terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Ameaça à regulação bancária global (Howard Davies [Royal Bank of Scotland - RBS], Valor)

VALOR ECONÔMICO -SP
OPINIÃO: Howard Davies
Data: 27/12/2016;Página: A09

Ameaça à regulação bancária global (Artigo)

A crise financeira de 2008 deu um grande impulso aos reguladores globais. De uma hora para a outra, o Comitê da Basileia (que fixa os padrões da supervisão internacional dos bancos) passou a encabeçar as notícias financeiras. Consumiram-se jantares em Manhattan e em Kensington acompanhados pelos melhores argumentos de Basileia II e pelas mazelas das exigências de capitalização procíclicas. Governos que tinham encarado com desconfiança uma possível interferência internacional ansiavam agora pela adoção de regras mundiais mais rígidas que evitassem que as crises do setor bancário extrapolassem as fronteiras e contaminassem outros, como os surtos de gripe asiática. As consequências concretas desse ardor foram a criação do Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, nas iniciais em inglês), nascido das cinzas do Fórum de Estabilidade Financeira, na reunião de cúpula do G-20 realizada em Londres em abril de 2009, e a inclusão de representantes de todos os países-membros do G-20 ao grupo dos principais formuladores de normas operantes na Basileia e em outras cidades. A hegemonia do G-7 deu lugar à esperança de que uma filiação mais ampla produziria maior adesão e um apoio político mais forte para aumentar o capital do sistema bancário.
Toda essa mudança funcionou, até certo ponto. As regras de Basileia III, por exemplo, mais do que dobraram o capital a ser detido por um banco individual e melhoraram a qualidade desse capital. Com isso, o sistema parece um pouco mais seguro. Mas agora há perigosos sinais de que o compromisso para com padrões mundiais mais rígidos - na verdade, para com qualquer padrão conjunto - pode estar em declínio.
Se o compromisso para com padrões mundiais arrefecer, todos terão problemas no longo prazo. Os países imporão exigências locais incompatíveis, o que reduzirá a eficiência da utilização de capital e tornará o sistema menos robusto diante de nova instabilidade financeira
Muitos previram essa tendência, mas pelo motivo equivocado. Os céticos advertiram que seria muito mais difícil alcançar um acordo entre 20 ou mais países do que tinha sido entre os doze membros do Comitê da Basileia do pré-crise (principalmente países europeus, com apenas EUA, Canadá e Japão representando os demais quadrantes). Na prática isso não se revelou um grande problema. Basileia III foi pactuado muito mais depressa do que Basileia II. As pressões políticas dos ministros das Finanças, manifestadas por meio do FSB, se mostraram eficazes.
Na verdade, as recentes tensões foram mais antiquadas, ao jogar os EUA contra a zona do euro, com o Reino Unido e outros países de permeio. Os EUA têm pressionado por controles mais rígidos dos modelos internos dos bancos e por um limite para o quanto os modelos de um banco podem reduzir seus ativos, num cálculo ponderado. O acordo em torno desses assim chamados pisos se revelou impossível até agora.
Os europeus argumentam que os empréstimos corporativos de seus bancos são, inerentemente, de menor risco. Afinal, os bancos da União Europeia (UE) emprestam mais a empresas grandes, de classificação mais elevada, que têm acesso aos mercados de capitais americanos, em vez de tomar empréstimos de bancos. Eles também mantêm mais contratos de crédito imobiliário de baixo risco em seus resultados financeiros, na ausência de um equivalente europeu da Fannie Mae e da Freddie Mac, que absorveram avidamente contratos de crédito imobiliário securitizados nos Estados Unidos.
Em seu encontro em Santiago do Chile em novembro, destacou-se o fato de o Comitê da Basileia não ter aprovado uma solução, encaminhando o problema para instâncias superiores, para o comitê de Presidentes e Dirigentes de Supervisão, que fará nova tentativa em janeiro.
Eles provavelmente encontrarão uma maneira de chegar a um denominador comum nessa questão. Mas o futuro dos padrões mundiais parece mais incerto do que pareceu por algum tempo. Desde a crise de 2008, muitos países, embora apoiassem ostensivamente o desenvolvimento de regras mundiais mais rígidas, tomaram outras medidas para proteger seus próprios sistemas financeiros.
O colapso do Lehman Brothers e de outros bancos mostrou, de acordo com a observação memorável do ex-presidente do Banco da Inglaterra Mervyn King, que os grandes bancos são "mundiais em vida, mas nacionais na morte". Em outras palavras, quando um banco mundial quebra, os reguladores do país anfitrião é que têm de juntar os cacos locais. É por isso que foram adotados requisitos para abrir subsidiárias locais, com capital local. Já se foram os tempos em que os bancos podiam abrir agências em todo o planeta, com o apoio dos resultados financeiros da mantenedora. A norma agora é a subsidiarização.
E, olhando em perspectiva, podemos ver que os dois maiores participantes do FSB e de Basileia têm outras preocupações. O próximo governo de Donald Trump já sinalizou sua suspeita a envolvimentos externos e compromissos internacionais. Tornar os EUA grandes de novo pouco tende a implicar entusiasmo renovado por mais regras invasivas formuladas na Basileia. Os que defendem a revogação de boa parte da lei Dodd-Frank de reforma financeira, de 2010, em favor de um coeficiente de alavancagem mais elevado, têm em mente uma versão "formulada nos EUA" de regulamentação bancária. Mas, embora essa ideia tenha algum mérito, não se harmonizará facilmente com o atual marco de Basileia.
A Europa enfrenta outras preocupações. Seus reguladores estão no momento intensamente focados nas implicações do Brexit, que exigirão providências complexas para gerir uma nova relação entre Londres e a zona do euro. A prioridade número 1 do Banco Central Europeu (BCE) tem de ser a manutenção da integridade da união bancária da UE, que está sofrendo pressões tanto do Brexit quanto da crise que vem se apoderando dos bancos da Itália.
Contra esse pano de fundo, será um desafio manter a primazia dos padrões mundiais e garantir a persistência da adesão ao processo da Basileia. O novo diretor-geral do Banco de Compensações Internacionais, Agustín Carstens, um ex-presidente do BC do México, terá um papel fundamental a desempenhar, o que também será o caso daquele que vier a substituir Mark Carney (o atual presidente do Banco da Inglaterra) no ano que vem como presidente do conselho diretor do FSB. É provável, além disso, que haverá em breve um novo presidente do conselho diretor do próprio Comitê da Basileia. Stefan Ingves, da Suécia, deverá deixar o cargo em junho.
Esses três novos dirigentes terão de se valer de suas habilidades diplomáticas para navegar as traiçoeiras águas da política. Os interesses em jogo são grandes. Se o compromisso para com os padrões mundiais arrefecer, todos terão problemas no longo prazo. Os países imporão exigências locais incompatíveis, o que reduzirá a eficiência da utilização de capital e tornará o sistema menos robusto para o caso de uma nova instabilidade financeira. (Tradução de Rachel Warszawski)
Howard Davies é presidente do conselho diretor do Royal Bank of Scotland (RBS). 

@economia @internacional

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.