especialização. As empresas devem estar focadas
naquilo em que são boas. Quarto, é preciso ter concorrência. Esse conjunto de
fatores só se encontra quando um país se integra ao comércio internacional.
Nisso está nosso problema. Quando comparamos o Brasil ao resto do mundo, para
surpresa de muita gente, o País está em outra direção. Entre os 176 países para
os quais os Banco Mundial tem dados, o Brasil é o que tem menor participação
das importações no PIB - 13%. Contei isso para dois colegas da PUC-Rio num
almoço e eles perguntaram: mas você tem certeza disso? Sim. O Brasil é o País
mais fechado do mundo, sem considerar a Coreia do Norte, para a qual não há
dados. E isso ocorre dos dois lados da balança. É assim tanto para importações
quanto para exportações. O Brasil é um gigantinho em termos de PIB - é o sétimo
do mundo. Mas é um anão em termos de exportações - o vigésimo quarto. Todos os
outros seis que vêm antes do Brasil têm grandes PIBs e são grandes
exportadores. A União Europeia, os Estados Unidos, a China, o Japão. Todos têm
essas características. O Brasil é um grande que não exporta. Se ainda há alguma
dúvida sobre a situação em que se encontra o Brasil, podemos fazer mais uma
comparação. Nos anos 1960 e 70, a Coreia do Sul também crescia com base na
substituição de importações, mas a partir do choque do petróleo, em 1974, houve
uma total inversão na sua estratégia. O país passou a praticar uma forte
política de promoção às exportações. Hoje, a Coreia exporta 58% do PIB. O
Brasil exporta 12% do PIB. Há 40 anos, o PIB per capita da Coreia do Sul era
praticamente igual ao do Brasil. Hoje, é três vezes maior do que o brasileiro.
A Coreia tem grandes grupos empresariais exportadores, com tecnologia de ponta,
educação de primeira. Se começarmos a fazer uma lista de requisitos para o desenvolvimento,
não vamos parar mais. Volta e meia tem gente que faz uma lista de tudo que
precisa ser consertado no Brasil e na hora que você vê a lista fica
desesperado. Se é preciso consertar tantas coisas, não vamos chegar lá. Mas
como Hirschman (Albert Hirschman, economista americano) nos ensinou: temos de
pensar em termos de estratégia. Quais são os fatores críticos que, uma vez
alterados, forçam o realinhamento do resto? Estou convencido, por todas as
razões que acabo de falar, que para o Brasil crescer o caminho é a abertura
para o comércio internacional.
Pela sua exposição, foi feito
tudo ao contrário do que se deveria, então.
Edmar Bacha: Sim. Hoje temos
uma economia improdutiva, de alto custo, que sobrevive com enormes níveis de
proteção. Nossos altos preços são frutos de uma economia fechada. A resposta do
governo para toda essa problemática, principalmente depois de 2007, foi fechar
mais. Quando o governo viu a desindustrialização e a incapacidade de concorrência
das nossas empresas, ele aumentou as tarifas de importação e reduziu o IPI para
produtos como automóveis produzidos localmente. Houve uma generalização da
política de conteúdo local, da ideia de adensamento produtivo e da percepção de
que é preciso criar mais proteção. Vou usar uma analogia. Vocês são muito
jovens e não vão lembrar, mas tudo bem. Nos bondes de Belo Horizonte, nos anos
1950, havia anúncios do Regulador Xavier, O Grande Amigo da Mulher. Número 1:
excesso. Número 2: escassez. Nós temos escassez de exportação e, portanto,
precisamos de Regulador Xavier número 2. Abertura. Mas o governo está usando
como remédio o Regulador número 1, que é para excesso. Faz isso porque vê
excesso de importações. E ainda tenta corrigir o problema setorialmente. Vai
setor por setor, olhando qual é o déficit comercial. Na indústria da saúde -
esse eu sei - o déficit é de US$ 11 bilhões. Na indústria de eletrônicos - esse
eu também sei - US$ 16 bilhões. Em função dos déficits setoriais, o governo
cria estratégias de proteção, via subsídios creditícios do BNDES e via
requisitos de conteúdo local, exagerados. São excrescências. E há ainda uma
terceira excrescência: os PPBs, Processos Produtivos Básicos. Se você quer se
beneficiar dos subsídios e da proteção para produzir a tomada de três pontas -
esse grande avanço tecnológico brasileiro (risos) - basta submeter um projeto
ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, apresentando
especificações das diversas etapas do processo produtivo, e um burocrata do
ministério vai dizer quanto você tem que comprar de produto local para produzir
aquele bem. É a mesma coisa por todos os lados: para dar uma resposta à baixa
produtividade o governo aumenta a improdutividade, criando e ampliando toda
essa parafernalha. Vou dar um exemplo bem pequenininho. A Unesco está lançando
um concurso de projetos, voltado a pesquisadores de universidades interessados
em fazer um estudo analítico sobre como aprofundar a política de adensamento
produtivo, de maneira a beneficiar os setores mais atingidos pela onda das
importações. Veja você: é um projeto realmente encomendado e financiado por
alguém do Brasil para a Unesco e a gente sabe que vai ter só uma proposta, de
uma universidade do interior paulista. A gente precisa romper com essa
combinação desastrosa que existe no Brasil de hoje.
O argumento usado em favor da
proteção é de que o País precisa preservar empregos e setores mais frágeis da
economia. A abertura será necessariamente traumática?
Edmar Bacha: Primeiro eu vou
ter de convencer que a abertura é o caminho. Feito o convencimento, teremos de
definir a estratégia - e essa estratégia precisa passar por dois testes. O
teste de política econômica, que cumpra com requisitos básicos como eficiência,
geração de emprego, desenvolvimento de tecnologias, e o teste do setor, porque
é preciso levar em conta que a estratégia pretérita criou grupos de interesse e
realidades subjetivas. As multinacionais vieram para o Brasil com o compromisso
implícito do governo de que o nível de proteção não iria abaixar. Eu mesmo vi
isso. Conversando com representantes de indústrias químicas interessadas em se
expandir, eles só diziam uma coisa: "mas vocês garantem que não haverá
redução das tarifas depois de a gente entrar? Daqui a gente não consegue exportar.
Se houver redução das tarifas a seco, vamos à falência porque nossos
concorrentes, que produzem lá fora a preços bem mais baixos, vão conseguir
vender aqui com muito mais facilidade." Como fazer a transição é um
problema e, para superá-lo, eu tenho uma proposta baseada em três pilares. O
primeiro pilar é reduzir o Custo Brasil. Os empresários têm toda razão de
reclamar do peso e da complexidade da carga tributária brasileira. Têm toda
razão de reclamar da falta de logística, da precariedade de nossos portos,
estradas e aeroportos. Portanto, o primeiro pilar é atender a esse reclamo. Por
isso, eu disse que no primeiro ano do novo governo é importante dar uma limpada
de área e fazer uma reforma tributária que ao menos simplifique o sistema. O
Dornelles (Francisco Dornelles, senador) tem a proposta do VAT (termo em inglês
para Imposto de Valor Adicionado, ou IVA) nacional, que teria impacto sobre
toda a estrutura. O resultado seria extraordinário em termos de redução da
complicação e do aparato de pessoas e processos administrativos e judiciários,
contadores e advogados, que as empresas precisam manter para atender e muitas
vezes se contraporem as exigências do fisco. Uma coisa que só aumenta a
improdutividade da economia. Uma simplificação é essencial. Assim como é
essencial entrar de corpo e alma no processo de concessões para termos portos,
aeroportos e estradas com a mínima condição de escoar nossa produção. É um
programa para sete anos - os três anos do primeiro, mais os quatro do segundo
mandato...
É o que o sr. já chamou de
Plano Real para a indústria?
Edmar Bacha: Dei esse nome lá
atrás para chamar a atenção.
O sr. rebatizou?
Edmar Bacha: Com esse nome,
ficava banalizado. O Real foi o que foi. Usei esse nome como uma maneira de
chamar a atenção para o projeto - e funcionou. Fui chamado para falar na Fiesp
(Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), no Sindicato dos
Metalúrgicos de Santo André, no Itamaraty, no Senado. As pessoas já estão
atentas à substância do projeto.
Quais os outros pilares do
plano?
Edmar Bacha: O segundo ponto,
como dizia, é trocar todo o aparato protecionista - tarifas, preferência por
compras governamentais, política de conteúdo nacional, o crédito subsidiado e
outros - por câmbio. O câmbio não é de graça. Se fosse de graça, seria inflacionário.
Mas no contexto em que você está reduzindo o custo dos importados, pode se dar
ao luxo de elevar o preço das exportações. Ao substituir a proteção tarifária
pela proteção cambial, já se faz seleção natural. Quem se beneficia da proteção
cambial são as empresas e setores mais eficientes, com maior capacidade
exportadora. Não será preciso manter um aparato de microgerenciamento, como há
hoje. É claro que será preciso ter mecanismos indutores. O governo vai precisar
ficar atento a quais são as vantagens naturais existentes, aos rumos da
tecnologia mundial, a como se defender de concorrentes comerciais, onde é
possível entrar mais facilmente. Esse é um enorme papel para o Estado dentro de
uma política industrial voltada à integração da economia brasileira às cadeias
internacionais de valor. Isso vai substituir a atual política de adensamento
produtivo. A terceira perna são os acordos comerciais. Vamos abrir, sim, mas
não vamos entrar no jogo de graça. A decisão de abrir é unilateral e
progressiva. Precisa ficar claro para as multinacionais que estão aqui que o
jogo mudou, mas que elas terão tempo de se adaptar. Poderão deixar de produzir
tudo localmente e se integrar às suas filiais e subsidiárias internacionais. O
comércio internacional de hoje não é igual ao que existia no tempo de David
Ricardo (economista inglês, um dos pais da escola clássica no século XIX),
quando Portugal exportava vinhos e importava tecidos da Inglaterra. Hoje o
comercio é intrasetores e intrafirmas, dentro das indústrias, como a
automobilística. Mais recentemente, ele se tornou intraprodutos. Onde o iPad é
produzido? Depende de que nível estamos falando. Ele é concluído na China por
uma empresa de Taiwan. O comércio internacional é feito por essas cadeias
globais de valor - das quais o Brasil se isolou totalmente. Há um problema de
fato geográfico - mas aí vou entrar no detalhe. Posso?
Claro. Mas aproveitamos para
perguntar: como fica o Mercosul?
Edmar Bacha: A questão é
justamente essa. As cadeias globais têm uma localização geográfica. Há uma na
União Europeia. Outra na América do Norte, no entorno dos Estados Unidos. Há
uma terceira Ásia. Nós ficamos isolados, mas podemos começar nossa cadeiazinha
aqui. O fato é que com a atual política distorcida do Mercosul, como bem notou
José Roberto (José Roberto Mendonça de Barros tratou do tema no evento sobre o
Plano Real, na última quarta-feira), o projeto original da integração
automobilística pretendia aproveitar a expansão regional, produzir tipos
específicos de automóveis, que depois seriam exportados para o mundo. No
entanto, virou esse meleiro geral. Como ele disse: vão entrar não sei mais
quantas montadoras aqui no Brasil e vai sair carro pelos tubos, porque esse
carro produzido aqui não pode ser exportado. Não tem preço. Então, temos que
voltar ao projeto original de integração econômica, e física também, da América
do Sul. Mas é uma integração regional com visão globalizada. Não é para fazer,
o que era o projeto original da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina
e o Caribe, das Nações Unidas), a substituição de importações a nível regional.
Não se trata disso. Temos que aproveitar a proximidade regional e as diferentes
vocações dos países para fazer uma complementação produtiva, de tal forma que
facilite, numa segunda etapa, a integração com o resto do mundo.
Em algum momento o sr. fez
uma estimativa do quanto o País poderia crescer com esse processo de abertura?
Edmar Bacha: Dá para chegar
em 2030, aonde Portugal está, e ter US$ 24 mil (de renda per capita). Esse é que
é nosso objetivo para um horizonte de longo prazo. Isso envolve, basicamente,
uma trajetória de crescimento de em torno de 5% ao ano.
Foram preciso décadas para
implantar um plano de combate a inflação que funcionasse. Há espaço político
para a implantação de um plano de abertura como esse?
Edmar Bacha: Você se lembrará
que, em 1993, a equipe econômica foi muito relutantemente convocada a serviço
do Plano Real, porque achava que não havia condições políticas para tal.
Portanto, as condições políticas propícias para o Real foram após ele ter tido
sucesso. Vistas "ex ante", as condições eram péssimas. Você tinha um
governo de um vice-presidente (Itamar Franco, empossado após o impeachment do
ex-presidente Fernando Collor de Mello), que não tinha legitimidade, não tinha
maioria no Congresso, só tinha mais dois anos pela frente e havia demitido três
ministros da Fazenda em sete meses. Que condições políticas eram essas? Era uma
desgraça! Um plano desse tipo você implanta no primeiro ano de um governo
recentemente eleito, com poder político e com capacidade de implementar todas
as medidas que o plano exige. Por que a gente fez tanta ênfase em votar o Fundo
Social de Emergência antes de introduzir a URV (Unidade Real de Valor,
indexador que precedeu o lançamento do real)? Como você gera um processo de
expectativas que se volte a seu favor? O Fernando Henrique anunciou o plano em
três etapas. A primeira era mandar uma emenda constitucional para o Congresso.
Se o Congresso aprovar, vamos implementar a unificação do sistema de indexação.
Feita a indexação, vamos introduzir a nova moeda. Ou seja, estou dizendo para
os políticos: "lá na frente, eu vou eleger vocês. Mas só vou eleger vocês
se antes disso me derem o ajuste fiscal". Havia essa sequência. Era época
de reforma constitucional, prevista na Constituição de 1988, e você sabe que
outra reforma constitucional nós passamos em 1993? Além dessa, acabamos com a
proibição para que professores estrangeiros lecionassem nas universidades
públicas brasileiras. Eu fiz um pacote de reformas constitucionais para
acompanhar o plano, junto com o Serra (José Serra, ex-ministro da Saúde) e com
o Jobim (Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça). Era um pacote desse tamanho de
reformas. Alguma coisa foi aprovada? Não. Zero. Isso virou o programa do
Fernando Henrique no primeiro mandato.
Como a proposta de abertura
comercial tem sido recebida?
Edmar Bacha: Na verdade, me
surpreendo com o quão favorável é a resposta. Os empresários raciocinam o
seguinte: "eu jogo a regra do jogo". Se a regra do jogo é a proteção
e o subsídio dentro desse contexto de manutenção do elevado Custo Brasil, o
empresário passa boa parte do seu tempo em Brasília e na Avenida Chile (onde
fica a sede do BNDES, no Rio), em vez de ficar trabalhando na fábrica. O empresário
sabe que se ele não for, o concorrente vai. Ele tem que jogar o jogo que o
governo está jogando. E ele joga insatisfeito. É clara a insatisfação dos
empresários. Os bons empresários, que têm capacidade e eficiência, sabem que
dentro dessas regras não há como sobreviver. Agora, ao anunciar que as regras
serão alteradas, que tudo será transparente, que vai dar tempo para se ajustar,
que as regras serão iguais para todos e ao mostrar que o governo tem poder
político para fazer, o empresário topa a mudança.
E como fica o BNDES?
Edmar Bacha: O BNDES, depois
da crise, foi totalmente desvirtuado. O mercado de capitais estava se
desenvolvendo e o BNDES se voltando para duas grandes linhas - de
complementação do financiamento privado e de especialização em nichos muito
críticos, mas que o setor privado não vai atacar, como infraestrutura e alta
tecnologia. Mas, de repente, o BNDES virou a mãe do todos os empresários
brasileiros. Abriram o Tesouro para ele fazer tudo o que queria e o BNDES se
tornou esse Golias - não, Golias não, isso seria uma homenagem. Tornou-se esse
gigante balofo que está aí, que, na verdade, em vez de complementar, está
substituindo o mercado financeiro, inibindo o desenvolvimento financeiro do
País, distorcendo a alocação de recursos, criando um orçamento paralelo que não
é votado pelo Congresso, que não é incluído nas contas públicas, tornando ainda
menos transparentes as contas públicas brasileiras. O BNDES virou uma desgraça
e certamente ele tem que voltar aos trilhos de antes dessa expansão
extraordinária, propiciada por uma percepção equivocada das consequências da
crise econômica financeira internacional de 2008 e 2009.
A sua proposta de abertura
inclui eleger setores ou que sobreviva quem é eficiente apenas?
Edmar Bacha: Não, não é a volta
de Joaquim Murtinho (ministro da Fazendo na virada do século XIX para o XX, que
pregou a eliminação dos produtores ineficientes). É preciso, dentro de uma
perspectiva de 30 anos, ter em mente vocações básicas. Onde já há promessas
interessantes? A política industrial continua existindo. Mas não é eleição de
setores. Os setores, de certa maneira, se auto elegem. O que pode ocorrer é a
localização de nichos promissores, que ainda vão precisar de um tempo. Quando
vejo o governo dizer que está fazendo no pré-sal a mesma coisa que a Noruega
fez, é uma maluquice. A Noruega montou uma indústria ancilar ao petróleo. Tinha
conteúdo nacional, tinha proteção, tinha mecanismos de subsídio até - mas
olhava para os setores promissores, sob o a ótica de se construir uma indústria
exportadora. Foi isso que a Noruega fez. Se no Brasil há setores promissores,
que precisam de proteção localizada temporal, será dada, mas dentro dessa
perspectiva. Uma hora acaba e o setor protegido vai ter de ser competitivo
internacionalmente. O mercado interno não vai estar disponível para ele a um
preço diferente do de seus competidores internacionais.
Em paralelo a isso, como será
a política macroeconômica - a fiscal, a cambial?
Edmar Bacha: O que estou
falando aqui é uma política de longo prazo. O projeto de longo prazo se
estrutura em torno desse eixo da integração competitiva. Volta e meia vai bater
um pouquinho de frente, ou de lado, com requisitos da política macroeconômica
de curto prazo. Por exemplo: o câmbio. Como se coaduna a ideia de substituir
tarifa de importação por câmbio, com a ideia de que o câmbio tem que flutuar
livremente? Se coaduna mal. Digamos que o governo, no primeiro ano de mandato,
anuncia que vai alterar de maneira fundamental a política industrial deste
País. Doravante, todos nossos instrumentos de ação governamental estão voltados
para reindustrializar o País na base da integração competitiva com o resto do
mundo. Para isso, aqui está um programa, que vou implantar ao longo de certo
número de anos. Ele inclui, por exemplo, que, no fim de sete anos, a tarifa
média de importação vai ser de 5% e a máxima, de 10%. E inclui que essa
política de conteúdo local, tal qual vem sendo aplicada agora, vai desaparecer.
Não vamos mais determinar onde e quando proteger os setores com base em
déficits comerciais setoriais. Se houver déficits, vamos tratar de resolvê-los
por aumento de exportações e não por redução de importações. Número dois e não
número um (referência à propaganda do remédio dos anos 50). Se houver
determinação política e credibilidade, os agentes econômicos vão olhar e vão
dizer: "vai haver uma inundação de importações". Se eu estou lá no
mercado financeiro, penso: "caramba, daqui a dois anos vai começar a
aumentar a quantidade de importações. Para importar, você precisa de dólar. Vai
aumentar muito a demanda de dólares. Se a demanda por dólares vai aumentar, no
ano que vem, o dólar, que está hoje R$ 2,30, vai a R$ 2,80. Cara, vou comprar o
dólar hoje." O que acontece então? O dólar vai a R$ 2,80 hoje. Isso se você
acredita na perfeita racionalidade dos mercados. Isso se forem pessoas que
sabem o que estão fazendo, que vão fazer e que têm condições políticas para
fazer. O que os agentes econômicos fazem? Antecipam. Por que o Plano Real deu
tão certo? As pessoas disseram: "deixa eu entrar nessa jogada logo".
E a questão da inflação?
Edmar Bacha: Como já disse o
Pérsio (Pérsio Arida, um dos formuladores do Plano Real), precisamos de um
"desfazimento" de todas as distorções criadas nos últimos anos no
contexto dessa "defunta nova matriz macroeconômica". Como parte da
defunta, há um processo de segurar a inflação através do controle de preços
básicos, especialmente energia e petróleo. Obviamente, isso vai ter que ser
desfeito. Mas como faz se esse processo? É melhor fazer de uma vez ou por meio
de um de ajuste?
O que o sr. acha mais
adequado?
Edmar Bacha: Vai depender.
Quem chegar lá terá de avaliar as condições macroeconômicas. Em um de seus
livros, Inflação: gradualismo ou tratamento de choque, de 1970, Simonsen (Mario
Henrique Simonsen, ex-ministro da Fazenda) queria o tratamento de choque.
Bulhões (Otávio de Gouveia Bulhões, também ex- ministro da Fazenda), o
gradualismo. Ganhou o gradualismo. Foi por isso que a gente não conseguiu
baixar a inflação. Teria sido melhor fazer um tratamento de choque naquela
época? Sim, diria hoje. Era melhor ter sofrido um ou dois anos, mas ter 20 à
frente. É possível, politicamente, fazer isso? Sabemos que, se for um governo
de oposição, o acirramento vai ser extraordinário. Como isso combina com
mecanismos outros que o governo possa acionar para compensar esse agravamento
dessa distorção de preços? O custo de vida vai subir. Como evitar que isso se
transforme num ciclo inflacionário? Tudo isso vai depender um pouco da
avaliação concreta de quais são as condições macroeconômicas e as condições
políticas de implementação da uma política. O segredo todo é trazer o público
com você. Quer dizer: "olha, nós vamos fazer isso". Agora, como você
faz isso sem que haja antecipações negativas? Esse que é o problema de uma
política econômica transparente. Você não anuncia que vai desvalorizar o câmbio
amanhã, porque hoje o mercado desvaloriza em cima da sua cara. Você tem que
entender o processo de formação de expectativas e tratar de usá-lo a seu favor
- e não contra você.
Mas explique melhor como
seria feito esse "desfazimento"?
Edmar Bacha: Será preciso
colocar o tripé de novo de pé. Mas, ao lado disso, temos que considerar as
questões levantadas pelo Armínio (Armínio Fraga, ex-presidente do BC). Uma vez
que você reconstruiu o que foi abalado, no ponto em que estava, temos que
continuar o processo de construção institucional nas áreas monetária e fiscal.
Porque o tripé, como bem apontou o Pérsio, era manco. Ele funcionava com base
numa taxa de juros absurda. E queremos um tripé que funcione com base numa taxa
de juros internacional. Portanto, precisamos continuar construindo as
instituições que apoiem a política monetária para que ela tenha uma maior
potência e possa fazer com menos juros o mesmo trabalho sobre a inflação. Tenho
ideias sobre isso, no meu "artiguinho" de 2011: "Além do
tripé".
Qual seria a linha?
Edmar Bacha: Estabelecer teto
para dívida líquida e bruta, meta inflacionária de longo prazo, com limite para
o crescimento do gasto público. Tudo isso é parte do processo.
O sr. já apresentou essa
proposta a algum candidato?
Edmar Bacha: Obviamente eu
discuto essas ideias. Vocês devem querer saber sobre a minha relação com o
Aécio (Aécio Neves, senador por Minas Gerais e provável candidato do PSDB à
Presidência da República). Não é segredo para ninguém que sou tucano. Mas não
estou na campanha. Quando o Aécio me pergunta alguma coisa, eu apenas digo o
que eu acho.
Vocês têm conversado?
Edmar Bacha: Não. A última
vez que conversei com o Aécio foi sobre o discurso dele. Esse discurso que ele
fez sobre o Real.
Que cenário o sr. está vendo
para a campanha?
Edmar Bacha: Do nosso lado
houve o apaziguamento interno. Desde o Fernando Henrique, esta será a primeira
eleição em que o partido vai estar íntegro, apoiando um candidato. O trabalho
do Aécio foi feito todo em cima disso e foi conseguido. O partido está
unificado. Agora, temos que conseguir os palanques regionais. É isso que o
Aécio está falando atualmente. A etapa final é na hora em que a TV se abre,
após o fim da Copa. Aí vamos para o debate público.
A economia vai ter um peso
maior nessa eleição?
Edmar Bacha: Do jeito que as
coisas estão indo, com certeza. A insatisfação existe. É uma insatisfação
difusa. O emprego ainda está alto, mas, por outro lado, os preços estão saindo
do controle. Existe medo do que o futuro promete. Há muita insatisfação com a
qualidade dos serviços públicos. Existe o desejo de mudança. Isso está nas
pesquisas de opinião pública. As pessoas estão insatisfeitas, estão querendo
alguma coisa nova.
@economia @Brasil
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