Terça-feira,
12 de Fevereiro de 2019 - 04:23
Valor
Econômico | Brasil
Quase todo
mundo conhece um caso parecido, mas o local e as circunstâncias tornam esse
episódio digno de registro: em uma mesa, embaixo de uma pérgula coberta de
plantas, quatro mulheres e um homem almoçam. Ninguém conversa entre si. Nem
observa a natureza, como seria comum esperar de quem vai ao Jardim Botânico de
São Paulo, em uma manhã ensolarada de sábado. Em vez disso, permanecem quietos
e de cabeça baixa. Não olham sequer para os pratos — o que monopoliza a atenção
de todos na mesa é o celular.
No Brasil,
há mais celulares que habitantes, os mais jovens têm os melhores aparelhos, e o
tempo gasto com esses dispositivos está entre os maiores do mundo.
Em
novembro, dado mais recente disponível, o país contava com 231,8 milhões de
linhas móveis ativas, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel). Isso para uma população de 208,5 milhões de pessoas. Feitas as
contas, a proporção é de 1,1 linha por habitante.
Ao
contrário do que seria de supor, os telefones mais sofisticados são comprados
pelo consumidor mais jovem, e não pelo público maduro, que tem poder aquisitivo
maior. Um extenso relatório publicado na semana passada pelo instituto
americano Pew Research Center mostra que 85% dos brasileiros entre 18 e 34 anos
são donos de smartphones, que trazem inúmeras funções e acesso à internet.
Entre as pessoas com mais de 50 anos, só 32% têm um aparelho desse tipo.
Considerando toda a população adulta, 60% dos brasileiros têm smartphones, e
23%, celulares mais simples. Os 17% restantes ainda não carregam nenhum tipo de
telefone móvel.
Passa-se
bastante tempo à frente do celular, que há muito deixou de ser um aparelho
apenas para se falar com os outros. A chamada de voz, aliás, tornou-se função
secundária. Foi sobrepujada por outras atividades, como mandar e receber
mensagens, ouvir música, ver vídeos e navegar na web. No ano passado, os
brasileiros passaram mais de três horas por dia ao celular, segundo a App
Annie, companhia de análise de mercado. O país ficou em 5 lugar nesse ranking,
atrás apenas de Indonésia, Tailândia, China e Coreia do Sul.
Os
brasileiros têm, em média, 70 aplicativos instalados em seus celulares, dos
quais usam, com frequência, pouco mais de 30.
Diante de
um quadro como esse, é fácil culpar os celulares como responsáveis pelo fim da
boa conversa, feita cara a cara, sem intermédio da tecnologia.
De fato, é
difícil não se sentir incomodado quando seu amigo pede “um momentinho” e o
deixa esperando 20 minutos enquanto conversa com outra pessoa ao celular. Ou
quando alguém na sala ri do nada e você percebe que a piada vem do Facebook, do
Twitter ou do WhatsApp — não do grupo reunido no local.
A
influência da tecnologia no comportamento das pessoas é inegável. Ao
proporcionar novas formas de relacionamento a distância, as inovações
tecnológicas estimulam alterações das normas de convívio social — algumas
bem-vindas, outras não.
Seria
injusto, porém, atribuir à tecnologia 100% da culpa pelos ruídos que interferem
cada vez mais no diálogo entre as pessoas — sentimento expresso na crença de
que o celular passou a isolar as pessoas, em vez de aproximá-las.
Quem
separa as pessoas não é a tecnologia — são elas mesmas.
A
experiência tecnológica não abre mão da experiência humana. Ao contrário,
depende dela. É nesse sentido que a preferência dos brasileiros pelas redes
sociais — 50% do tempo gasto nos celulares é dedicado à mídia social, segundo a
App Annie — pode fornecer pistas importantes sobre esse comportamento.
Analistas
de mídia digital observam que a página principal de uma pessoa, a chamada
“timeline”, costuma refletir suas próprias convicções. Como as interações mais
frequentes são com familiares e amigos que pertencem à mesma classe social,
filiação religiosa ou inclinação política, a tendência é de homogeneidade das
opiniões. Posições divergentes costumam ser duramente criticadas nas redes, e
muitas vezes a conversa descamba para ataques pessoais. O diálogo fica difícil,
quando não impossível.
A decisão
de preferir o celular — e as relações à distância — talvez seja indício de que
as pessoas estão caminhando para viver em bolhas de interesse, sem contradições
aparentes, em vez de lidar com posições divergentes e com o conflito que,
eventualmente, advém disso. E como cada bolha acredita refletir a opinião
“correta” ou dominante, resta às demais ficar com o papel de “errada” ou de
“minoria”.
As
consequências dessa percepção podem ser graves. Uma delas é a disseminação das
notícias falsas. Depois de encontrar um terreno fértil nas redes sociais, as
“fake news” espalharam-se para aplicativos de mensagens instantâneas como o
WhatsApp. Ao receber a mensagem de alguém em quem confia, a tendência é a
pessoa repassá-la, sem investigar se ela é verdadeira. E, como essa comunicação
é privada, fica mais difícil detectar a fonte da desinformação.
Não há
respostas fáceis aos desafios da tecnologia, em particular do celular. Tentar
impedir seu avanço seria tanto ineficaz quanto indesejável. Novas formas de
interação estão em todos os lugares e fornecem ferramentas poderosas para
estimular a colaboração no trabalho e a criação de formatos educacionais
inovadores, entre outros fatores positivos.
Mas é
recomendável um olhar atento sobre a maneira como se usa a tecnologia. Pais
podem limitar o tempo que filhos pequenos passam jogando ou mexendo em
aplicativos; escolas podem definir políticas de uso dentro dos seus
estabelecimentos, e profissionais podem criar rotinas para que seus smartphones
sejam assistentes eficientes, e não fatores de distração.
Criatividade
ajuda muito. Em vários países, restaurantes passaram a dar vantagens para quem
desligar o celular ao entrar. Para citar um exemplo, o Fifí Armacém, em Buenos
Aires, colocou uma caixa de madeira em cima das mesas para que os clientes
deixem seus aparelhos, em troca de desconto de 10% na conta. Ninguém é proibido
de usar o telefone, mas encontra benefícios ao tentar não fazê-lo. Equilíbrio é
o nome do jogo.
Pessoas
separam pessoas, não a tecnologia em si
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