segunda-feira, 10 de abril de 2017

Os primeiros 100 dias de Crivella (Cristian Klein - Valor Econômico)

Inação, nepotismo e religião marcam primeiros cem dias de Crivella

Cristian Klein - VALOR ECONÔMICO  - 10/04/2017

 

"Si hay gobierno, soy contra", prega o lema anarquista. Para o ex-prefeito do Rio por três mandatos e vereador Cesar Maia (DEM), no entanto, qualificar sua posição em relação ao governo Marcelo Crivella (PRB), depois de cem dias da posse do prefeito, não é tarefa fácil. Maia considera-se independente, "em geral de oposição", a depender dos fatos. "Mas, nestes cem dias, não tem fatos. Não dá nem para ser de oposição", ironiza. A visão de uma administração que ainda não começou, ou vive de avanços e recuos, é uma constatação sobre o governo de Crivella até entre aliados do prefeito. "É isso aí", concorda o deputado federal Luiz Carlos Ramos (PTN), ele próprio um símbolo do período. Em apenas cem dias, Ramos tomou posse como secretário de Relações Institucionais, saiu para reassumir o mandato em Brasília e agora faz gestões com o prefeito para voltar ao cargo ou indicar alguém do partido.
Conhecido como o homem do chapéu, por usar sempre o acessório, Ramos afirma que Crivella "tá pegando gordura". O prefeito estaria em compasso de espera porque aguarda o desenrolar da negociação entre a União e o governo do Estado - em crise profunda - para calcular sua margem de manobra. "Se houver uma derrota em trazer recursos federais, é a prefeitura que vai ter que socorrer a população, na saúde, na segurança", justifica.
Ramos seria o responsável por azeitar a relação com os vereadores. Na Câmara, porém, há dificuldade de se precisar qual é o tamanho e a coesão da base aliada. Não houve nenhuma votação que representasse um teste de força do prefeito. Com apenas quatro parlamentares eleitos por sua coligação - o antecessor Eduardo Paes (PMDB) assumiu em 2009 com nove do total de 51 -, é possível, afirma o vereador Tarcísio Motta (Psol), que a inação de Crivella se explique por essa fragilidade. "Ele disse que enviaria a revisão do IPTU, mas até agora não chegou. Não mandou nenhum projeto importante. Talvez não seja por acaso, pois já viu que não há coesão da base", diz.
Na proposta mais relevante discutida até agora, a própria base impediu que fosse levada à votação. O projeto prevê a redução da taxa de ISS de 5% para 2%, cobrada das empresas operadoras de cartão de crédito. O incentivo fiscal, controverso em momento de crise econômica, foi considerado inoportuno ou, no mínimo, enviado de forma açodada, sem explicações satisfatórias do Executivo.
Maia lembra que, em maio de 1994, menos de um ano e meio depois do início do primeiro mandato, já inaugurava obras do Rio Cidade, grande projeto de seu governo, em bairros como a Ilha do Governador. E que, em 2009, Paes deslanchava nos primeiros meses de administração o projeto que autorizava a contratação das Organizações Sociais (OSs) em áreas como saúde e educação. "Na época, fui radicalmente contra. Posso ser crítico ao Paes, mas não posso negar que ele fez um governo pró-ativo. O Crivella, por enquanto, é um não governo", diz Maia.
No balanço dos cem primeiros dias, Crivella reclamou da crise econômica, da falta de dinheiro e da "herança maldita" que supostamente recebeu de Paes. O rombo previsto no orçamento deste ano é de R$ 3,2 bilhões, mas na posse a sinalização era de que a prefeitura iria "salvar" várias estruturas, com a municipalização do Maracanã, do Theatro Municipal e das 16 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), ideia que logo foi deixada de lado.
O secretário de Educação, Cesar Benjamin, reconhece: "Estou na fase em que ainda sou um despachante, na fase de empurrar as coisas. Em meados do ano começa efetivamente", afirma Benjamin, que anuncia para a segunda quinzena de abril a apresentação do programa estratégico da secretaria até 2020. Questionado sobre a avaliação de que o governo não engrenou, o secretário rebate: "Governar para criar notícia é muito fácil. Mas não é o estilo do prefeito, muito menos o meu". Benjamin relata que reuniões semanais de Crivella com todos os secretários começaram há quatro semanas.
Ex-guerrilheiro na ditadura e egresso do PT e do Psol, Benjamin tem na própria família o irmão e jornalista Cid Benjamin, também ex-militante da luta armada, um crítico ferrenho da administração Crivella. "Ele não é normalmente xiita, mas está com posição sectária. Essa esquerda tem posição rancorosa em relação aos evangélicos. Isso é um erro, uma bobagem. Se o [Marcelo] Freixo tivesse vencido, esta secretaria seria toda fatiada pelas diversas tendências do Psol. Existe um fisiologismo de esquerda, que está longe da pureza", diz.
Nos cem primeiros dias, no entanto, uma das marcas da gestão Crivella foi o nepotismo, direto ou indireto, e a nomeação de integrantes da Igreja Universal do Reino de Deus, da qual o prefeito é bispo licenciado, para postos-chaves da administração. O caso mais rumoroso é a tentativa de emplacar o próprio filho, Marcelo Hodge Crivella, na Casa Civil.
Não bastasse a péssima repercussão do ato, o prefeito foi a Brasília conversar com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a suspensão da nomeação de Marcelinho, que não dá expediente, mas ainda não foi exonerado. A mulher, Sylvia Jane Crivella, cuida da obra social do município. Na sexta-feira, o Diário Oficial publicou a nomeação de Alessandro da Silva Costa, sócio da filha do prefeito, Rachel Jane Crivella, como subsecretário da Casa Civil.
A mistura de política e religião, tão criticada em Crivella na campanha, mostrou sua face em nomeações como a do ex-vereador e bispo da Universal Jorge Braz para a presidência do Instituto Municipal de Defesa do Consumidor - Procon Carioca e de Rubens Teixeira, para a secretaria de Conservação e Meio Ambiente.
Teixeira é pastor da Assembleia de Deus, foi derrotado na eleição a vereador e é apontado como alguém preocupado em articular sua candidatura a deputado. Motta conta que na semana passada vereadores "fizeram fila no microfone" da Câmara para se queixar que não são recebidos pelo secretário. "O curioso é que não é reclamação da oposição. É da própria base, que está insatisfeita", diz.
Para o advogado Victor Travancas, que já ingressou com sete ações contra atos do prefeito, a falta de diálogo com políticos e a sociedade é reflexo da intensa religiosidade de Crivella. Travancas integrou a comitiva que o então recém-eleito prefeito levou para Israel, no fim de 2016. Ex-seminarista que já advogou para a Arquidiocese do Rio e ajudou Crivella a conquistar eleitores católicos, Travancas se impressionou com a quantidade e a duração das orações feitas durante a viagem.
"Ele foi a Israel para orar e pedir pela nomeação do secretariado no Muro das Lamentações. Ele me disse que sua eleição foi um desígnio de Deus. Não é uma crítica, ele acredita piamente nisso, que é guiado por Deus, e que, para a administração, não precisa do diálogo com os homens, que são pecadores e dispensáveis. Por isso é tão centralizador e por isso a cidade está parada", afirma Travancas.
Uma das ações do advogado é para proibir a realização de cultos em instalações da prefeitura. "Até a quantidade de secretários que ele definiu, na redução do primeiro escalão, reflete esse governo de índole religiosa. São 12, como os apóstolos de Cristo". Crivella foi o primeiro prefeito do Rio a não visitar o Sambódromo no Carnaval. "Não digo para ele ir lá para se divertir, mas para fiscalizar. A prefeitura pagou R$ 70 milhões. É muito dinheiro para o prefeito abandonar a festa por uma questão religiosa", critica Travancas.
Procurado, Crivella não respondeu até o fechamento da edição.
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