Quinta-feira, 7 de Fevereiro de 2019 - 04:34
Valor Econômico | Opinião
Dalia Marin
Por que a Alemanha, o berço de inovadores que fizeram história, como Johannes Gutenberg e Albert Einstein, não produziu gigantes da alta tecnologia como Google, Amazon ou Facebook? Alguns atribuem a culpa ao estigma associado ao fracasso da Alemanha por desestimular o empreendedorismo inovador. Outros apontam para obstáculos burocráticos à abertura de uma empresa. Mas existe outro motivo, mais alarmante, pelo qual a Alemanha perdeu seu impulso inovador: seus potenciais pioneiros, originários de famílias desfavorecidas, não estão tendo a oportunidade de se desenvolver.
De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a elasticidade intergeracional de renda é, na Alemanha, de cerca de 50%, o que significa que, se os pais da pessoa A ganhavam o dobro do que os pais da pessoa B, a pessoa A vai ganhar, em média, 50% mais que a pessoa B. Com diferenciais de rendimentos tão persistentes entre gerações, a Alemanha tem uma das taxas mais baixas de mobilidade intergeracional da OCDE – onde a elasticidade média é de 38% —, e ela parece estar diminuindo.
Taxas baixas de mobilidade intergeracional nas economias avançadas correspondem, muitas vezes, a altas taxas de desigualdade de renda. O que o economista Alan Krueger, da Universidade de Princeton, chamou de “a curva do Grande Gatsby” ilustra a inter-relação entre concentração de renda em uma geração e a capacidade dos membros da geração seguinte de ascender na escala econômica.
Nos Estados Unidos, na medida em que altos níveis de desigualdade de renda — e da concomitante desigualdade de oportunidades — inibem a mobilidade econômica intergeracional, o banco de inovadores potenciais do país encolhe. Em recente pesquisa pioneira — “The Opportunity Atlas: Mapping the Childhood Roots of Social Mobility” —, o economista Raj Chetty, de Harvard, e seus coautores usam Big Data para demonstrar esse fenômeno — e os enormes custos que ele implica.
Com base em dados sobre 1,2 milhão de inventores e de seus pais — que abrangem grau de instrução, notas de testes e renda —, o estudo revelou que 8,3 filhos de cada 1.000 famílias pertencentes ao 1% de maior renda da população se tornam inventores. No caso das famílias com renda inferior à média, esse número cai para apenas 0,84 filho por 1.000 famílias.
Isso não ocorre porque filhos de famílias de alta renda são mais talentosos. De acordo com “The Opportunity Atlas”, para cada 1.000 crianças do terceiro ano do ensino fundamental de famílias de renda mais elevada (dos 20% de maior renda da população) com notas de matemática no percentil 90, 7 se tornam inventores. Entre filhos de famílias de renda inferior (os 80% que menos ganham), essa proporção cai para apenas 3 em 1.000.
A renda, é claro, não é o único fator determinante. Apenas cerca de duas meninas com notas altas em cada mil se tornam inventoras, comparativamente a 6 meninos por mil. A raça também tem seu efeito: crianças negras ou latinas, por exemplo, tendem menos do que seus pares brancos a se tornar inventoras.
O que está na raiz dessas diferenças? “The Opportunity Atlas” mostra que comunidades dotadas de taxas mais elevadas de registros de patentes geram muito mais inventores por grupo de mil crianças. Isso não ocorre porque filhos de inventores herdem, de alguma forma, uma aptidão natural para a inovação.
A resposta pode estar, em vez disso, na exposição à inovação durante a infância. Chetty e seus colegas detectaram que a experiência de ver a inovação acontecer é suficiente para estimular as próprias crianças a inovar. A pesquisa dessa equipe também indica que, se as meninas forem expostas a histórias de inventoras tanto quanto os meninos são expostos às de inventores, a diferença de gênero na esfera da inovação se reduziria à metade.
As implicações econômicas dessas descobertas são profundas. “The Opportunity Atlas” estima que, se as mulheres, as minorias e os filhos de famílias de baixa renda inventassem com a mesma frequência que a dos homens brancos de renda elevada, a taxa de inovação nos EUA quadruplicaria.
Na Alemanha, a desigualdade de renda é menor que a observada nos EUA, e a Alemanha oferece educação gratuita para todos, inclusive no terceiro grau – o que constitui um poderoso nivelador social. Mas a taxa de mobilidade social da Alemanha continua inferior à dos EUA — e o país está pagando o preço por isso. Em recente sondagem, os empresários alemães citaram a falta de talentos relevantes como um empecilho de peso à atividade das “startups”.
Sem dúvida, a Alemanha precisa aprimorar o trabalho de fomentar o talento inovador em sua população jovem de todas as faixas socioeconômicas, raças e gêneros. A julgar pelo que “The Opportunity Atlas” descobriu, isso pode ser obtido por meio de programas, digamos, personalizados de mentoria e de estágios que aumentem a exposição das crianças à inovação.
Com base no quadro atual, os esforços da Alemanha de impulsionar a inovação são focados em novos incentivos fiscais para pesquisa e desenvolvimento. Mas subtrair alguns poucos pontos percentuais dos impostos pagos por grandes inventores — que ganham mais de US$ 1 milhão ao ano, em média — pouco tende a ter um impacto sensível sobre seu comportamento. Se o banco de talentos continuar limitado, os incentivos fiscais destinados a promover a inovação terão maior tendência de aumentar os lucros dos que já estão inovando do que de aumentar o número total de inovações.
O que complica esse efeito é o fato de que fica mais difícil alcançar novas fronteiras na medida em que o volume total de conhecimento cresce. De acordo com uma estimativa, produzir hoje o mesmo volume de novos conhecimentos que o de 80 anos atrás exige um número cerca de 20 vezes maior de pesquisadores.
Isso implica que, para a Alemanha — ou qualquer país — alcançar seu potencial de inovação, precisará adotar uma estratégia focada em pessoas. E essa estratégia tem de enfatizar a igualdade de oportunidades e a exposição à inovação, principalmente entre as crianças que obtêm as maiores notas.
A taxa de mobilidade social da Alemanha continua inferior à dos EUA e o país está pagando o preço por isso. Em recente sondagem, empresários alemães citaram a falta de talentos relevantes como um empecilho de peso à atividade das “startups”
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