Quarta-feira, 3 de Abril de 2019 - 05:36
Valor Econômico | Opinião
Martin Wolf
Aeconomia chinesa está se recuperando da desaceleração do
fim do ano passado? “Sim”, afirma Gavyn Davies, o Goldman Sachs e muitos
outros. Durante minha visita recente a Xangai e Pequim, vários economistas e
vários empresários do setor privado também emitiram sinais de um otimismo
crescente com as perspectivas econômicas para a China. Por que eles pensam
isso? Estarão certos?
Há muito a China apresenta o crescimento mais acelerado
dentre as três maiores economias do mundo — os Estados Unidos, a zona do euro e
a própria China. Isso quando se acredita nos números oficiais de crescimento da
China, ou se tem um certo ceticismo em relação a eles. Dados seu dinamismo e
tamanho, quando a China espirra, a economia mundial pega um resfriado.
Isso estava acontecendo no fim do ano passado. Segundo
“nowcasts” da Fulcrum mencionados por Davies, o crescimento caiu para uma taxa
anualizada de 4% em dezembro de 2018. Isso, acrescenta ele, “desencadeou grande
parte da desaceleração do crescimento global, especialmente no comércio e no
setor industrial”. Por trás dessa desaceleração, afirma-se, estiveram o aperto
do crédito doméstico, num esforço para suspender a alavancagem da economia dos
dez anos anteriores, e o impacto na confiança provocado pela guerra comercial
com os Estados Unidos.
Agora, as coisas parecem melhores. De fato fiquei surpreso
com o entusiasmo das pessoas com quem me encontrei, especialmente em Xangai, a
capital financeira da China. Esse maior otimismo parece estar alinhado às
evidências para o começo de 2019. “Nowcasts” da Fulcrum mostram as taxas
recentes de crescimento alinhadas à meta do governo, de 6% a 6,5% ao ano. De
modo parecido, o Goldman Sachs calcula o crescimento econômico em até 5,8% em
fevereiro.
Um motivo para o renovado otimismo é a crença de que o
acordo comercial com os Estados Unidos é iminente. Outro é o afrouxamento da
política macroeconômica. Isso inclui a reforma do imposto sobre valor agregado
para reduzir o ônus fiscal em 2 trilhões de yuans (quase US$ 300 bilhões) ao
ano.
Num relatório sobre o trabalho do governo, divulgado em
março no Congresso Nacional do Povo, o primeiro ministro Li Keqiang declarou:
“Vamos reformar e aperfeiçoar os mecanismos monetário e de crédito e
empregar... uma combinação de abordagens quantitativas e de preços... para
guiar as instituições financeiras no aumento da oferta de crédito e na redução
dos custos dos empréstimos”. Isso poderá ser importante.
De maior importância ainda, segundo insistiu umas das
pessoas que conheci, é o renovado entusiasmo das autoridades com o setor
privado. Num discurso feito em dezembro de 2018, o presidente Xi Jinping não só
homenageou Deng Xiaoping, autor da política de “reforma e abertura” da China,
como prometeu apoiar o setor privado. Nesse relatório, Li mencionou as atividades
privadas 20 vezes. Ele destacou a necessidade de “facilitar os financiamentos
para as empresas privadas”, “encorajar os atores privados a se engajar na
inovação” e “atrair mais capital privado para projetos em áreas importantes”.
Acima de tudo, o premiê disse: “Vamos seguir o princípio da
neutralidade competitiva, para que quando forem acessar fatores de produção,
acesso ao mercado e licenças, operações comerciais, compras do governo,
licitações públicas e assim por diante, empresas sob todas as formas de
controle possam ser tratadas em pé de igualdade”. Em princípio, isso deveria
incluir os controladores estrangeiros.
O setor privado tem sido o motor do crescimento da China. Se
as autoridades estiverem determinadas a apoiá-lo, isso é importante. Surpreendentemente
para mim, alguns chineses com quem conversei mostraram-se até mesmo satisfeitos
pelos EUA estarem pressionando a China para que ela liberalize a economia:
quanto melhor o governo tratar as empresas privadas estrangeiras, melhor ele
terá de tratar as empresas privadas domésticas. Fico imaginando se os
negociadores americanos entendem as implicações de deixar os empreendedores
privados fora do controle do Estado.
Mesmo assim, também precisamos desafiar essa perspectiva
otimista sobre as perspectivas atuais e futuras para a economia chinesa.
Em primeiro lugar, não está claro se um acordo sobre o
comércio será alcançado com os EUA. Mesmo se for, os EUA parecem determinados a
monitorar o comportamento chinês, com a intenção de impor penalidades (ou seja,
tarifas) sempre que a China cometer algum deslize. Parece improvável que a
China aceite essa exigência. No entanto, se o acordo for realmente firmado, a
guerra comercial não seria resolvida, e sim institucionalizada. Enquanto isso,
a União Europeia (UE) está ficando mais beligerante em relação às práticas
comerciais e de investimentos da China.
Em segundo lugar, controlar o crescimento do crédito e da
dívida, em relação à economia, promovendo ao mesmo tempo a demanda, deverá
continuar sendo um jogo de malabarismo complicado e provavelmente impossível.
Não seria surpresa se os planejadores econômicos decidissem por um novo aperto
de crédito, com efeitos danosos para a economia. A alternativa óbvia seria uma
política fiscal ativa pelo governo central. Mas este continua indisposto a
fazer isso.
Em terceiro lugar, a atitude de Xi com o setor privado
continua bastante indefinida, para dizer de uma forma mais suave. Ele está
cercado de pessoas que acreditam no papel essencial do setor privado. Mas será
que ele pensa o mesmo? Na maior parte do tempo, ele parece depositar uma maior
confiança nas empresas estatais. Enquanto este for o caso, poderá ser difícil
reacender, quanto mais sustentar, a confiança dentro do setor privado.
Finalmente, há a questão sobre o verdadeiro tamanho da
economia chinesa. Ela pode estar crescendo substancialmente mais devagar do que
sugerem os números oficiais. Por outro lado, o que está crescendo pode na
verdade não ser o PIB conforme entendido em outros países. Mesmo assim, estas
são dúvidas para outra ocasião. A questão aqui é se a economia está se
recuperando e, caso sim, se isso está ocorrendo de uma maneira sólida. As
respostas são: “sim” e “talvez”. A economia está se recuperando. Mas os riscos,
especialmente em relação ao comércio, estão por aí. Mais períodos de fraqueza
devem ocorrer.
Se um acordo com os Estados Unidos for realmente firmado, a
guerra comercial não seria resolvida, e sim institucionalizada. Enquanto isso,
a União Europeia está ficando mais beligerante em relação às práticas
comerciais e de investimentos da China
@china @economia
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