quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Recessão poderá deixar marcas mais profundas (Alex Ribeiro, Valor Econômico)

Valor Econômico - 5/1/18



Os analistas do mercado financeiro apostam, de forma geral, que a enorme capacidade ociosa da economia vai manter a inflação sob controle e abrir espaço, nos próximos meses, para o Banco Central cortar os juros abaixo dos atuais 7% ao ano e para a taxa manter a Selic em níveis historicamente reduzidos por muito tempo. Quais são os riscos desse cenário positivo não se confirmar?

Na recessão, que durou de meados de 2014 a fins de 2016, a economia teve uma contração próxima de 7%, levando a uma alta brutal do desemprego e um elevado nível de ociosidade na indústria. Na teoria, a inflação deve permanecer baixa até que se atinja o pleno emprego desses fatores de produção.

Mas uma safra de estudos acadêmicos, feitos desde a crise financeira internacional que atingiu os países desenvolvidos a partir de 2008, mostra que, em geral, os especialistas superestimam a capacidade ociosa das economias, ignorando que recessões profundas e prolongadas costumam destruir o Produto Interno Bruto (PIB) potencial (uma medida de quanto a economia pode crescer sem
acelerar a inflação).

O professor Laurence Ball, da Universidade John Hopkins, publicou um estudo em 2014 mostrando que um conjunto de 23 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tiveram perda média de 8,4% no PIB potencial depois da Grande Recessão.

Ball lembra, no estudo publicado pelo Escritório Nacional de Pesquisa Econômica (NBER, na sigla em inglês), que a teoria aprendida nos livros básicos de economia diz que o PIB potencial não teria perda significativa nas recessões. A queda no consumo, investimentos e gastos do governo levaria à recessão, quando a economia cresce abaixo do PIB potencial, mas na fase de recuperação a atividade convergiria ao potencial.

Mas novas linhas de pesquisa, diz Ball, vêm colocando essa teoria sob escrutínio. Nas recessões, a capacidade da economia seria reduzida, entre outros motivos, porque os investimentos caem e porque os trabalhadores perdem qualificações depois de ficarem muito tempo sem emprego.

Um livro recente (“Janesville, Uma História Americana”, publicado em inglês) conta como o fechamento de uma fábrica da General Motors numa cidade do Wisconsin levou uma boa parte da população ao desemprego permanente, apesar dos
altos investimentos feitos para retreinar a mão de obra local para outras atividades.

A economista Jane Haltmaier, do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), publicou em 2012 um amplo estudo investigando como 187 episódios de recessão em um conjunto de 40 economias desenvolvidas e emergentes afetou o PIB
potencial. Sua conclusão é que o crescimento potencial diminuiu, em média, meio ponto percentual durante dois anos. Na Grande Recessão, diz os estudo, as economias avançadas tiveram uma perda de 3% no PIB potencial. Economias avançadas, em geral, são mais afetadas nas recessões profundas, enquanto que os emergentes sofrem impacto maior nas mais prolongadas.

Já um outro estudo, publicado em 2015 por economistas do Fed (Robert Martin, Teyanna Munyan e Beth Anne Wilson), mostra que, além de superestimar a capacidade ociosa da economia, os especialistas costumam subestimar a inflação nos períodos posteriores a recessões. Esse estudo tem um nome sugestivo - “Produto Potencial e Recessão: Estamos Enganando a Nós Mesmos?” - e examina 150 episódios de recessão nos últimos 40 anos, ocorridos em 23 países avançados.

O padrão é, ao longo do tempo, a capacidade ociosa ser preenchida não pela aceleração do crescimento da economia, mas pela revisão para baixo nas estimativas para o PIB potencial.

Um outro estudo, feito pelos economistas Patrice Ollivand e David Turner, da OCDE, mostra que 19 países associados ao organismo tiveram uma perda média de 5,5% no PIB potencial depois da crise financeira mundial. Eles constataram que
os países que mais cresceram eram aqueles que tinham cometido mais excessos no período anterior, de euforia. Em geral, apresentavam inflação alta, forte investimento, grandes déficits externos e elevada alavancagem.

Esse é um sinal de que a perda de potencial de crescimento deveu-se à má alocação de investimentos no período de euforia. São situações muito semelhantes à do Brasil, cuja recessão também foi antecedida por um período de excesso de otimismo, em que o país era festejado como um dos países do Brics.

Toda a incerteza sobre a real dimensão do PIB potencial do Brasil ocorre num momento em que os estímulos monetários feitos pelo Banco Central começam a chegar na economia. Cortes na taxa básica de juros levam de seis a nove meses para chegar à atividade, e apenas em abril do ano passado o BC adotou o ritmo de baixa de um ponto percentual na Selic.

O Banco Central não tem demonstrado uma preocupação especial com o risco de a capacidade ociosa ser rapidamente preenchida. Nas atas do Comitê de Política Monetária (Copom), o BC tem afirmado “que, em decorrência dos níveis atuais de ociosidade na economia, revisões marginais na intensidade da recuperação não levariam a revisões materiais na trajetória esperada para a inflação”.

Embora não tenha citado entre os seus riscos principais, o Banco Central não está alheio à hipótese de a capacidade ociosa da economia se esgotar mais rapidamente. Os sinais são de que os membros do Copom estão no meio termo entre os que acham que nada do PIB potencial foi perdido durante a recessão e os que acham que a economia vai bater no teto mesmo com uma recuperação muito gradual da atividade.

Mas, muito provavelmente, só a prática vai dizer quando a economia vai chegar ao limite. O Banco Central tem vinculado a condução da política monetária à evolução dos núcleos de inflação, que deverão reagir à medida que a economia caminhar na direção de seu potencial. E tem destacado que a fase de estímulos não é infinita e que, em algum momento, a Selic terá que ser normalizada.


@economia @Brasi

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