sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Na disputa entre China e EUA pela América do Sul, Pequim avança


Chineses recorrem a três mecanismos para comunicar suas intenções aos países da vizinhança

16.ago.2018 às 2h00



 O secretário de Defesa dos EUA, James Mattis (de terno), durante visita ao Monumento aos Pracinhas, no aterro do Flamengo, no Rio - Sergio Moraes/Reuters

A competição geopolítica entre China e Estados Unidos chegou com tudo à América do Sul.

O fenômeno não é novo, mas ganhou relevo com a visita do secretário de Defesa americano aos quatro grandes países da região —Brasil, Argentina, Chile e Colômbia.

A pergunta que importa é simples: como a disputa entre Washington e Pequim moldará o ordenamento regional sul-americano, e quem vem ganhando as primeiras rodadas?

A resposta passa pelos três mecanismos diplomáticos básicos que a China vem utilizando para comunicar suas intenções aos países da vizinhança.

O primeiro diz respeito ao modo pelo qual a diplomacia chinesa demanda concessões dos governos sul-americanos.

O melhor exemplo recente foi a intricada operação da China em Brasília para abocanhar lotes do pré-sal e conseguir comprar um terço do setor elétrico brasileiro, além de boa parte da produção hidrelétrica nas fronteiras.

A negociação demandou dos chineses a capacidade de manter o fio da meada em meio à turbulência que derrubou Dilma e que levou Temer ao Palácio do Planalto.

O segundo mecanismo refere-se à forma como a diplomacia chinesa faz compromissos críveis capazes de levar seus parceiros sul-americanos à mesa.

Aqui, o melhor exemplo é a costura elaborada pela embaixada chinesa em Buenos Aires para emplacar a construção de uma base de monitoramento de satélites e de segurança cibernética na Patagônia.

A manobra demandou trabalho minucioso para evitar reação adversa da opinião pública e das Forças Armadas argentinas, que têm ojeriza à ideia de expor seu território ao radar dos Estados Unidos.

O terceiro mecanismo é composto pelos sinais que a China emite aos países da região quando sente seus interesses ameaçados pelos Estados Unidos. Ela avança e busca o conflito ou dá um passo atrás para evitá-lo?

A ilustração mais contundente é a decisão chinesa de reduzir seu apoio ao regime venezuelano depois que os desmandos do governo Maduro atiçaram a atenção do Congresso americano.

A explicação parece simplista, mas não é o caso. O futuro geopolítico da América do Sul será, em grande medida, uma função desses poucos mecanismos de sinalização adotados pela China (e da reação a eles dos países da vizinhança).

A verdadeira notícia da semana, portanto, não é fala do chefe do Pentágono na Escola Superior de Guerra, mas a dificuldade americana de responder à escolha chinesa de fazer demandas moderadas, entregar promessas e recuar de situações conflituosas.

A entrada de uma potência no quintal de outra é sempre conflitiva. Pelo menos até agora, a China tem uma estratégia ganhadora.

Matias Spektor
Professor de relações internacionais na FGV.


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