Com banda larga de
‘primeiro mundo’ e escassez convivendo juntas, Brasil depende de investimentos
públicos e privados para ampliar acesso
domingo, 8 de outubro de 2017
domingo, 8 de outubro de 2017
Bruno Capelas
Queixa “Sem
internet o Brasil vai perder o trem do futuro. As empresas querem investir, mas
precisam de condições.” Eduardo Navarro PRESIDENTE DA VIVO
Quem usa a
internet nas grandes cidades não imagina, mas existem dois Brasis diferentes no
que diz respeito à rede. Segundo dados da pesquisa TIC Domicílios 2016, realizada
pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), 54% das casas têm acesso
regular à web. Há, no entanto, um abismo socioeconômico entre os níveis de
conexão: enquanto as classes Ae B têm uma situação digna de nações
desenvolvidas como Islândia e Reino Unido, a população das classes De E está
mais perto da realidade digital de países como Bolívia, Egito e Quênia.
Mais do que apenas
a quantidade de gente online, há diferenças na qualidade, velocidade e na
oferta do serviço que podem ser cruciais para o desenvolvimento do País no
futuro.
Para “unificar”
esses dois países, por meio da expansão das redes de banda larga fixa e móvel,
será preciso muito esforço – e dinheiro. Segundo estudo recente da consultoria
Boston Consulting Group (BCG), é necessário aplicar R$ 200 bilhões nos próximos
dez anos para conectar 90% da população brasileira. O valor é 38% maior que o
investido pelas operadoras nos últimos anos – seria preciso investir mais R$ 5
bilhões ao ano.
Entraves.
Dispor desse
valor, no entanto, soa impensável para as operadoras em um momento de crise
econômica e redução nas receitas de voz e mensagens de texto (SMS). “Hoje, o
problema é muita regulação e imposto”, diz Ricardo Distler, diretor executivo
da consulto- ria Accenture.
Durante a última
semana, na Futurecom, maior evento do setor na América Latina, a reclamação foi
repetida pelas teles. “Não é preciso nenhum MBA para conseguir entender nossa
conta”, brincou José Felix, presidente da Claro Brasil, durante um debate. Há
quem discorde. “As empresas não estão quebradas, salvo exceções”, diz Rafael
Zanatta, analista de telecomunicações do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec). “As operadoras fazem terrorismo econômico para pressionar o
governo.”
Dos R$ 191 bilhões
gerados pelas operadoras em 2016, segundo o BCG, 40% foi revertido para o
governo em carga tributária, 15% virou investimento e só 3% retornou aos
acionistas. “Sem internet, o Brasil vai perder o trem do futuro”, diz Eduardo
Navarro, presidente da Vivo. “As empresas querem investir, mas precisam de
condições.”
Saídas.
Hoje, três saídas
são discutidas pelo setor. A principal é a aprovação do projeto de lei
complementar 79/2016, que reforma a Lei Geral de Telecomunicações, de 1997. Ele
permite que as teles fixas migrem de concessões para autorizações, sem
obrigação de universalizar os serviços. Nesta semana, o projeto retornou ao
Senado, após meses parado no Supremo Tribunal Federal (STF). A expectativa é de
que o texto seja sancionado pelo presidente Michel Temer até o fim do ano.
Outro caminho
possível é a aprovação de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), que trocam
multas impostas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) por
investimentos em banda larga. Há duas semanas, o TCU
deu parecer favorável a um TAC entre a Vivo e a Anatel, trocando multas por
aportes que podem chegar a R$ 4,8 bilhões. Uma terceira saída, possível apenas
em longo prazo, é a liberação de fundos setoriais para cumprirem, enfim, seu
destino.
A VIDA DE
QUEM ESTÁ FORA DA REDE
Agricultores não
querem ser ‘reféns’ da tecnologia
As frases “me
adiciona no Facebook” ou “anota o meu Whatsapp” não fazem parte do vocabulário
do casal de gaúchos Antônio e Juliana Colling. Os agricultores, que vivem na
zona rural de Santa Maria do Herval, cidade da Serra Gaúcha com pouco mais de 6
mil habitantes, fazem parte da parcela de brasileiros que vivem desconectados.
“Vivemos totalmente fora deste novo mundo”, afirmou Juliana, de 57 anos, em
meio a gargalhadas.
O dia do casal de
agricultores começa antes do alvorecer. “Acordamos às 5h30, ainda está escuro.
Preparo o chimarrão e ligo meu radinho de pilhas para saber das notícias”,
conta ela. O casal ganhou seu primeiro celular de presente há dois meses, mas
ainda não sabe usá-lo. “Não quero ficar refém.”
Na região onde o
casal reside, a cerca de 25
quilômetros no interior de Santa Maria do Herval, o
sinal de telefonia móvel nem sequer funciona, quanto mais a banda larga móvel.
Avesso à
tecnologia, Antônio destaca as desvantagens de viver no mundo virtual. Quando
visita sua irmã e seus sobrinhos, que moram na cidade de Novo Hamburgo, ele diz
que eles não tiram os olhos do celular e é até difícil conversar com eles.
“Ao mesmo tempo em
que dizem que a internet aproxima as pessoas, ela também afasta, distancia”,
lamenta o agricultor. “Aqui em casa, se eu quero falar com um amigo, eu pego o
telefone e ligo ou vou até a casa dele. Se quero saber das notícias, tenho o
rádio para me informar.”
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