A gestação da Receita Federal Mundial
Tributação proposta pelo G7 protege os países ricos
quarta-feira, 23 de junho de 2021 - 00:00
Folha de S. Paulo / Mercado
Helio Beltrão
Nos anos 1960, o tema dos impostos crescentes impactou as biografias e obras de grandes artistas de rock. No Reino Unido, Harold Wilson, um barão trabalhista, que governou entre 1964 e 1970 (e entre 1974 e 1976), foi homenageado com uma canção dos Beatles.
Wilson implementou um imposto confiscatório sobre a renda. Não ficou por aí: estabeleceu a infame "cláusula dos Beatles". Esta previa que a antecipação de rendimentos futuros, anteriormente tributada como ganho de capital, fosse considerada renda normal, sujeita a alta alíquota progressiva. Naqueles meados dos anos 1960, os Beatles começavam a ganhar muito dinheiro, mas o fisco britânico passou a tomar quase tudo.
O grupo conhecido até então por seu lirismo sobre o amor, a vida, e carros, emplacou "Taxman" (álbum "Revolver", 1966), sua primeira obra política, composta pelo beatle mais pacífico e zen: George Harrison. Começa assim: "Vou te dizer como vai ser / um para você, dezenove para mim".
A cláusula dos Beatles teve como resposta uma letra ácida sobre o poder arbitrário estatal: "Se tiver um carro, taxo a rua; se tentar sentar, taxo o assento; se ficar com frio, taxo o aquecimento; se caminhar, taxo seus pés".
Não era exagero. O poder central é legitimado a perseguir o cidadão onde quer que esteja. "Não gostou, aperte um botão na próxima eleição e torça, ou mude de país", responde no ato o estatista tradicional. Na Europa medieval, várias centenas de principados e ducados competiam pela atração de população. Se os impostos fossem altos em uma jurisdição, os súditos pegavam suas trouxas e se mandavam para um outro ducado. A população votava com os pés.
Nos anos 1970, pelo menos os mais talentosos ainda podiam votar com os pés: a debandada foi geral. Entre os roqueiros, Mick Jagger, Keith Richards, Pink Floyd, Led Zeppelin, Lennon, Ringo, David Bowie, Rod Stewart buscaram um país que permitisse que retivessem uma parte um pouco maior de seu suado trabalho. Até Cat Stevens, coitado, comprou um apartamento perto da lagoa Rodrigo de Freitas. Oh, baby, it´s a wild world!
A proposta do G7 de impor a todos os países do mundo uma alíquota mínima de Imposto de Renda tem por propósito algemar os pés das multinacionais. Não importa onde estabeleçam sua sede, a ideia é que sejam taxadas proporcionalmente às suas operações em cada país, pagando pelo menos a alíquota mínima em cada um dos países.
É um cartel, puro e simples, garantindo que não haja via de escape. É o prólogo de uma Receita Mundial, um leão global todo-poderoso.
O governo Biden pretende aumentar a alíquota de empresas americanas a 28% de imediato para cobrir gastos crescentes, mas sabe que o efeito seria diluído se as empresas pudessem buscar países mais amigáveis, como a Irlanda (que cobra 12,5%), a Macedônia do Norte (10%), a Hungria (9%) ou outros com nível geral de impostos baixos. A proposta do G7 caiu como uma luva. Foi vendida por Janet Yellen, secretária do Tesouro, como essencial para a "melhoria do bem-estar da classe média e do ambiente".
Pense no que ocorreria se as companhias telefônicas anunciassem conjuntamente que passariam a cobrar ao menos R$ 100 por seus planos de dados em nome da melhoria do bem-estar de seus clientes. Ensejaria uma revolta geral e aplicação máxima de lei de defesa da concorrência. Mas o Estado pode.
Não sem custos, no entanto. Wilson quebrou o Reino Unido ao punir a atividade produtiva, e foi necessário o doloroso e brilhante governo de Margaret Thatcher para que voltasse aos trilhos.
Aqui, Paulo Guedes parece ter esquecido a lição de sua guru e pretende aumentar impostos sobre empresas. Não ganhará um rock, mas um réquiem. Será o fim do governo.
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