Os analistas do mercado financeiro apostam, de forma
geral, que a enorme capacidade ociosa da economia vai manter a inflação sob
controle e abrir espaço, nos próximos meses, para o Banco Central cortar os
juros abaixo dos atuais 7% ao ano e para a taxa manter a Selic em níveis
historicamente reduzidos por muito tempo. Quais são os riscos desse cenário
positivo não se confirmar?
Na recessão, que durou de meados de 2014 a fins de
2016, a economia teve uma contração próxima de 7%, levando a uma alta brutal do
desemprego e um elevado nível de ociosidade na indústria. Na teoria, a inflação
deve permanecer baixa até que se atinja o pleno emprego desses fatores de
produção.
Mas uma safra de estudos acadêmicos, feitos desde a
crise financeira internacional que atingiu os países desenvolvidos a partir de
2008, mostra que, em geral, os especialistas superestimam a capacidade ociosa
das economias, ignorando que recessões profundas e prolongadas costumam
destruir o Produto Interno Bruto (PIB) potencial (uma medida de quanto a
economia pode crescer sem
acelerar a inflação).
O professor Laurence Ball, da Universidade John
Hopkins, publicou um estudo em 2014 mostrando que um conjunto de 23 países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tiveram perda
média de 8,4% no PIB potencial depois da Grande Recessão.
Ball lembra, no estudo publicado pelo Escritório
Nacional de Pesquisa Econômica (NBER, na sigla em inglês), que a teoria
aprendida nos livros básicos de economia diz que o PIB potencial não teria
perda significativa nas recessões. A queda no consumo, investimentos e gastos
do governo levaria à recessão, quando a economia cresce abaixo do PIB
potencial, mas na fase de recuperação a atividade convergiria ao potencial.
Mas novas linhas de pesquisa, diz Ball, vêm colocando
essa teoria sob escrutínio. Nas recessões, a capacidade da economia seria
reduzida, entre outros motivos, porque os investimentos caem e porque os
trabalhadores perdem qualificações depois de ficarem muito tempo sem emprego.
Um livro recente (“Janesville, Uma História
Americana”, publicado em inglês) conta como o fechamento de uma fábrica da
General Motors numa cidade do Wisconsin levou uma boa parte da população ao
desemprego permanente, apesar dos
altos investimentos feitos para retreinar a mão de
obra local para outras atividades.
A economista Jane Haltmaier, do Federal Reserve (Fed,
o banco central americano), publicou em 2012 um amplo estudo investigando como
187 episódios de recessão em um conjunto de 40 economias desenvolvidas e
emergentes afetou o PIB
potencial. Sua conclusão é que o crescimento potencial
diminuiu, em média, meio ponto percentual durante dois anos. Na Grande
Recessão, diz os estudo, as economias avançadas tiveram uma perda de 3% no PIB
potencial. Economias avançadas, em geral, são mais afetadas nas recessões profundas,
enquanto que os emergentes sofrem impacto maior nas mais prolongadas.
Já um outro estudo, publicado em 2015 por economistas
do Fed (Robert Martin, Teyanna Munyan e Beth Anne Wilson), mostra que, além de
superestimar a capacidade ociosa da economia, os especialistas costumam
subestimar a inflação nos períodos posteriores a recessões. Esse estudo tem um
nome sugestivo - “Produto Potencial e Recessão: Estamos Enganando a Nós
Mesmos?” - e examina 150 episódios de recessão nos últimos 40 anos, ocorridos em
23 países avançados.
O padrão é, ao longo do tempo, a capacidade ociosa ser
preenchida não pela aceleração do crescimento da economia, mas pela revisão
para baixo nas estimativas para o PIB potencial.
Um outro estudo, feito pelos economistas Patrice Ollivand
e David Turner, da OCDE, mostra que 19 países associados ao organismo tiveram
uma perda média de 5,5% no PIB potencial depois da crise financeira mundial.
Eles constataram que
os países que mais cresceram eram aqueles que tinham
cometido mais excessos no período anterior, de euforia. Em geral, apresentavam
inflação alta, forte investimento, grandes déficits externos e elevada
alavancagem.
Esse é um sinal de que a perda de potencial de
crescimento deveu-se à má alocação de investimentos no período de euforia. São
situações muito semelhantes à do Brasil, cuja recessão também foi antecedida
por um período de excesso de otimismo, em que o país era festejado como um dos
países do Brics.
Toda a incerteza sobre a real dimensão do PIB
potencial do Brasil ocorre num momento em que os estímulos monetários feitos
pelo Banco Central começam a chegar na economia. Cortes na taxa básica de juros
levam de seis a nove meses para chegar à atividade, e apenas em abril do ano
passado o BC adotou o ritmo de baixa de um ponto percentual na Selic.
O Banco Central não tem demonstrado uma preocupação
especial com o risco de a capacidade ociosa ser rapidamente preenchida. Nas
atas do Comitê de Política Monetária (Copom), o BC tem afirmado “que, em
decorrência dos níveis atuais de ociosidade na economia, revisões marginais na
intensidade da recuperação não levariam a revisões materiais na trajetória
esperada para a inflação”.
Embora não tenha citado entre os seus riscos
principais, o Banco Central não está alheio à hipótese de a capacidade ociosa
da economia se esgotar mais rapidamente. Os sinais são de que os membros do
Copom estão no meio termo entre os que acham que nada do PIB potencial foi
perdido durante a recessão e os que acham que a economia vai bater no teto
mesmo com uma recuperação muito gradual da atividade.
Mas, muito provavelmente, só a prática vai dizer
quando a economia vai chegar ao limite. O Banco Central tem vinculado a
condução da política monetária à evolução dos núcleos de inflação, que deverão
reagir à medida que a economia caminhar na direção de seu potencial. E tem
destacado que a fase de estímulos não é infinita e que, em algum momento, a
Selic terá que ser normalizada.
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