A MENINA FEIA DA PONTE
Aninha nasceu no século 19, numa cidadezinha do interior de Goiás, e desde pequena sempre ouvia das outras pessoas que ela era feia, desengonçada, e fraquinha. De tanto ouvir isso, ela mesmo passou a se apresentar assim; “eu sou a menina feia da Ponte da Lapa, eu sou a Aninha”. Anos depois, descrevia sua infância deste jeito; “cresci filha sem pai, secundária na turma das irmãs, eu era triste, nervosa e feia. Amarela, de rosto empalamado, de pernas mole, caindo à toa. Os que assim me viam, na Vila Boa de Goiás, me comparavam com minhas três irmãs, todas filhas de dona Jacinta. Diziam que minhas irmãs casariam fácil, já eu, sei não, moça feia não casa fácil”.
A menina chorava muito e soluçava. A bisavó dela tentava consolar, dizendo que sim, que a Aninha se casaria, pois menina feia vira moça bonita. Aninha nasceu em 20 de agosto de 1889, na antiga Vila Boa de Goiás, que depois passou a se chamar de Goiás Velho. Sua casa ficava em frente a uma ponte. Ela estudou só até o terceiro ano do antigo curso primário, mas era muito inteligente, lia todos os livros que caiam em suas mãos. E era criticada por isso; “mulher ler tanto, para quê”? Escondida, ela começou a escrever poemas, e sabia que era avançada demais para aquele lugar e aquela época, Com 15 anos, ela decidiu que se chamaria Cora, afinal, já haviam muitas Aninhas na cidade, por causa da padroeira do lugar, Santa Ana.
Ela explicou; “fui crescendo e com o tempo, perdi a aparência bisonha, fiquei corada e até achei quem me quisesse. Diziam que moça que lê romances e escreve poesias, não daria boa dona de casa”. Mas encontrou um rapaz, que gostou dela. Um advogado, separado, com quem ela fugiu montada em um cavalo, em 1911, aos 22 anos de idade. A cidade ficou em polvorosa com isso. O casal foi morar no interior de São Paulo, e tiveram seis filhos. Teve muitas dificuldades para criar os filhos, pois ela ficou viúva cedo. Só voltou à cidade natal em 1956, aos 67 anos. Encontrou a velha casa da ponte, e passou a ser doceira. Misturava doces e versos.
Aprendeu a datilografar com 70 anos de idade. E já idosa, começou a publicar as poesias que guardava desde a adolescência. O primeiro livro; “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”, foi publicado quando ela tinha 75 anos. Foi descoberta pelo poeta Carlos Drummond de Andrade, e foi ele quem apresentou Cora Coralina para o Brasil todo. Mesmo publicando livros, ela nunca deixou de ser doceira, e dizia; “Meus doces podem comprar, os livros podem deixar. Porque os doces se estragam, os livros não”. Ela morreu com 95 anos, e sua casa virou museu, para preservar o lugar onde morou uma das melhores poetisas brasileiras. Ela, que um dia foi Aninha, a menina feia da ponte, mas que nunca desistiu. E ela explicou o motivo assim:
“É que tem mais chão nos meus olhos, do que cansaço nas minhas pernas. Mais esperança nos meus passos, do que tristeza nos meus ombros. Mais estrada no meu coração, do que medo na minha cabeça”.
Marco Vieira
Um pouquinho de Cora Coralina.
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