CELSO MING - É ruim, mas nem tanto
COLUNISTAS
quinta-feira, 15 de outubro de 2020
O Estado de S. Paulo / Economia
Quando o pior dá lugar ao ruim ou ao menos pior, em geral, produz alívio. Algo como a sensação esperada quando se tira o bode da sala, ainda que todos os outros problemas continuem lá.
Nesta terça-feira, o Fundo Monetário Internacional (FMI), presidido pela búlgara Kristalina Georgieva, divulgou seu principal documento de avaliação da atividade econômica em que projetou um tombo de 5,8% no PIB do Brasil neste ano, o mais alto de que se tem notícia, maior do que o de 1990, que foi de 4,35%, e o de 1981, quando houve queda de 4,25%.
Ainda assim, tanto a projeção do Fundo como a atual expectativa dos analistas brasileiros vêm produzindo certo alívio. A projeção anterior do Fundo era de uma retração de 9,1%. A revisão agora divulgada, o mencionado recuo de 5,8%, é um pouco maior do que vem sendo esperado pelos analistas brasileiros. O Boletim Focus, realizado semanalmente pelo Banco Central, aponta para uma queda de 5,03%.
De qualquer maneira, depois do baque enorme produzido pelos efeitos diretos e colaterais da pandemia, a percepção geral é a de que a economia brasileira está em recuperação. Por toda parte, as estatísticas de desempenho setorial sugerem não só que o fundo do poço já foi ultrapassado, mas que a atividade econômica está em boa recuperação. Mas é preciso cautela quando se examinam essas novas condições.
O pior só não aconteceu neste ano graças a um punhado de fatores que podem não voltar a atuar. O mais importante deles foi a distribuição de cerca de R$ 300 bilhões em auxílio emergencial, que atendeu a quase 70 milhões de brasileiros que compõem a população mais carente. Daqui para a frente, a economia ainda vai tirar proveito de certa ajuda social por mais alguns meses, mas, ainda que não seque de uma vez, dessa bica vai escorrer cada vez menos água.
Para 2021, depois desse mergulho de 5,8%, o FMI prevê um avanço da economia brasileira de 3,1%. O mercado espera um pouco mais: 3,5%. Mas não há clareza sobre o que pode acontecer no ano que vem.
Não dá para menosprezar o impacto a ser produzido pelo desemprego alto e persistente. Hoje, há 13,1 milhões de brasileiros sem ocupação remunerada. Mesmo que venha a recuperação e mesmo que o governo consiga arrancar do Congresso uma lei de desoneração dos encargos sociais (que, em tese, deveria estimular a criação de empregos), há razões para acreditar que esse avanço do emprego pode não acontecer nas proporções esperadas.
A pandemia mostrou que um grande número de empresas pode melhorar seu desempenho se recorrer a mais incorporação de automação e de tecnologia da informação, recursos que, além de reduzir custos operacionais, dispensam mão de obra. O comércio digital fecha lojas físicas e reduz a necessidade de vendedores; o Pix vai aumentar a dispensa de pessoal pelos bancos; as operações home office reduzem os custos das empresas, especialmente nas prestações de serviços (transporte de pessoal, restaurantes, faxina, suporte de informática, segurança etc). Em seu último Relatório de Inflação, o Banco Central avisa que o forte desemprego é fator que pode conter a velocidade da retomada da economia.
Não dá para fechar os olhos para as quebras. Pelas primeiras avaliações do IBGE, cerca de 600 mil pequenas empresas, que antes tinham 9 milhões de funcionários, foram obrigadas a fechar suas portas. E falta saber até que ponto a forte deterioração das contas públicas não queimará confiança - o que, por sua vez, poderá comprometer a retomada.
E há o nível de incertezas gerado pelo emperramento das reformas, que também trava as rodas da locomotiva. Até agora, a equipe econômica do governo não conseguiu passar sinais claros de que a questão fiscal será equacionada.
O fator que mais poderá ajudar a puxar pela recuperação da atividade econômica será a vacina. Parece cada vez mais provável que estará disponível dentro de alguns meses. Isso muda muita coisa, para melhor, a começar pelos corações e mentes.
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