terça-feira, 2 de abril de 2019
O monge e o crucifixo
Dom Rubens Sevilha*
Numa silenciosa e tranquila capela, um monge chamado Serafim pedia ao Senhor com insistência para tomar o lugar dele na Cruz, pois queria imitar em tudo o Mestre. O Crucificado aceitou, mas colocou uma condição: “Que você fique calado!” O monge acostumado com o silêncio rigoroso e a vida disciplinada, prometeu imediatamente e, sem titubear, lá estava Serafim sobre a Cruz. Alguns instantes depois, entrou um homem rico para rezar e, enquanto rezava, caiu do seu bolso um pacote de dinheiro. Serafim quis logo avisá-lo, mas se conteve e ficou calado. Logo em seguida entrou um mendigo e, assim que começou a rezar, viu o pacote de dinheiro no chão. Olhou de um lado e do outro, não havia ninguém, pegou o dinheiro e saiu. Serafim ficou agoniado querendo dizer que não se poderia fazer aquilo, mas como tinha prometido ficar calado, calado ficou. Depois entrou um rapazinho e começou a pedir ao Crucificado ajuda e proteção, pois iria embarcar para uma longa e perigosa viagem por mar. Naquele momento entrou o homem rico com a polícia dizendo que havia esquecido o dinheiro na Capela. A única pessoa que estava ali era aquele rapaz, então os guardas o prenderam. Daí Serafim não aguentou mais ficar calado e do alto da Cruz bradou: “Ele é inocente!” Todos ficaram confusos, sem saber de onde vinha aquela voz, mas agora cheios de dúvidas, fizeram várias indagações e decidiram soltar o rapaz. O rapaz pode então embarcar para a sua viagem. Prenderam o mendigo que, de fato, estava com o dinheiro, o qual foi devolvido ao verdadeiro dono: o homem rico. No final da tarde, Jesus apareceu com o rosto triste e repreendeu severamente o monge Serafim: “Assim não dá!” Serafim, com a cara mais ingênua que conseguiu fazer, perguntou: “Mas, por que, Senhor?” E Jesus completou: “Eu lhe disse pra ficar calado”. O monge falou timidamente, mas com certa firmeza: “Mas eu só fiz o que era o certo fazer. Fiz o que era justo.” Então disse o Senhor com doçura: “Não, Serafim, você errou tudo. Você deveria ter ficado calado, como me prometeu. Pelo contrário, falando, você atrapalhou os meus planos. Aquele rico estava para fazer uma coisa muito errada com aquele dinheiro e eu fiz com que ele o perdesse na Capela. O pobre tinha necessidade urgente daquele dinheiro e eu fiz com que ele o encontrasse. O rapaz que embarcou está nesse momento afundando no mar e ele tinha me pedido ajuda. Se ele tivesse ficado na cadeia somente por algumas horas, teria perdido o navio e não estaria agora morto no fundo do mar. Serafim, aprenda a lição: a minha Providência conduz todas as coisas melhor do que você, mesmo quando, aparentemente, parecem estar erradas.” Não sei quem é o autor dessa singela e sábia história, mas o seu ensinamento serve para todos nós. De fato, não é fácil entender os caminhos de Deus. Na nossa vida e no nosso mundo acontecem inúmeros fatos que nos desconcertam. Queremos achar alguma explicação racional e não conseguimos. Alguns se rebelam orgulhosamente, perdem a fé e terminam no desânimo ou revoltados contra Deus e contra tudo. Outros inventam explicações baratas e forçadas para explicar o inexplicável, que terminam por não convencer ninguém ou afastar ainda mais de Deus aqueles que já estão longe dele. Diante de alguns mistérios da existência, a única atitude possível é obedecer à ordem dada por Jesus ao monge Serafim: Promete que vai ficar calado! E no silêncio do coração, Deus nos fala coisas que jamais a nossa pobre razão humana irá conseguir compreender e explicar. Dom Rubens Sevilha, OCD. Bispo Diocesano de Bauru. *Artigo publicado na Coluna "Conversando com o Bispo" do Jornal da Cidade de 24 de março de 2019.
@FILOSOFIA
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