Décio Oddone: falta racionalidade e sobram contradições no debate energético
Quem acompanha o debate energético tem dificuldade em entender muitas posições. A nível global e local. Em temas estratégicos e táticos. Alguns exemplos, a seguir. A redução das emissões de carbono, uma maior inclusão e a redução da desigualdade são aspirações da sociedade, mas poucos estão dispostos a diminuir o consumo ou pagar mais pela energia. Inovação e tecnologia, essenciais para a melhorar o ambiente, têm custo. Governos necessitam de recursos para combater a pobreza e financiar a transição. No entanto, abundam vozes contra as atividades de petróleo e gás em países em desenvolvimento. Grupos se opõem à exploração em locais como o Brasil, enquanto eleitores votam pela sua continuidade em países como a Noruega.
Ao contrário do que alguns querem fazer crer, a substituição das fontes poluidoras não será imediata. Os investimentos em fósseis caíram, mas os aportes em renováveis não cresceram o suficiente. A limitação nas inversões e na disponibilidade de hidrocarbonetos pode produzir mais volatilidade e ser desastrosa. A oferta de energia de fontes não-renováveis precisa subir antes de diminuir. A solução passa por garantir a oferta, enquanto a intensidade de carbono é reduzida. As decisões políticas e empresariais que vão criar as condições para a transição precisam ser tomadas, mas o caminho será longo e custoso. Em meio a esse debate, líderes globais se reúnem mês que vem em Glasgow. Está na agenda a discussão sobre quem vai pagar pelo menos parte da conta.
O imediatismo prevalece na avaliação de cenários. Com a pandemia, as cotações do petróleo despencaram. A Agência Internacional de Energia divulgou um trabalho sobre o que seria necessário para reduzir as emissões a ponto de cumprir o Acordo de Paris e limitar o aquecimento global a 1,5º acima da temperatura média de antes da Revolução Industrial. Não seriam necessários novas minas de carvão e projetos de petróleo e gás. O barril custaria US$ 35 em 2030. Trata-se de uma visão alternativa, altamente improvável, mas não faltaram opiniões indicando que o fim dos hidrocarbonetos estava próximo.
Quando a demanda voltou, a procura por petróleo, gás e carvão explodiu. Faltou energia em várias regiões. Os preços decolaram. A Agência divulgou o Relatório Anual de Energia, que traz cenários mais prováveis. Estima que o consumo logo retornará a cerca de 100 milhões de barris por dia, patamar de 2019. O valor do Brent superou os US$ 80, cotação que poucos acreditavam que voltariam a ver. Retornaram as previsões de que logo vai superar os US$ 100. Em meio ao vai e vem das projeções, se esquece que a média histórica é de cerca de US$ 50.
Nas discussões domésticas, o quadro é o mesmo. Muitos que defendem uma Petrobras forte clamam por intervenções quando os preços sobem. Olvidam o dano sofrido pela estatal quando vendia combustíveis abaixo do preço internacional. Desejam que a companhia invista em toda a cadeia, mas não querem garantir os seus ingressos. Combustíveis são commodities, mas enquanto os preços dos derivados de petróleo são discutidos, não há questionamentos sobre as cotações dos biocombustíveis.
Os benefícios de uma maior competição são conceitualmente aceitos, mas basta surgir uma medida prática para eliminar uma barreira de entrada ou uma reserva de mercado que logo surgem as oposições. Quando os preços sobem, voltam as especulações sobre um fundo, mas não se recorda que a ideia de minimizar a volatilidade dos preços foi materializada na CIDE, idealizada originalmente para atuar como mecanismo de estabilização, que não funcionou.
O país sonhou durante décadas em ser autossuficiente em petróleo. Agora que se tornou um grande exportador, surgiu a ideia de taxar a exportação para incentivar a construção de refinarias. Em um período em que unidades são fechadas ao redor do mundo. Isso atingiria o coração do setor, impactando investimentos, produção e arrecadação. Colocaria em risco o futuro da indústria no país, justamente quando se posiciona para aumentar significativamente a produção.
Voltou o debate sobre subvencionar o gás de cozinha para famílias de baixa renda. Poucos lembram que essa iniciativa já foi implementada, quando foi criado o antigo Vale Gás, depois integrado ao Bolsa Família. Como já demonstrado na prática, um reforço dos recursos repassados por esse programa seria mais eficiente para combater a pobreza que a diluição dos aportes em diferentes iniciativas de menor poder de fogo.
O sistema tributário é criticado. Os tributos pesam no preço final dos combustíveis. O ICMS amplifica e propaga os aumentos na bomba e intensifica a volatilidade. Os incrementos de preço têm reflexo nas arrecadações estaduais, que passam a superar as previstas nos orçamentos. O imposto estabelece uma espécie de preço de referência, que inibe a competição. As variações de alíquota incentivam a sonegação. No entanto, quando entram em discussão a cobrança do ICMS através de um valor fixo por litro, a uniformização das alíquotas e do preço de pauta e a adoção da monofasia tributária, importante para combater as fraudes, aparecem as reações contrárias. Não faltam alegações contraditórias. Algumas afirmando que o tributo não sobe porque a alíquota está constante. Outras defendendo que os estados não podem renunciar à arrecadação adicional.
Parece que se vive em um festival de busca do almoço grátis. Independente do conhecimento e das experiências acumulados, há temas que estão polarizados e politizados. De como deve avançar a transição energética, no mundo, a regras aplicáveis ao setor de petróleo, no Brasil. O acesso cada vez mais amplo a todo tipo de informação, a disseminação de versões através de redes sociais e a radicalização das opiniões estão acirrando os debates e prejudicando a tomada de decisões. É preciso mais racionalidade e consensos. Ou as trajetórias em direção a um planeta livre de carbono e a um país com economia mais sólida e sustentável serão mais longas ainda. Logo se verá, em Glasgow e Brasília, quais os caminhos escolhidos.
Décio Fabrício Oddone da Costa é engenheiro e CEO da Enauta S.A. Escreve mensalmente para o Broadcast Energia.
Este artigo representa exclusivamente a visão do autor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.