A joalheria assume sua responsabilidade no esquema corrupto liderado pelo ex-governador Sérgio Cabral, aceita pagar multa de R$ 18,9 milhões e fecha acordo de delação. Agora, terá de explicar como se tornou protagonista em uma sórdida estrutura de sonegação fiscal
Desde os tempos da exuberante atriz e modelo americana Marilyn Monroe, os diamantes são conhecidos como "os melhores amigos das mulheres" -como ela mesma bem definiu. Foi dessa relação passional entre joias e consumidoras de todo o mundo que surgiram poderosas grifes como Tiffany, Cartier e Bulgari, hoje ícones da elegância e da sofisticação. No Brasil, guardadas as devidas comparações de preço e qualidade, algumas joalherias como Vivara, Dryzun, Julio Okubo e H. Stern também buscaram um lugar ao sol, lapidando dia após dia a reputação de suas marcas. Nem todas, no entanto, serão lembradas apenas pela beleza do ouro e do brilhante nas vitrines. Na quinta-feira 6, os quatro principais executivos da H.Stern, Roberto Stern (presidente), Ronaldo Stern (vice-presidente), Oscar Luiz Goldemberg (diretor financeiro) e Maria Luiza Trotta (diretora comercial), fecharam acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF), concordaram em pagar multas que somam R$ 18,9 milhões e terão de prestar serviços comunitários. O quarteto terá de contar à Justiça o que sabe e como se tornou parte fundamental da maior roubalheira aos cofres públicos que se tem notícia no Rio de Janeiro - um Estado à beira do colapso financeiro. A H. Stern teria ajudado o ex-governador Sérgio Cabral e sua mulher, Adriana Ancelmo, a lavar dinheiro com a compra de 40 joias, a um custo de R$ 6,3 milhões, sem a emissão de notas fiscais.
"Essa investigação abrirá uma importante porta de informações", afirma o advogado Marcelo Godke, sócio do Godke, Silva e Rocha Advogados. "Se a H.Stern vendeu para o casal Cabral nesse modelo fraudulento, pode ter vendido para muitos outros e cada nome deverá ser apontado."
Embora a cifra de R$ 18,9 milhões acordada entre a H.Stern e o MPF impressione, à primeira vista, é consenso que o acerto saiu barato para a joalheria e seus executivos. A multa representa apenas três vezes o valor gasto pelo ex-governador e sua mulher na loja da empresa em Ipanema, bairro nobre da capital fluminense. "Pela gravidade do crime e por se tratar de cumplicidade no desvio do dinheiro público, a empresa podería sofrer sanções muito mais severas", diz Ludmila Leite Groch, sócia da área penal empresarial do TozziniFreire Advogados. "Mas a H.Stern, por ter operações nos Estados Unidos, está sujeita às sanções da lei americana de lavagem de dinheiro e poderá ter de responder processo lá."
A quadrilha comandada por Cabral teria desviado recursos em propinas cobradas de empreiteiras contratadas para obras públicas do Estado, incluindo projetos financiados pela União, como a reforma do Estádio do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014 e o PAC das Favelas. Cabral e Adriana são réus da Operação Calicute, um desdobramento da Lava Jato. Entre as joias adquiridas pelo casal com dinheiro público estão um brinco de ouro 18 quilates com brilhante solitário, que saiu por R$ 1,8 milhão, e um anel de ouro amarelo com brilhante solitário de R$ 1,1 milhão. Outras dezenas de compras abaixo de R$ 1 mil, feitas por Cabral e Adriana, foram apontadas pelas investigações como joias dadas como presente.
Pelo acordo firmado na última semana, os dois herdeiros da H.Stern, Roberto e Ronaldo, filhos do fundador Hans Stern, morto em 2007, pagarão as maiores penalidades: R$ 8,95 milhões cada um. Já os diretores Oscar e Maria Luiza terão que desembolsar R$ 500 mil cada um. A prestação de serviços comunitários ainda não está definida, mas uma das alternativas propostas pelo MPF é que a joalheria ofereça cursos profissionalizantes a jovens estudantes, durante dois anos, dentro da empresa. Procurada pela reportagem, a H.Stern informou, por meio se sua assessoria de imprensa, que não comentaria nada que envolvesse o caso Cabral.
A partir de agora, as fiscalizações tendem a ser mais criteriosas sobre as joalherias, locais muito procurados por criminosos para a ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro. Pela Lei 9.613, que versa sobre a lavagem de dinheiro, empresas que atuam em segmentos mais propensos a esse tipo de crime devem seguir algumas regras e atuar como braços de fiscalização do Estado - não cúmplices da roubalheira. Transações com pessoas politicamente expostas, valor acima de RS 10 mil e pagas com dinheiro em espécie devem ser obrigatoriamente comunicadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), da Fazenda. Depois de acertar as contas no campo jurídico e criminal, a H.Stern precisará limpar e polir sua imagem junto aos consumidores. Não será fácil. A marca H.Stern ficou atrelada ao assalto imperdoável da população do Rio. Agora, qual atriz de Hollywood usará tais diamantes?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.