domingo, 16 de abril de 2017

A tecnologia contra os juros altos

VEJA  - Bianca Alvarenga 16/04/2017

As fintechs, empresas digitais de serviços financeiros, usam os recursos da computação para oferecer taxas mais baixas e ampliar a concorrência bancária
TODO EMPREENDEDOR sabe o que é encontrar portas fechadas para seus projetos. Ainda mais quando se trata de um estrangeiro que decide abrir um negócio por aqui. O colombiano David Vélez ouviu inúmeras vezes que o mercado de crédito brasileiro era fechado demais e que não era possível concorrer com os grandes bancos. Resolveu ignorar as pitonisas do apocalipse e criou o Nubank (em inglês, o nome soa como new bank, ou novo banco), uma instituição financeira digital, sem agências, cujo único serviço, até o momento, é um cartão de crédito sem anuidade e com juros mais camaradas do que a média do mercado. Seu segredo? Uma triagem de clientes, feita por algoritmos e tendo como base o perfil do interessado. Consumidor com bom histórico paga juro menor. Desde 2013, a fórmula conquistou mais de 1 milhão de pessoas, um número expressivo no universo de 86 milhões de cartões de crédito ativos no país.
O Nubank é o expoente nacional das fintechs, como são chamadas as empresas de tecnologia que oferecem serviços financeiros por aplicativos ou pela internet. Criadas graças ao avanço das tecnologias da informação, elas vieram para desafiar a supremacia dos bancões. Hoje, existem 250 empresas do tipo operando no Brasil - até 2015 esse número não passava de sessenta. E os investimentos nos últimos anos em iniciativas semelhantes já somam mais de 1 bilhão de reais. Para o consumidor, é uma excelente notícia. Essas empresas estão trazendo concorrência para o setor bancário, dominado hoje por cinco gigantes: Itaú, Bradesco, Caixa, Banco do Brasil e Santander. Juntos, eles detêm 80% de todos os ativos financeiros e 82% das operações de crédito realizadas no país.

Talvez você ainda não tenha ouvido falar das fintechs. Mas os bancões tradicionais já entenderam o perigo que a expansão delas representa para seu negócio. Em evento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), no ano passado, Roberto Setúbal, presidente do Itaú, disse: "Tenho certeza de que nós, bancos, temos de correr". A preocupação de Setúbal é um sinal dos novos tempos. O potencial de crescimento das fintechs é enorme, justamente porque elas avançam tirando proveito da ineficiência dos bancos maiores.

Depois de uma série de fusões e aquisições, o setor financeiro brasileiro testemunhou uma brutal queda na concorrência. Em paralelo às fusões, que juntaram marcas como Itaú e Uni-banco, encerraram as atividades por aqui instituições como o inglês HSBC e o americano Citibank (veja 0 quadro acima). Hoje, 0 único grupo de fora a figurar entre os maiores é 0 espanhol Santander. "Depois da crise internacional, os bancos estrangeiros passaram por um momento de maior risco e decidiram aprofundar as raízes nos países em que são líderes", diz Cláudio Gallina, diretor da Fitch, agência de avaliação de crédito.

Pois essa falta de concorrência acaba sendo um dos obstáculos à queda dos juros bancários, embora existam outras razões, a exemplo dos níveis de tributação, das regulações e do elevado índice de inadimplência. Tal situação ajuda a explicar por que a taxa básica do Banco Central, a Selic, diminuiu, mas os juros do crediário nem tanto. De acordo com os empreendedores das fintechs, muitos deles com passagem por bancos tradicionais, as grandes instituições financeiras possuem pouca disposição, por exemplo, para distinguir os diferentes níveis de risco. Assim, os bons clientes pagam pelos ruins. Além disso, a estrutura de custos dos bancões inclui diversas agências e funcionários, o que não ocorre com seus pares digitais.

O tamanho e o apetite pelo risco fazem com que as fintechs sejam também mais ágeis em lançar produtos. O GuiaBolso, por exemplo, é um aplicativo que identifica e classifica todas as despesas do usuário. Mais de 3 milhões de pessoas fizeram download do programa. Ele usa os dados das contas bancárias para indicar formas de diminuição de custos. "As pessoas superestimam a própria renda em 8%, em média. Percebemos que essa é uma das razões para que 35% dos usuários estejam no cheque especial ou no rotativo do cartão de crédito, quando não nos dois", explica Thiago Alvarez, sócio do GuiaBolso. Para ajudar os clientes a encontrar linhas de crédito mais baratas, 0 aplicativo compara taxas de financiamento em alguns bancos. Por enquanto, nenhuma grande instituição aceitou compartilhar dados, então 0 cotejo ocorre entre bancos pequenos e médios. Mesmo assim, os juros costumam ser menores do que as médias do mercado. "Como possuímos um histórico da conta-corrente do cliente, os bancos têm mais capacidade de avaliar 0 risco", diz Alvarez. O GuiaBolso e 0 Nubank foram as únicas empresas brasileiras na lista das fintechs mais inovadoras do mundo, segundo a consultoria KPMG.

Embora esses serviços ainda sejam pequenos, eles crescem rápido e vêm provocando muitas mudanças no setor financeiro. "A Caixa e o Banco do Brasil passaram a investir nos serviços on-line, e isso é efeito direto da concorrência com outros aplicativos", afirma Gallina, da Fitch. Ao mesmo tempo, competidores antigos, como o Original, agora tentam reinventar-se como empresas digitais. Para o Banco Central, a mudança é bem-vinda. Diz Otávio Ribeiro Damaso, diretor de regulação do BC: "Foi criado um grupo de trabalho para acompanhar especi-Ficamente os novos modelos de negócios. Mas temos uma visão positiva do processo de inovação nos serviços financeiros. Entendemos que seja um processo inevitável, porque aumenta a eficiência do sistema".

A briga pela preferência do consumidor promete ser boa - e intensa. Já houve até caso de banco tentando barrar na Justiça a troca de dados com as fintechs, mesmo quando era do interesse do cliente. Por isso, regras favoráveis à competição são essenciais. Um exemplo bem-sucedido ocorreu no mercado de cartões. Até recentemente, apenas duas empresas, a Rede e a Cielo, tinham acordos para aceitar as bandeiras Visa e MasterCard, as duas mais usadas pelos brasileiros. Em 2010, houve uma abertura e surgiram novas empresas, como a Stone, uma fintech que comprou a Elavon do Citibank no ano passado. O aumento no número de competidores trouxe benefícios para os comerciantes. Afirma Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank: "A experiência mostra que a concorrência é a questão mais importante para que instituições financeiras ofereçam mais por menos". E quem ganha com isso, claro, são os clientes. 

Os bancos tradicionais já perceberam o risco que correm.

@tecnologia @finanças

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